Covid-19: países ricos mantiveram patentes para monopolizar as vacinas

Índia propôs na OMC a quebra de patentes de todas as vacinas para que elas pudessem ser produzidas em todo o mundo. Repudiada por países ricos, a proposta não foi aprovada

Não foi à toa que os países mais ricos do mundo – inclusive o Brasil – lutaram contra a quebra das patentes de vacinas anti-Covid-19, mesmo com o avanço da segunda onda da pandemia. As patentes garantem que essas nações monopolizem os diversos imunizantes contra o novo coronavírus. Até esta segunda-feira (25), mais de 56 milhões de pessoas já receberam alguma dessas vacinas em 51 países. Quase todas estão em nações ricas.

Segundo o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, o mundo está à beira de uma “falência moral catastrófica” na distribuição de imunizantes. Na segunda-feira passada (18), Adhanom lembrou que, enquanto os países ricos vacinam desde dezembro, na África a imunização ainda é uma realidade distante. A Guiné, por exemplo, recebeu apenas 25 doses de imunizante até agora.  O Egito só iniciou a sua campanha neste domingo (24), em 40 instalações de saúde.

Para Adhanom, não é justo que pessoas mais jovens e mais saudáveis nos países desenvolvidos sejam vacinadas antes de pessoas mais idosas e profissionais de saúde da linha de frente nos países pobres. Ele acusou ainda os laboratórios farmacêuticos de focarem países onde os lucros são maiores, em vez de priorizar os pacientes mais necessitados.

“Apenas 25 doses foram dadas a um dos países mais pobres do mundo. Não foram 25 milhões, nem 25 mil. Apenas 25!”, alertou. “O mundo está à beira de uma falência moral catastrófica e o preço dessa falência será pago com vidas nos países mais pobres do mundo. Enquanto as vacinas trazem esperança para alguns, elas aumentam o fosso da desigualdade entre os países ricos e os pobres.”

Acordos comerciais para a compra de vacinas firmados até agora somam mais de 8 bilhões de doses. Se essas unidades fossem distribuídas de forma justa, pelo menos metade da população mundial poderia receber as duas doses necessárias para a imunização.

“Este era o cenário esperado – o de que não haveria vacina para toda a população do planeta. Em alguns casos, nem mesmo para os grupos de maior risco”, constatou a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), Isabella Ballalai. “A tomada de decisões precoce e a aposta em mais de um fornecedor foi maior entre os países ricos, que se mobilizaram com muita antecedência.”

A Covax – uma iniciativa pró-vacinação que conta com o apoio da OMS – garantiu a compra de 2 bilhões de doses de vacinas anti-Covid produzidas por cinco laboratórios diferentes. Há ainda a promessa de compra de mais 1 bilhão de doses. O objetivo é garantir até 20% das doses necessárias para cada país-membro da aliança. O Brasil aderiu à iniciativa, mas optou pela cota mínima, que prevê doses para apenas 10% de sua população.

Outra hipótese que chegou a ser levantada pela Índia na Organização Mundial do Comércio (OMC) foi a quebra de patentes de todas as vacinas para que elas pudessem ser produzidas em todo o mundo. Repudiada por países ricos, a proposta não foi aprovada – o que garantiu o monopólio das vacinas.

Para piorar, acordos fechados com antecedência pelos países ricos para garantir milhões de doses levaram muitos países participantes da Covax a buscar também acordos bilaterais com laboratórios farmacêuticos. Esse movimento eleva os preços dos produtos no mercado e torna ainda mais difícil o acesso dos países mais pobres aos imunizantes.

Conforme a OMS, muitos laboratórios estão dando prioridade a obter a regulamentação necessária para o uso dos imunizantes junto aos países mais ricos (onde está o dinheiro) em detrimento da própria OMS. Segundo o diretor da entidade, a distribuição das doses relativas à Covax está prevista para começar em fevereiro, nos países mais necessitados. Para a América Latina, a previsão de entrega é março.

Mas a falta de insumos pode atrasar a entrega dessas doses iniciais para março ou abril. O maior produtor de vacinas para o programa é o Instituto Serum, da Índia, que ainda não definiu datas para entrega dos insumos.

Com um governo reacionário e negacionista, de discurso antiglobalista, o Brasil, inicialmente, não quis integrar a aliança da OMS para a compra de vacinas, contrariando sua tradição. Por fim, concordou participar, mas com o porcentual mínimo permitido. Ainda não há data prevista para a chegada dessas doses no País.

Hoje, o Brasil tem apenas 12,1 milhões de doses já disponíveis para sua campanha – sendo 10,1 milhões da Coronavac (desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo) e mais 2 milhões da vacina Oxford/AstraZeneca. Só para vacinar o grupo das prioridades, na primeira etapa da imunização, o País precisa de 30 milhões de doses. O objetivo é vacinar 160 milhões de pessoas no País.

Entre os países mais atingidos pela pandemia, os Estados Unidos são os mais acelerados na imunização. Até a sexta, pelo menos 17 milhões de pessoas já foram vacinadas. Em segundo lugar aparece a China, com 15 milhões, seguida de Reino Unido (5,4 milhões), Israel (3,2 milhões), Emirados Árabes (2,2 milhões) e Alemanha (1,4 milhão). Pelo balanço mais atualizado, deste domingo (24), o Brasil tem 580 mil imunizados.

A maior preocupação internacional neste momento é com a África, onde a imunização só começou no Egito. Uma segunda onda da pandemia ameaça os frágeis sistemas de saúde do continente. Países como Nigéria, Zimbábue, Senegal, Sudão, África do Sul e República Democrática do Congo relatam que seus hospitais estão perto do colapso e que os estoques de oxigênio estão no fim.

A taxa de letalidade da doença na África é uma das mais altas do mundo: 2,42%. Na Europa, o número é de 2,27%. Nos EUA, 1,66%. Na opinião de especialistas, a distribuição de vacinas ao menos para os profissionais de saúde da linha de frente do combate à Covid deveria ser uma prioridade.

Com informações do Estadão

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