Câmara aprova fura-fila de empresários na vacinação

Vacinas poderão ser adquiridas sem registro da Anvisa, desde que tenham aval da OMS

Nem nos EUA foi permitido a compra de vacinas pelo setor privado, estimulando o acesso dos mais ricos à imunização antes das prioridades da saúde pública. Michael Appleton / Mayoral Photography Office

A Câmara dos Deputados concluiu nesta quarta-feira (7) a votação da proposta que permite à iniciativa privada comprar vacinas contra a Covid-19 para a imunização gratuita de seus empregados, desde que seja doada a mesma quantidade ao Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta será enviada ao Senado.

O texto aprovado é um substitutivo da relatora, deputada Celina Leão (PP-DF), ao Projeto de Lei 948/21, do deputado Hildo Rocha (MDB-MA). Segundo o texto, as regras se aplicam às pessoas jurídicas de direito privado, individualmente ou em consórcio.

Poderão ser vacinados ainda outros trabalhadores que prestem serviços a elas, inclusive estagiários, autônomos e empregados de empresas de trabalho temporário ou de terceirizadas.

Quanto às pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos (associações ou sindicatos, por exemplo), a permissão vale para seus associados ou cooperados.

Autorização
Além de poder comprar vacinas contra a Covid-19 que tenham registro sanitário definitivo concedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as empresas e associações poderão adquirir aquelas com autorização temporária para uso emergencial ou autorização excepcional e temporária para importação e distribuição.

Podem ser compradas também vacinas sem registro ou autorização da Anvisa, contanto que tenham esse aval de qualquer autoridade sanitária estrangeira reconhecida e certificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Será permitido ainda contratar estabelecimentos de saúde que tenham autorização para importar vacinas.

Entretanto, o SUS não pode usar vacinas que não tenham sido aprovadas pela Anvisa. A agência já aprovou cinco vacinas, sendo duas para uso emergencial (Janssen e Coronavac) e as demais já com registro definitivo (AstraZeneca e Pfizer). A AstraZeneca é contada duas vezes, pois considera as doses importadas da Índia e aquelas produzidas no País.

Entre as vacinas previstas no cronograma do Ministério da Saúde, duas ainda não têm autorização para uso no Brasil: Covaxin (Índia) e Sputnik V (Rússia).

Prioridades
Outra novidade no texto de Celina Leão é que a vacinação dos empregados deve seguir os critérios de prioridade estabelecidos no Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Segundo o autor do projeto, a proposta não pretende legalizar o “fura-fila”. “A cada pessoa vacinada, são tirados dois da fila do SUS, por isso estaremos fazendo justiça de fato”, afirmou Hildo Rocha.

Multa
A empresa ou entidade que descumprir as regras estará sujeita a multa equivalente a dez vezes o valor gasto na aquisição das vacinas, sem prejuízo das sanções administrativas e penais.

Já a aplicação da vacina deverá ocorrer em qualquer estabelecimento ou serviço de saúde que possua sala para aplicação de injetáveis autorizada pelo serviço local de vigilância sanitária.

Lei atual
Uma lei atualmente em vigor já autoriza a compra de vacinas contra a Covid-19 por empresas, mas as doses adquiridas devem ser integralmente doadas ao SUS enquanto estiver em curso a vacinação dos grupos prioritários definidos pelo Ministério da Saúde.

Repercussão

A presidenta nacional do PCdoB e vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, se manifestou, em suas redes sociais nesta quarta-feira (7) sobre o Projeto de Lei 948/21, aprovado na terça-feira (6) na Câmara dos Deputados, que permite às empresas privadas a compra e aplicação de vacinas contra a Covid-19, o chamado “fura-fila”. A bancada do PCdoB votou contra a matéria.

A dirigente destacou: “A uma altura dessas, com mais de quatro mil mortes por dia; diante da escassez de vacinas que há no mundo, e da incapacidade do governo federal que não planejou compra suficiente e a tempo, a aprovação do ‘fura-fila’ é um verdadeiro crime contra o povo brasileiro”.

Luciana Santos disse ainda: “Ao invés de atacar os princípios de universalidade e gratuidade, pilares do SUS, o Congresso deveria estar lutando para ampliar a vacinação e garantir formas de aumentar e baratear a produção dos imunizantes”.

Por fim, a dirigente salientou: “Todos sabemos que a principal saída dessa tragédia que estamos vivendo é a vacina. É fundamental garantirmos vacinação das prioridades e a equidade no plano de imunização”.

O vice-líder do PCdoB na Câmara, deputado federal Daniel Almeida (BA), também reiterou a luta em defesa saúde pública e condenou a segregação no acesso às vacinas contra a Covid.

