Renato: Capitalismo dependente não permite desenvolvimento nacional

Seminário discute nacional-desenvolvimentismo em tempos de fascismo neoliberal

Renato Rabelo em seminário da Fundação Maurício Grabois

Nesta segunda-feira (1), ocorreu o Seminário “O Nacional-Desenvolvimentismo e o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento”, promovido pela Fundação Maurício Grabois através da Cátedra Claudio Campos. Analisaram o tema a presidenta nacional do PCdoB, Luciana Santos, o presidente da Fundacão Maurício Grabois, Renato Rabelo e o médico Jorge Venâncio, presidente da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).

O evento deu abertura a uma série de onze mesas com 60 conferencistas tratando do tema, visando apoiar o esforço no aprofundamento e atualização do Novo Programa Nacional de Desenvolvimento do PCdoB e dar um aporte científico à Comissão de Programa que será formada.

Neste primeiro debate foi feita apresentação dos princípios que norteiam o nacional-desenvolvimentismo a partir da experiência brasileira, assim como sua condição defensiva na atualidade, com a hegemonia neoliberal pós-golpe de estado. O tema da busca por uma frente ampla na sociedade para mudança dessa correlação de forças também foi debatido.

Atualização programática para uma crise estrutural contínua

A abordagem de Renato Rabelo teve o caráter de uma síntese que contextualiza a atualidade de desmonte do ideário nacional-desenvolvimentista, particularmente após a ditadura militar. O cenário neoliberal construído internacionalmente pelo Consenso de Washington afeta profundamente as economias latino-americanas, interrompendo qualquer possibilidade de crescimento econômico desses países.

A partir dessa síntese, Renato apresenta a atualidade da análise programática feita pelo PCdoB, ainda em 2009, com propostas claramente fundadas no ideário nacional-desenvolvimentista adaptado ao novo contexto de enfrentamento neoliberal. Ele conclui sua valiosa análise com propostas de atualização àquela plataforma programática, a partir do novo cenário de avanço autoritário da extrema-direita e de combate ao ultraliberalismo sem precedentes que os governos pós-golpe de 2016 tentam impor ao país.

Ao mencionar os dois ciclos históricos de construção da nação brasileira, Renato priorizou as transformações mais profundas da etapa pós-Revolução de 1930, com a ruptura com as oligarquias o princípio de uma industrialização e urbanização intensas, a partir dos governos getulistas. Transformações que vão culminar em avanços econômicos-sociais no getulismo da década de 1950.

“Transformações responsáveis pela mais longa trajetória de expansão da economia brasileira, a maior da nossa história, que duraria 50 anos, operando as maiores taxas de crescimento no mundo capitalista da época. Crescimento similar somente ocorreria a partir da década de 80 na República Popular da China”, friza Renato.

Em diálogo com Venâncio, ele ressalta o modo como a proteção ao trabalhador teve efeito dinamizador sobre o mercado de consumo interno pela melhora no poder de compra. Proteção que não foi apenas de um governo, mas institucionalizada pela legislação trabalhista da CLT. Um processo avançado que teria se completado com as oito Reformas de Base de João Goulart, caso seu governo não tivesse sido interrompido de forma traumática pelo golpe militar de 1964.

Renato resgata o pensamento de Celso Furtado, que, em 1992, explica o ciclo declinante da economia brasileira, a partir da década de 1980. Surgem os famigerados ajustes fiscais para pagamento de juros da dívida externa, que avançam para o superávit primário. Todo um cenário de dependência e interferências externas que não vigorou nos países asiáticos, levando-os ao rumo do desenvolvimentismo acelerado.

“Os interesses dos credores e rentistas foi agravado pelo avanço da desnacionalização da economia com drenagem de grandes recursos para o exterior, superexploração da força de trabalho e estreitamento do consumo interno”, resume ele, o círculo vicioso da crise estrutural que se instalou, desde então. A partir dessa financeirização, fragiliza-se o setor produtivo industrial e desenvolve-se o agronegócio, pelo interesse das superpotências industriais, tirando protagonismo anterior dos industriais para substituí-lo pelos grandes proprietários de terra. O Brasil assume um período de semiestagnação, recessão, desindustrialização e reprimarização da economia.

