Desenvolvimentismo exige estímulo a mercado interno e industrialização

Seminário discute nacional-desenvolvimentismo em tempos de fascismo neoliberal

Jorge Venâncio em seminário da Fundação Maurício Grabois

Nesta segunda-feira (1), ocorreu o Seminário “O Nacional-Desenvolvimentismo e o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento”, promovido pela Fundação Maurício Grabois através da Cátedra Claudio Campos. Analisaram o tema a presidenta nacional do PCdoB, Luciana Santos, o presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo e o médico Jorge Venâncio, presidente da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).

O evento deu abertura a uma série de onze mesas com 60 conferencistas tratando do tema, visando apoiar o esforço no aprofundamento e atualização do Novo Programa Nacional de Desenvolvimento do PCdoB e dar um aporte científico à Comissão de Programa que será formada.

Neste primeiro debate foi feita apresentação dos princípios que norteiam o nacional-desenvolvimentismo a partir da experiência brasileira, assim como sua condição defensiva na atualidade, com a hegemonia neoliberal pós-golpe de estado. O tema da busca por uma frente ampla na sociedade para mudança dessa correlação de forças também foi debatido.

O caminho brasileiro ao nacional-desenvolvimentismo

Após a abertura de Luciana Santos, a mesa de debates foi iniciada por Jorge Venâncio, que fez uma apresentação de como o nacional-desenvolvimentismo se expressou no Brasil, a partir de pronunciamentos públicos de seus protagonistas, Getúlio Vargas e João Goulart.

A partir da constatação de que a industrialização e modernização da economia do Brasil surgiu após a Revolução de 1930, observa-se como caracteristicas econômicas centrais um salto de qualidade no mercado interno e no investimento público, num país que vivia da economia de exportação de café com salários muito baixos.

A ideia de um mercado interno vigoroso foi fundamental para este processo de industrialização, com medidas claras de construção dessa cadeia de proteção ao trabalho e à renda. Foi nesse período da década de 1930, em plena crise mundial capitalista, que o getulismo criou o Ministério do Trabalho (1930), a Lei da Sindicalização e criação da Previdência Social (1931), a jornada de oito horas (1932), a criação do salário-mínimo (1938), da Consolidação das Leis do Trabalho (1943). O retorno de Getúlio na década de 1950 também significou o reajuste do salário mínimo arrochado pelo governo Dutra, de Cr$ 380,00 para Cr$ 1200,00 (1952) e reajuste de 100% para Cr$ 2400,00 (1954) bem acima da inflação (42%).

“Nada desse incremento no mercado interno de consumo foi feito sem disputa política muito intensa, quando João Goulart era o ministro do trabalho de Getúlio”, observa. O aumento do salário mínimo foi tema do triste “manifesto dos coronéis” que não admitiam ter salário igual dos trabalhadores.

Mas ele também aponta o incremento no investimento público, no mesmo período, como um dos fatores fundamentais do nacional-desenvolvimentismo getulista. Citou a criação do Conselho Nacional do Petróleo (1938), do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (1939), da Companhia Siderúrgica Nacional (1940), da Companhia Vale do Rio Doce e do Banco de Crédito da Borracha (1942), da Companhia Nacional de Alcalis e Fábrica Nacional de Motores (1943), da Companhia Hidreletrica do São Francisco (1945), do Banco Nacional de Desenvolvimento Economico e do Banco do Nordeste (1952), da Petrobras (1953) e do envio ao Congresso do Projeto Eletrobras (1954), criada por Jango em 1962. Nesta crescente desenvolvimentista, Venâncio destaca a percepção de Getúlio para a criação de bancos de fomento, para que o investimento publico repercutisse no conjunto da economia e no investimento externo.

Para apontar fundamentos do nacional desenvolvimentismo que continuam princípios fundamentais para compreensão da atualidade, ele cita Alvaro Vieira Pinto, intelectual do ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros, organismo que foi um dos principais alvos do golpe de 1964 pela sua capacidade de formulação de uma política nacional para a economia. Ele destaca do intelectual a afirmação de que a industrialização sob controle estrangeiro não constitui sinal da expansão nacional, mas da expansão estrangeira sobre o Brasil. “Não caracteriza o nosso próprio desenvolvimento, mas o desenvolvimento dos outros em nossa terra”.

Outro protagonista destacado desse período é Roberto Simonsen, fundador da Fiesp e presidente por cinco mandatos, que, em polêmica com Eugênio Gudin (1945), denuncia os efeitos do liberalismo internacional sobre a concentração de riquezas entre os países imperialistas. O industrial mostra que o controle desses países industrializados sobre o mercado de matérias-primas subordina países fornecedores de commodities como o Brasil, por meio de medidas protecionistas que estruturaram sua indústria e controle sobre o comércio mundial, às custas da exigência de liberalismo econômico por parte dos países pobres.

Essa posição do principal representante da industrial vale para a compreensão da realidade econômica atual e impressiona por não se ouvir mais entre aqueles que teriam maior interesse nesse ideário de proteção à cadeia produtiva nacional.