O deputado baiano reforçou que o projeto vai, efetivamente, burlar as prioridades definidas por critérios científicos, para criar privilégios aos que têm poder econômico e podem comprar os imunizantes.

“No Dia Mundial da Saúde, reforço nossa luta em defesa do SUS. Como se não bastassem todos os absurdos cometidos até aqui, Bolsonaro incentiva o “fura-fila”, com a conivência do Parlamento brasileiro, para construir privilégios para aqueles que podem comprar. Repudiamos esse ato! O Brasil vive um grande drama e não podemos continuar errando no enfrentamento à Covid. Nenhum país que tratou o assunto com seriedade abriu para compra da iniciativa privada. Essa é a confissão da falta de compaixão e percepção da gravidade do problema que está instaurado no país”, destacou o parlamentar.

“O governo Bolsonaro não tem plano para enfrentar a covid e tem sabotado de todas as formas. Tem sabotado, inclusive, a aquisição de vacinas. Ainda hoje fez mais um gesto nesse sentido ao sabotar o contrato feito pelo consórcio do Nordeste para comprar a vacina Sputnik, interferindo para que esta vacina não chegue. E agora quer incentivar o fura-fila”, assinalou o parlamentar.

O líder do PCdoB na Câmara, deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE), avaliou que a proposta vai estabelecer um mercado paralelo, causando prejuízo às pessoas que têm prioridade para serem vacinadas.

Ele destacou que as maiores economias do mundo, como os Estados Unidos, impedem a compra pelo setor privado. “Se abrirmos agora para que as empresas comprem vacina, elas irão de maneira agressiva ao mercado, e o setor público será desabastecido”, disse.

Calheiros observou que, se o país está enfrentando dificuldades no âmbito do Programa Nacional de Imunizações (PNI), isso é resultado da política negacionista do presidente Jair Bolsonaro, que desautorizou as iniciativas que o Ministério da Saúde tentou adotar no ano passado para a contratação de vacinas.

“Agora, deixou-nos diante dessa situação. A população está aflita. São quase 4 mil pessoas morrendo todos os dias. As pessoas estão desesperadas atrás de vacina. Mas esse projeto, no meu entender, não vem com o objetivo de beneficiar o Plano Nacional de Imunização. Ao contrário, ele o prejudica”, afirmou o parlamentar.

A vice-líder do PCdoB, deputada Perpétua Almeida (AC), disse que a vacinação no Brasil caminha a passos lentos porque Bolsonaro “não cumpriu com a parte dele de comprar vacinas a tempo”. “Aliás, recusou 80 milhões de vacinas no ano passado, ou seja, a população já poderia estar sendo vacinada, desde dezembro”, lembrou.

Perpétua alertou que o projeto vai além da simples autorização para o setor privado comprar vacinas, coisa que o legislativo já aprovou. “O que nós estamos discutindo, aqui, é se a vacina comprada pelos empresários vai entrar na fila do SUS ou se vai haver fura-fila”, denunciou.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) também se manifestou contra o projeto. “O problema não está em apenas o setor privado comprar, o problema é que todos afirmam que não existe vacina. O nosso problema é ter vacina para o SUS, para o Programa Nacional de Imunização. Nós temos vacinas de menos e uma das razões é que o governo não as comprou quando deveria ter comprado”, frisou.

Já o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) apontou que a Câmara dos Deputados se coloca de costas para o povo ao aprovar a proposta. “Aprovar esse fura-fila da vacina para a Covid-19 é aderir ao ‘salve-se quem puder’. O povo precisa de acolhimento, de vacina. Precisa de cuidados, de orientação. O governo não faz nada disso, e a Câmara deveria aprovar o auxílio emergencial na dimensão necessária para o nosso povo, deveria decretar lockdown. Só o lockdown pode impedir a expansão desse vírus na proporção que ele alcançou”, ressaltou.

Para a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), o parlamento não pode “confiar uma tarefa eminentemente do setor público e do SUS, para que o segmento privado a realize”.

“Nós precisamos entender que essa é uma tarefa do SUS e que fortalecer o SUS é uma obrigação de todos nós. Nós precisamos de mais vacinas, comprar mais vacinas, municiar estado e municípios, e evidentemente auditar porque isso é da natureza do SUS, mas, sem dúvida alguma, precisamos entender que essa tarefa é uma tarefa pública. Os cientistas têm dito com clareza que teremos um abril e um maio muito triste no Brasil. É preciso apertar as medidas de distanciamento social”, pontuou.

Com informações do PCdoB e Liderança do PCdoB na Câmara.

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