O desenvolvimentismo é antagonizado pelo sistêmico fiscalismo financista, uma assumida política macroeconômica anti-desenvolvimento, ao implantar o tripé econômico dos juros altos e câmbio apreciado para garantir metas fiscais e inflacionárias. O caráter anti-desenvolvimentista dessas medidas aprofundam a dependência, a desnacionalização e a financeirização da economia, desestimulando a indústria e a produção.

Renato admite que o período dos governos Lula-Dilma interromperam o rigor desse fiscalismo para retomar medidas típicas do nacional-desenvolvimentismo, visando estimular o mercado interno. Foram significativas conquistas sociais, defesa da soberania nacional, aumento do investimento na infraestrutura, redimensionamento na educação, superação do aval e submissão ao FMI, relativa estabilidade lastreada pelas reservas cambiais. Tudo isso, para culminar no golpismo institucionalizado de 2016, que retomou a hegemonia financeira globalizada e a política sistêmica do ajuste fiscal. “Após a queda de Dilma, a dependência se exacerbou”, constata Renato.

Nada disso, diz ele, se deu desconectado de um contexto internacional de múltiplas crises provocadas e aprofundadas pelos países centrais do capitalismo, a partir de 2008, que levaram ao avanço da extrema-direita e de um ambiente neofascista no mundo. A pandemia de 2020 acentua as consequências danosas da financeirização global capitalista, enquanto evidencia as contradições do neoliberalismo e seu austericidio econômico.

A atualização do Programa de 2009, conforme ressalta Renato, não pode se dar sem objetivar o rumo socialista, ainda que pela via da aplicação do Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento (NPND). “Não há passagem direta do capitalismo ao socialismo”, lembra. Assim, Renato observa que não se trata de elaborar um programa de construção do socialismo, mas de construção da nação. A construção do socialismo seria um desafio histórico, a partir de uma terceira ruptura civilizacional.

Um estado desenvolvimentista já seria um grande passo, que não pode ser dado nos marcos do capitalismo dependente e periférico atual. Mudanças estruturais em vários âmbitos da institucionalidade brasileira precisam ser acionadas para superar a atual crise estrutural.

Para Renato, a crise mundial de 2008 e a atual pandemia apresentou desafios maiores para compreensão do cenário em perspectiva, para atualização de um programa econômico lastreado na realidade e correlação de forças ainda indefinida. A defensiva imposta aos setores progressistas pelas forças fascistizantes da extrema-direita dominante, acaba por limitar as respostas imediatas à luta pela vida, pela democracia, pelo emprego e retomada do crescimento.

Renato friza que a luta precisa seguir adiante, para além da pandemia, rumo a um projeto estrutural de longo prazo para o país. “É disto que se trata este debate. Como recuperar a experiência histórica no enfrentamento da dependência, sobretudo, dos aspectos que contribuíram para aprofundar a crise, e estudar o desenvolvimento tecnológico e estrutural?”.

O impacto dessa situação no âmbito nacional e global alimenta uma crise estrutural no Brasil, com raízes nas várias formas de dependência, que se agravam com o status neocolonial atual. Um neocolonialismo que se impõe, não mais pela força bruta, mas pela inserção subordinada nos marcos do capitalismo mundial, a monopolização da economia, o aprofundamento do parasitismo rentista, a estagnação econômica, tudo favorecendo a desindustrialização e a reprimarização da economia.

O coração do projeto desenvolvimentista para o Brasil

Para Renato, os elementos centrais da alternativa de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento precisam ser debatidos levando em conta a experiência brasileira de 1930 a 1980 e aspectos da experiência da Ásia. Ambas sob princípios norteadores que conflitam com a lógica política  atual como a orientação e a estratégia do desenvolvimento sob a condução de um estado forte. Foi a partir de políticas industriais elaboradas e estimuladas pelo estado nacional que se formaram conglomerados (empresariais) estatais e privados em conexão com sistemas financeiros nacionais.

