“Acabamos isolados”, diz especialista sobre política externa do Brasil

Em live, Victor Young, professor do Instituto de Economia da Unicamp, falou sobre perspectivas para a diplomacia brasileira.

Entrevista com Victor Young

Dois anos de uma política externa enraizada em ideologia e pouco preocupada com os interesses do país estão cobrando seu preço. Com o aval de Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo apostou alto no alinhamento incondicional a Donald Trump, colocando todos os ovos em um único cesto, como diz o ditado popular. O ministro olavista, inclusive, comprou a briga do vizinho do norte contra a China, um dos maiores parceiros comerciais do Brasil. Trump, entretanto, perdeu a reeleição.

Quem assumiu foi o Democrata Joe Biden, que tem a agenda ambiental como prioridade e não dará vida fácil a Bolsonaro. Sem os Estados Unidos e com relações estremecidas com a China, o Brasil de Ernesto Araújo conseguiu a proeza de estar mal com as duas maiores potências mundiais.

“Acabamos isolados”, afirma Victor Young, pesquisador do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais no Instituto de Economia da Unicamp. Em live do Portal Vermelho, Young falou sobre o isolamento e sobre as perspectivas para a diplomacia brasileira no restante do governo Bolsonaro.

Sem os EUA, o amigo valentão, a aposta do especialista é que o Brasil terá de fazer ajustes na política externa. O professor da Unicamp também não considera correto aplicar ao Brasil a dura classificação de “pária” internacional, mesmo com a sequência de erros – pelo menos não ainda.

“Eu não classificaria ainda dessa forma [pária]. Se a gente continuar assim por anos, nós chegaremos lá. Mas ainda acho que o Brasil vai ser obrigado a fazer acomodações, tanto com relação à China, que já fez, foi lá negociar [os insumos para vacinas], quanto com os Estados Unidos. Não temos poder para enfrentar uma pressão multilateral dos EUA e outros países mais ricos fazendo sanções, pressionando o país”, avalia.

Segundo Young, o Brasil não tem alternativas vantajosas de parceria se insistir no confronto com a China e abrir guerra também com a administração Biden. “Os Estados Unidos saindo da jogada, o que sobra? O que a Hungria pode nos oferecer? A Polônia? A Índia?”, questionou, citando países com governos nacionalistas de direita, com os quais Bolsonaro e os filhos têm afinidade.

Após a saída de Donald Trump do poder, Bolsonaro arriscou alguns posts exaltando a parceria entre Brasil e Índia. O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, tem um perfil messiânico e paternalista e é apoiado por grupos de extrema-direita. No entanto, destaca Victor Young, a Índia não poderia ser um substituto para China ou Estados Unidos do ponto de vista comercial.

“Tudo bem que temos um relacionamento de certo tempo no Brics [grupo de países emergentes que inclui Brasil, Índia, China e África do Sul], mas ainda não chega a ser um relacionamento tão próximo quanto com a China, Estados Unidos. Haveria um caminho muito longo para poder desenvolver um relacionamento que trouxesse resultados palpáveis para o Brasil”, afirma.

Vale lembrar, também, que apesar de a Índia ser vista como um aliado por Bolsonaro e integrar os Brics ao lado do Brasil, a diplomacia brasileira deixou os indianos na mão em um episódio recente. Em outubro de 2020, Índia e África do Sul submeteram à Organização Mundial do Comércio (OMC) um pedido de suspensão de patentes e outros instrumentos de propriedade intelectual vinculados ao combate à pandemia de Covid-19, o que incluiria a vacina. Para agradar a Trump, o Brasil abandonou uma postura histórica em favor da quebra de patentes e se posicionou contra o pedido dos dois países.

O Brasil agora recuou da posição e passou a apoiar a suspensão das patentes, uma vez que precisa importar mais doses da vacina Covishield, fabricada na Índia. O que pode ser um sinal de que começa a cair a ficha da necessidade de mudança de postura.

E quanto a Ernesto Araújo? Ele permanece no cargo? O desgaste com a China chegou a um ponto em que o representante de Pequim em Brasília, o embaixador Yang Wanming, não queria ver o chanceler brasileiro nem pintado de ouro. O governo de São Paulo, o ex-presidente Michel Temer, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, e o ex-presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) tiveram de entrar nas negociações para acelerar a liberação dos insumos para a CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan, e Oxford/AstraZeneca, produzida pela Fiocruz.

“Existe uma especulação, se fala nos corredores que haverá uma reforma ministerial. O Ernesto é muito próximo dele [Bolsonaro], muito próximo dos filhos dele. Já disseram que [o novo ministro] pode ser o Temer. O que se especula é que estariam tentando achar uma saída honrosa, como é o caso do [Abraham] Weintraub [ex-ministro da Educação], que foi enviado para o Banco Mundial”, comenta Victor Young. Para ele, uma eventual saída de Araújo seria uma sinalização forte de mudança de rumo. Até o momento, Bolsonaro tem negado e esbravejado contra a ideia.

Com relação aos Estados Unidos de Biden, em algum momento o presidente recém-empossado olhará para Bolsonaro, último líder mundial a parabenizá-lo pela vitória. “O Brasil não é a preocupação do Biden nesse momento. Sim, haverá um momento em que eles vão olhar para o Brasil, que é a questão justamente do meio ambiente, que é um item da agenda deles. Então, eu não acho que seja só o Ernesto Araújo, o ministro da Saúde [em perigo], mas também o Ricardo Salles”, afirmou Young.

Veja o bate-papo na íntegra:

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