Dossiê quer mudanças na política externa dos EUA para o Brasil

O professor Pedro Luiz Côrtes enfatiza que o que Biden manifestou sobre preservação da Amazônia, sobre as questões ambientais e mudanças climáticas, não era figura de retórica ou estratégia de campanha

Montagem por Cezar Xavier

Quatro meses depois de fazer críticas públicas contra o desmatamento no Brasil, o presidente Joe Biden e membros do alto escalão dos EUA receberam um dossiê que pede o congelamento de acordos, negociações e alianças políticas com o Brasil enquanto Jair Bolsonaro estiver na Presidência.

O documento de 30 páginas condena a aproximação entre os dois países nos últimos dois anos e aponta que a aliança entre Trump e seu par brasileiro teria colocado em xeque o papel de “Washington como um parceiro confiável na luta pela proteção e expansão da democracia”.

O texto foi endossado por mais de cem acadêmicos de grandes universidades, como Harvard e Columbia; além de organizações de direitos civis. Uma das organizações signatárias do documento é a Apib, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. A iniciativa é da US Network for Democracy in Brazil, uma rede criada por acadêmicos e ativistas brasileiros no exterior, que reúne 1500 pessoas.

Exigências

Todos consideram que o governo não deve buscar acordo de livre comércio com o Brasil, já que seria uma forma de legitimar o governo Bolsonaro e o descaso com as questões ambientais. Eles condicionam as importações de carne, soja e minérios à proteção do meio ambiente e ao respeito aos direitos humanos.

O documento também questiona a participação do Brasil no G7 e na OCDE, enquanto Bolsonaro for presidente. Pede a quebra de acordos entre Bolsonaro e Trump, que protegem o brasileiro no âmbito internacional, assim como acordo de salvaguarda tecnológica que permitem a exploração americana da Base espacial de Alcântara, além de parcerias militares entre os países, sem qualquer condição de proteção a populações vulneráveis. Os investimentos militares envolvem a quantia de até R$ 1,5 bilhões no Brasil.

O documento ainda quer a divulgação pelo governo americano de documentos secretos sobre a ditadura brasileira e a participação americana no golpe de 1964. Quer ainda que o Departamento de Justiça dos EUA responda a questionamentos sobre a suposta participação do governo americano na Operação Lava Jato, que levou à prisão do ex-presidente Lula e favoreceu a eleição de Bolsonaro.

Recomenda ainda que o governo americano se manifeste enfaticamente contra a violência policial no Brasil, assassinatos de ativistas e trabalhadores do campo, além de ataques a religiões de matriz africana.

Análise e perspectivas

O documento teve revisão de dois parlamentares americanos ligados ao governo Biden, além de manifestação de lideranças democratas que consideram Bolsonaro uma “figura tóxica”. Ministros e membros do alto escalão do governo Biden também já manifestaram críticas ao presidente brasileiro.

Bolsonaro, por sua vez, considerou “lamentável, desastroso e gratuito” comentário de Biden contra as queimadas no Brasil. A vice-presidente Kamara Harris também cobrou Bolsonaro sobre as queimas “que afetam todos nós”. Questionado pela imprensa sobre quando conversaria com o par brasileiro, Biden apenas riu.

Bolsonaro foi o último presidente de uma democracia liberal a cumprimentar Biden pela eleição, além de defender teorias da conspiração que apontavam para fraudes eleitorais infundadas na eleição do democrata.

Qual será o posicionamento do governo Biden? O professor Pedro Luiz Côrtes, da Escola de Comunicações e Artes da USP e integrante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP, considera que o novo presidente americano está atento à postura do Governo Bolsonaro em relação à questão ambiental .

O que se percebe é que há um forte engajamento por parte do governo Biden com os compromissos ambientais firmados durante a campanha. “Aquilo que o Biden manifestou sobre preservação da Amazônia, sobre as questões ambientais e mudanças climáticas não era figura de retórica ou estratégia de campanha”, afirma o professor.

A importância do dossiê consiste no fato de que quem o apresentou ao governo foi o diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional, Juan Gonzalez. Gonzalez se mostra bastante crítico a Bolsonaro e chegou a dizer em um de seus pronunciamentos que “qualquer pessoa, no Brasil ou em qualquer outro lugar, que pensa que pode promover um relacionamento ambicioso com os Estados Unidos enquanto ignora questões importantes como mudança climática, democracia e direitos humanos, claramente não ouviu Joe Biden durante a campanha”.

O dossiê, então, solicita que Biden restrinja as importações de madeira, soja e carne do Brasil e que se prove que as importações não estão vinculadas ao desmatamento ou abusos dos direitos humanos. Segundo Cortês, isso cria um problema muito grande para o agronegócio organizado por conta do que ocorre na Amazônia, já que é confirmado que o Brasil não precisa da produção que acontece em território amazonense para exportação.

Ainda há tempo para uma mudança de postura do governo brasileiro, pois Joe Biden só assumirá o cargo daqui a dois meses. “Nesses dois meses, Bolsonaro pode mudar sua política ambiental, demonstrar efetivamente que ele pretende fazer o básico, que é cumprir as leis que foram aprovadas pelo Congresso ao longo de várias décadas”, afirma o professor.

Já deveria existir fiscalização e um projeto de conservação ambiental e combate às queimadas, em especial, considerando a situação de seca do Pantanal.

Pedro Luiz Cortês lembra também que o modelo de desmatamento da Amazônia tem se estendido por 50 anos. O desmatamento intensivo começa, no início dos anos 70, com a construção da Transamazônica e não é possível sequer apresentar uma justificativa econômica para o problema, uma vez que, desde então, o PIB cresceu muito pouco e as desigualdades não foram reduzidas. “O que a gente tem ao longo desses 50 anos é um agravamento da situação de pobreza, desigualdade social, violência no campo”, finaliza.

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Com entrevista da Rádio USP

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