Outro pronunciamento de Getúlio Vargas, agora no Senado (1947), aponta para a ousadia de abordar o tema tabu da emissão de moeda em tempos de recessão. Ele defende que “não há o menor perigo” no aumento de meios de pagamento, acompanhado pelo aumento de bens de consumo, e uma elevação proporcional de tributação, que retira os excessos da circulação pelo meio fiscal. Para ele, o perigo está justamente na estagnação e repressão da emissão de moeda.

“Nega-se ao trabalhador uma parcela de dinheiro para reajustamento de seus salários alegando-se que isso afetará o custo da produção. Mas aumenta-se a parcela de juros do dinheiro, que hoje só circula em câmbio negro. O custo da produção não baixa. Antes pelo contrário: com a redução de meios para desenvolver-se, esse custo aumenta cada vez mais”, calcula Getúlio no mesmo pronunciamento em que rompe com a politica economica do Governo Dutra.

Venâncio demonstra como o cálculo de Getúlio era ousado no combate aos monopólios e incentivo ao capitalismo de concorrência tendência para promover a melhoria das condições de produtividade, baixa de preços e melhoria das condições de vida. Pelo contrário, ele constata que a cartelização da economia, com sua combinação de preços faz com que as empresas embolsem as melhorias de produtividade mantendo os preços altos. Ele citou o caso da VolksWagen, no ABC, que tinha 40 mil funcionários produzindo carros baratos, sendo que, agora, com 10 mil trabalhadores produz muito mais, a preços muito mais altos, concentrando renda, prejudicando o consumidor, os fornecedores e extraindo o máximo de recursos do estado pela corrupção ou pela pressão política.

No mensagem que Getúlio encaminhou para ao Congresso para criação da Petrobras (1951), Venâncio observa que se tratava de um conceito, não apenas uma questão técnica. Já no projeto de lei está clara a previsão de que a empresa seria “genuinamente brasileira com capital e administração nacionais”. Já se aponta a experiência internacional que demonstra que o “controle nacional é imprescindível”. O projeto teve o cuidado de criar mecanismos que evitassem o “perigo” de monopólios estrangeiros e nacionais agindo por meio da participação de capital privado na empresa.

Ao contrário do que ocorre agora, desde o golpe de 2016, Getúlio já previa uma ampla cadeia produtiva de petróleo que englobasse toda a economia nacional, para além da produção do óleo, representada por 40%, sendo o resto relativo a refino, transporte e distribuição, que, para ele, era mais lucrativo. “Claramente, a prioridade era assumir o controle do refino, do transporte internacional com frota de navios brasileiros, enquanto, atualmente, a Petrobras apenas extrai petróleo primário e importa o refinado, viabilizando as refinarias e empregos de outros países”, compara Venâncio.

No caso do setor elétrico, Getúlio denuncia as mesmas espoliações, em que empresas privadas estrangeiras, que controlavam o péssimo fornecimento de energia no país, exigiam recursos do governo para infraestrutura de suas redes, sem investimentos próprios. Foi assim que surgiu a ideia de criação da Eletrobras, para assumir o controle do setor, já que não existia investimento de capital estrangeiro. “É claro que esse programa vem ferir, frontalmente, os interesses nesse negocio. Mas, para tudo há um limite. E a resistência do povo estabeleceu esse limite intransponível”, afirmou Getúlio, já sinalizando para a importância de unidade e organização dos trabalhadores que vai reafirmar no fim traumático de seu governo. A crise política e enfrentamento econômico do nacional-desenvolvimentismo está explicitada na Carta Testamento, em que Getúlio denuncia a campanha entreguista contra o regime de proteção do trabalho, do salário, da Petrobras e da Eletrobras.

Venâncio contextualiza a ascensão de João Goulart, vice que tinha mais peso político e votos que Juscelino Kubistchek, numa época em que o vice-presidente era eleito à parte. Tudo pelo legado como ministro do trabalho de Getúlio. Por ocasião da criação da Eletrobras, Jango ecoa as denúncias de Getúlio ao atacar a especulação do mercado.

Mais tarde, no Comício da Central, às vésperas do golpe militar, ele trata da importância dos investimentos governamentais em infraestrutura beneficiar a população e não apenas “especuladores da terra”. Foi quando assinou decretos de reforma agrária em terras vizinhas a obras públicas e encampação de refinarias privadas que ainda existiam. Tudo isso em meio à defesa de manifestações populares que se espalhavam pelo país e foram utilizadas pelos militares como “ameaça à democracia”.

Para enfrentar o rentismo e estimular o setor produtivo

Em pronunciamento do deputado Haroldo Lima (PCdoB), Venâncio destaca os números da desnacionalização na virada do século, auge da desindustrialização nos governos FHC. O capital estrangeiro controla 90% do setor eletro-eletronico; 89% do setor automotivo; 86% do setor de higiene, limpeza e cosméticos; 77% da tecnologia da computação; 74% das telecomunicações; 74% do farmacêutico; 68% da indústria mecanica; 58% do setor de alimentos; e 54% do setor de plasticos e borracha.

