Brasileiro nunca viu os efeitos de um verdadeiro lockdown

Nota técnica da Rede de Políticas Públicas e Sociedade detalha o andamento da pandemia e aponta falhas na resposta de governos e sociedade

São Paulo SP 05 12 2020- Mercado Municipal de São Paulo paulistano fazem compras para o Natal com aglomeração e praça de alimentação com mesas sem distanciamento. foto Paulo Pinto /Fotos Publicas

O dia 26 de janeiro será o aniversário de um ano da primeira pessoa diagnosticada com sars-cov-2 no Estado de São Paulo. Hoje, o número de casos já ultrapassa os 10 milhões e as 250 mil mortes. A falta de distanciamento e de medidas de contenção da disseminação do coronavírus abrem o horizonte para uma piora na situação da pandemia.

Lorena Barberia é professora do Departamento de Ciência Política na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e integra o grupo da Rede de Políticas Públicas e Sociedade, responsável pela nota técnica intitulada A resposta à pandemia no Estado de São Paulo em 2020 e os aprendizados para 2021. Lorena explica que o grupo vem sistematicamente monitorando a resposta dos governos e da sociedade diante da pandemia em diferentes momentos de 2020 e entre janeiro e fevereiro de 2021.

Ela observa que o cenário alarmante atual não é surpresa para os especialistas que já vinham observando a aceleração de contágios, mortes e internações, desde janeiro. Ela também critica o uso do termo lockdown no Brasil, quando essas medidas mais rígidas e prolongadas jamais houve no país em nenhum território do país. “Assim, não foi possível ver o impacto de um lockdown em nenhuma localidade do país”.

Na experiência internacional, na maioria dos casos onde houve uma elevação muito grande de casos, medidas mais rígidas foram implantadas por várias semanas. No caso do Brasil, a nota mostra que as medidas não duraram muito tempo em São Paulo e houve municípios que não aderiram a elas. “As medidas funcionam quando há coerência, clareza e coordenação, por isso observamos que, no início de março, houve isso, por isso, os resultados melhores no alinhamento de todos os estados”, afirmou.

Ela relata que a experiência internacional mostrou que as medidas mais rigorosas funcionaram por mais tempo, em média dois meses, do que no Brasil, onde muitos municípios não aderiram. “Não conseguimos manter esse perfil de resposta mais rígida. Houve muita volatilidade e fragmentação na comunicação para a sociedade de qual era o nível de risco e a conduta esperada da sociedade para diminuir a pandemia”, constata.

“Não podemos usar a palavra ‘lockdown’ no Brasil porque, de fato, nunca adotamos essas políticas mais rígidas de forma sistemática e por um tempo muito forte para podermos ver o impacto de um lockdown”, afirma Lorena, completando que adotamos medidas mais moderadas e, como consequência, não conseguimos ter um controle efetivo da pandemia.

Outra questão apontada é a vigilância sanitária. Não houve uma estratégia de vigilância eficaz que fosse capaz de testar, detectar casos ativos e isolar os contactantes dessas pessoas. Mesmo com as novas variantes do coronavírus, continuamos com os mesmos dilemas, de acordo com ela. Ela defende o controle de viagens entre municípios com vigilância sanitária para controlar as novas cepas do vírus.

Para ela, a vacinação não pode ser a estratégia dominante para redução do contágio, com o baixo nível de imunização atual. A nota técnica deixa evidente que focar na vacinação como fonte de esperança não é a melhor opção, já que o Brasil conta com um nível ainda muito insuficiente para uma cobertura vacinal em massa.

A professora explica que é preciso reforçar a testagem, o distanciamento social, a fiscalização e o respeito aos protocolos no local de trabalho, nas escolas, “sempre mantendo a quarentena de todas as pessoas que estão com suspeita”, conclui. Ela explica que temos um problema de cooperação coletiva, mas também de políticas públicas, para garantir a quarentena adequada das pessoas que estão contaminadas.

A professora também observa que a testagem, que no início era cara e pouco acessível, agora apresenta outras opções, como o antígeno para casos ativos. “Não estamos utilizando da melhor forma os recursos tecnológicos disponíveis, nesta pandemia”, disse.

Na opinião dela, deveríamos aprender com os erros de 2020 para garantir um 2021 melhor e evitar os 300 mil mortos que se projeta até o final de março.

Edição de entrevista à Rádio USP

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