O Brasil em tempo de quaresma

O caos bolsonariano, que crucifica ainda mais o povo, não está facilitando nem o genocida.

Foto: Reprodução

Toda vez que o chamam de mito e ele gargalha satisfeito, tenho a nítida imagem de deboche de tudo que é humano; do sacrifício da vida e da palavra no altar da ignorância e da indiferença. Um quadro patético de farsa nunca visto. Felizmente, o pesadelo de um Brasil bolsonarista, que se delineia todos os dias, vem despertando da letargia, induzida ou não, diversos grupos de interesse; inúmeros blocos de iludidos; séquitos do abandono; as vítimas das crises conjugadas. 

O monstro que emergiu do pântano do conservadorismo, alimentando-se de medo e da criminalização da política, é subproduto da hegemonia neoliberal no país e sua voraz necessidade de realização do capital financeiro. O Brasil se transformou em laboratório de vale-tudo, conduzido ao extremo e com esmero pelos seus acólitos, nos campos da política, da economia, do social. Nesse domínio, qualquer um pode ser ungido desde que facilite o sacrossanto “direito” de explorar ao máximo o trabalho e sugar todas as riquezas. 

O Messias, príncipe da pax miliciana, subiu ao Planalto montado no tripé do reacionarismo sob as hosanas da hipocrisia e de mentiras. No entanto, acredita piamente que tem poderes sobre o bem e o mal; em sua onipresença e onisciência; em sua sagrada família. Da vida real só deseja a penitência e a conversão ao seu reino de crenças e realizações mesquinhas, sob os escombros de Direitos e das condições humanas. Porém, todas as concessões aos senhores da Terra são insuficientes para que mantenham a fé. 

Saindo das metáforas, sem abdicar do tempo de Quaresma, o povo brasileiro segue no seu calvário sem precedentes. A pandemia atinge seu ponto mais alto com quase 4 mil pessoas mortas em 24 horas; entram em colapso os sistemas público e privado de saúde. O desemprego aumenta; o auxílio emergencial quando voltar será ainda mais insuficiente; necessidade de lockdown em todo o território nacional; empresas fechando porta e outras saindo do país; a economia afundando; fome, desespero, violência. E o (des)governo federal, no seu quarto ministro de Saúde, age sinistramente para agravar a crítica situação. 

O caos bolsonariano, que crucifica ainda mais o povo, não está facilitando nem o genocida. Se alguns segmentos não perdem, como o capital financeiro, a destruição da economia, crise futura no agronegócio e a insolvência não é o melhor caminho; as cúpulas militares demonstram não estar dispostas em embarcar em uma aventura de família; os negacionistas perdem mobilização, como na “comemoração” do golpe militar. Hoje, parece que o que resta ao protofascista de mais firme é o terreno lodoso e movediço do Centrão. 

Mesmo reconhecendo o isolamento político, não devemos subestimar a capacidade destrutiva e de resiliência de Bolsonaro. Ele tem as prerrogativas de presidente e o poder de cooptação nas mãos. Também não podemos descartar a renúncia em situação extremada. Mas, demonstrações teatrais de força e ações aventureiras para gerar crises institucionais são mais prováveis. Penso que tudo fará para constituir-se em vítima e salvar sua pele e de sua família. 

Só um movimento amplo e coordenado é capaz de ocupar o vácuo político e dar um rumo democrático e institucional nessa situação de crise aguda. Há elementos e vontades que possibilitam essa construção conforme as diversas movimentações positivas existentes. Resta saber o quê e quem aglutina essas necessidades de sair desse ambiente de destruição e caos. Por isso, apesar da falta do Carnaval é preciso sair desse martírio de Sexta-feira Santa para o Domingo de Páscoa, sem esquecer a Malhação de Judas no Sábado de Aleluia. 

Autor