Venâncio conclui apresentando as propostas de campanha presidencial de João Vicente Goulart, do PPL, em 2018, quando o objetivo é resgatar essa linha do nacional-desenvolvimentismo interrompida. Nessa altura, em grande medida, mais que propor avanços, as propostas tendem a interromper desmontes profundos das conquistas do período getulista, como a desvalorização do salário-mínimo, os ataques à Previdência, da reforma da CLT, do enfraquecimento da Justiça do Trabalho, da Terceirização da Atividade Fim, fortalecimento de bancos públicos, revogar a emenda do teto de gastos, entre outros. “Sem expansão do mercado interno e distribuição da renda não haverá desenvolvimento econômico”, diz o programa de governo.

Para enfrentar o rentismo e transferir os recursos para a produção, o programa propõe a redução dos juros reais, especialmente da Selic que remunera títulos da dívida do governo. Evitando desperdiçar recursos com pagamento de serviços da dívida, o governo pode aumentar significativamente o investimento público, além de favorecer o setor produtivo contra a especulação financeira pelo equilíbrio do câmbio. “Baixar os juros, sem elevar o investimento público, não faz sentido”, declara Venâncio.

O investimento público também pode ser elevado pela canalização da renda petroleira, hídrica, eólica e outras modalidades de renda da terra, diz o documento. Para isso, a campanha presidencial do PPL propunha fortalecer o caráter estatal da Petrobra?s e da Eletrobrás e reverter as privatizações que minam a capacidade operacional dessas empresas, e de outras. As mudanças profundas na gestão da cadeia produtiva da Petrobras, desde o golpe de 2016, precisam ser revertidas, como o regime de concessão e partilha da exploração.

De acordo com o programa de governo, o terceiro pilar da ampliação da capacidade de investimento do Estado seria suprimir as desonerações tributárias, que elevaram a renúncia fiscal de 8,45% a 21,32% da arrecadação, ultrapassando os R$ 234 bilhõees em 2017. Desta forma, uma série de medidas de reforma tributária são propostas visando tributar setores atualmente isentos sem justificativa plausível, assim como renda e propriedade dos mais ricos, e diminuir impostos indiretos, que taxam o salário dos trabalhadores. “As isenções precisam ter retorno à economia”, diz Venâncio, criticando isenções que apenas acumulam lucro para grandes corporações.

“Com o Estado cumprindo a sua parte, a elevac?a?o do investimento pu?blico estimulara? o investimento privado e o pai?s podera? dobrar em quatro anos a taxa geral de investimento que hoje se arrasta ao ni?vel de 16% do PIB, um dos mais baixos da nossa história”, prevê o documento. Venâncio comparou o investimento da Índia, de 32%, e da China, de 40%, para demonstrar a irrelevância da capacidade do estado brasileiro estimular o crescimento e desenvolvimento do país.

Ele concluiu citando medidas diretas propostas pela campanha de João Vicente Goulart, em 2018, que não encontram paralelo nos rumos do Brasil pós-golpe. São medidas desenvolvimentistas como retomar o processo de substituição de importações, reindustrializar o país, completar a construção de uma economia nacional independente; restabelecer os mecanismos universais de proteção à produção interna (tarifas, quotas, subsídios, cambio), de modo a que a concorrência com a produção externa possa ocorrer em situação de equilíbrio; Priorizar as empresas genuinamente nacionais nos financiamentos e encomendas do Estado; livrar o sistema de contratações publicas da carga burocrática que o torna instrumento dos cartéis; garantir as medias e pequenas empresas acesso aos créditos do BNDES; ampliar a infraestrutura nacional – energia, telecomunicações, rodovias, ferrovias, hidrovias, metrôs, portos, aeroportos, saneamento — principalmente através do setor publico, cuja gestão em áreas de monopólio natural é mais adequada à satisfação dos interesses coletivos. “Está tudo de cabeça pra baixo, ao contrário do que esse governo está fazendo”, concluiu.

Após as intervenções principais, o debate prosseguiu por mais duas horas com comentários, sugestões e indagações de lideranças sociais e políticas, assim como estudiosos do tema. Entre estes, Dilermando Toni, Sérgio Cruz, Assis Melo, Davidson Magalhães, Aloísio Barroso, Ana Rocha, Olival Freire, Ronald Freitas, Ronald Santos, Odorico, Augusto Vasconcelos, Robério Granja, Walter Sorrentino e Euler Ivo Vieira. O evento virtual reuniu cerca de 200 convidados.

O debate teve a mediação de Rosanita Campos, coordenadora da Cátedra, Nilson Araújo de Souza, Diretor de Comunicação e Publicação da Fundação Maurício Grabois e professor titular da Cátedra Claudio Campos e Fernando Garcia, historiador do Centro de Documentação e Memória da Fundação Maurício Grabois.

O temário do seminário baseou-se em pontos do Programa do PCdoB de 2009 e no Programa eleitoral de 2018 do PPL para a candidatura presidencial de João Vicente Goulart.

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Da Fundação Maurício Grabois

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