Isso foi possível conforme se estruturou burocracias com alto grau de instrução comprometidas com o projeto nacional, maiorias políticas convencidas da nessecidade desse planejamento, além de bancos públicos para o “financiamento do desenvolvimento”.

Renato também observa como o debate intelectual em torno de ideias desenvolvimentistas tem avançado desde o colapso econômico de 2008, nos EUA e Europa, e se impõem também durante a pandemia. A Moderna Teoria da Moeda (MMT, em inglês) é um desses paradigmas teóricos que ganham espaço diante do crescimento da miséria e desigualdade nos EUA, propondo emissão desreprimida de moeda para estimular o mercado interno, desmontando o modelo fiscalista financista e retomando a importância do investimento público. O debate sobre a importância de reduzir desigualdades econômicas para garantir a sustentabilidade do capitalismo também ganhou espaço, assim como ganha corpo na dinâmica internacional a ideia de desenvolvimento sustentável com proteção do meio ambiente. A pandemia revelou como a renda básica pode ser um fator de promoção do mercado interno, evitando ciclos recessivos profundos.

Outro norte para uma estratégia desenvolvimentista no contexto atual brasileiro precisa entender o mundo do trabalho como elemento central. Renato mencionou o “dilaceramento” atual mercado de trabalho, sem garantias de seguridade para os trabalhadores, renda reprimida e cada vez mais informalização.

Para isso, seria preciso o fomento das forças produtivas por meio de aumento da taxa de investimento para atender as crescentes necessidades da população. “Este o segundo grande desafio, avançar a taxa de investimento de 13% para 25%, o que já seria uma revolução, mesmo distante da China, que investe 45% de seu PIB”, sugere Renato, como medida fundamental para a re-industrialização do país.

“A re-industrialização vai precisar desse aumento de investimento e de sua proteção principalmente de um câmbio administrado e da prioridade nos financiamentos e encomendas do Estado. Na reconstrução do país vai precisar de uma reforma do sistema financeiro, que fortaleça o papel dos bancos públicos”, disse.

O terceiro desafio, para Renato, seria um salto na base industrial brasileira avançando tecnologicamente para dominar atividades produtivas mais avançadas e sofisticadas para alcançar a revolução 4.0 da indústria. No entanto, Renato admite a dificuldade de construir um sistema nacional de inovação consistente com essa demanda.   

“Mas, o que importa é a força política da decisão advinda de um governo comprometido com um avançado projeto de nação, respaldado por ampla base social e que reúna as condições da mudança da ordem econômica e financeira”, declara o dirigente. Em sua opinião, os recursos estão disponíveis, ainda que drenados para o parasitismo financeiro internacional, para monopólios e os milionários que não são tributados devidamente.

Renato conclui resgatando das Reformas Estruturais bloqueadas em 1964, de imediato, a Reforma Tributária progressiva e Reforma do Sistema Financeiro, fortalecendo os bancos estatais. “Requer demolir o entulho neoliberal para reconstruir o país”, resumiu.

Após as intervenções principais, o debate prosseguiu por mais duas horas com comentários, sugestões e indagações de lideranças sociais e políticas, assim como estudiosos do tema. Entre estes, Dilermando Toni, Sérgio Cruz, Assis Melo, Davidson Magalhães, Aloísio Barroso, Ana Rocha, Olival Freire, Ronald Freitas, Ronald Santos, Odorico, Augusto Vasconcelos, Robério Granja, Walter Sorrentino e Euler Ivo Vieira. O evento virtual reuniu cerca de 200 convidados.

O debate teve a mediação de Rosanita Campos, coordenadora da Cátedra, Nilson Araújo de Souza, Diretor de Comunicação e Publicação da Fundação Maurício Grabois e professor titular da Cátedra Claudio Campos e Fernando Garcia, historiador do Centro de Documentação e Memória da Fundação Maurício Grabois.

O temário do seminário baseou-se em pontos do Programa do PCdoB de 2009 e no Programa eleitoral de 2018 do PPL para a candidatura presidencial de João Vicente Goulart.

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Da Fundação Maurício Grabois

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