Até quando vamos depender de outro país até para respirar?

Combinação que trouxe o Brasil para essa imensa crise política e econômica foi apenas escancarada pela pandemia mundial de Covid-19

A falta de uma estratégia industrial para o Brasil, unida com a especulação do mercado, crises políticas e um sistema tributário ineficiente, trouxe mais do que desemprego e atrasos tecnológicos para o nosso país. Esquecemos da nossa autonomia, e de tanto medo do nosso país virar uma Venezuela, em meio a uma pandemia, ironicamente recebemos ajuda deles para respirar.

A desindustrialização nacional

Não é novidade do governo Bolsonaro o projeto de desindustrialização em que o Brasil se enfiou. As indústrias foram praticamente obrigadas a migrar sua produção para fora do País. Dentro da manufatura, quanto maior é a capacidade de produção, menor é o custo. Isto porque os gastos de uma fábrica são diluídos em uma quantidade maior de produtos. Iniciar e manter uma indústria é bem caro, precisa de muita energia elétrica, maquinário pesado, mão de obra, treinamento, capacitação, além de pagar e declarar os impostos. Vamos fazer um exemplo para facilitar, usando números simples e hipotéticos, apenas para fixar o conceito:

  • Uma cidade tem a demanda mensal de mil cilindros de oxigênio e precisa de uma indústria que custa R$ 100 mil por mês para fabricá-los.
  • O custo de cada cilindro é de R$ 100, pois é o custo da indústria diluído na quantidade de produtos fabricados.
  • Chegou um concorrente e a demanda caiu para cem cilindros, mas o custo da fábrica ainda é o mesmo. Logo, para equilibrar as contas, cada produto custa mil dinheiros para fabricar.

Isso acontece porque existem os custos fixos para manter a fábrica. Algo bem arriscado, né? Ainda mais quando o poder de compra da população é tão baixo. Agora vamos pensar em uma indústria da China, que produz para o mundo todo e vamos fazer o mesmo cálculo hipotético:

  • A fábrica atende uma demanda mundial e opera no limite da produção, que é de 3 mil cilindros, com o mesmo custo fixo de R$ 100 mil da indústria brasileira.
  • O custo fixo é diluído em mais produtos, saindo cada cilindro por 34.
  • Como eles trabalham próximo do limite da produção e a demanda é alta, torna-se um negócio bem seguro e lucrativo.

Com esse tipo de concorrência, o que sobra para o empresário brasileiro? Vender as máquinas, demitir os trabalhadores, diminuir os custos fixos e revender ou montar os produtos importados. Porém, é muito importante destacar a bagunça que é o nosso sistema tributário e a insegurança do dólar, tornando isso pouco lucrativo e arriscado. Este cenário coloca o empresário em uma posição de buscar lucro e diferencial competitivo através do serviço: consultorias, treinamentos, suporte técnico, seguro e todas as coisas que tentam nos vender quando compramos alguma coisa.

Entregamos o nosso mercado e vendemos a nossa mais-valia em troca de lucro para quem de fato detém a tecnologia e os meios de produção. Ainda existe o problema da taxa de juros, que torna mais interessante o investimento em fundos que vivem de especular com o dinheiro dos outros, vendendo ações de empresas brasileiras e comprando de empresas estrangeiras. No fim das contas, a gente parou de investir no nosso país, para investir no país dos outros.

Era só uma gripezinha

Há 12 meses, a pandemia ainda não havia chegado aqui, mas cientistas já alertavam: se medidas urgentes não fossem tomadas, teríamos uma crise de saúde pública. O País colocou a economia em primeiro lugar e o carnaval aconteceu normalmente em todas as cidades. O resultado não foi outro: em março de 2020, a doença começou a levar muitas vidas em todo o Brasil. Naquele momento, a sociedade civil se mobilizou e assumiu o papel do Estado, pois o trabalhador teve que escolher entre comprar um quilo de arroz ou um quilo de máscara para sobreviver.

Houve muitas tentativas de ajudar o Ministério da Saúde, inclusive uma desastrosa ação da Casa Civil em montar um grupo no whatsapp com dezenas de pesquisadores, ativistas, makers e empresários, sem existir um plano de ações do governo federal. Um dos primeiros problemas levantados naquele momento foi exatamente a logística, que poderia ser fatal quando os insumos começassem a faltar. Foram feitos estudos, cronogramas e até mesmo soluções com os softwares mais avançados de logística do mundo, que foram oferecidos como doação para o governo federal.

Tivemos dez meses e uma eleição para mudar tudo, mas a resposta que tivemos do governo federal foi de que era só uma “gripezinha”. Antes fosse só isso, tivemos também muita birra com a China, demissão de ministros por negacionismo, compra superfaturada de remédio sem eficácia, incentivo para não usar máscaras, um movimento antivacina e muita vergonha internacional.

Isto em um momento de pandemia, em que a demanda sobe descontroladamente, pois não há testagem em massa, isolamento social, uso de máscaras e capacidade para produzir mais oxigênio. A indústria precisa importar às pressas um produto com grande demanda mundial, sem saber ao certo nem o tamanho do lote. Os custos são elevados, pela necessidade de transporte aéreo em menor escala, e todo o estoque vendido não paga uma nova importação. Por falta de um poderoso complexo industrial, a gente se torna completamente refém de outro país para respirar. No fim das contas, a população teve tanto medo de virar uma Venezuela, e hoje estamos precisando do oxigênio deles.

O desabastecimento poderia ter virado empregos

Apesar de comprar da China ter sido lucrativo por um tempo, isso desencadeou todo um processo que concentrou a renda na mão de poucos, altos índices de desemprego, fuga de capital, descontrole do dólar e um atraso tecnológico que vai levar décadas para recuperarmos. Em 2020 a conta chegou, através de uma doença trágica, que já matou milhares de pessoas e desencadeou desabastecimento de itens essenciais no mundo todo. A combinação que trouxe o Brasil para essa imensa crise política e econômica foi apenas escancarada pela pandemia mundial de Covid-19. Ela se chama Livre Mercado – com um tempero de Corporativismo.

Quanto maior for a demanda e menor for a oferta, mais altos serão os preços – esse é um princípio básico da economia, quase um mantra para os defensores do livre mercado. Porém, em um momento que pessoas estão morrendo sem ar, é desumano cobrar mais por algo que deveria ser o direito de todos. O Estado deve intervir e regular isso, o lucro não pode estar acima da vida das pessoas. Mas, é importante entender por que a subida do preço é culpa do neoliberalismo e da ausência do governo federal.

A falta de um projeto desenvolvimentista colocou as nossas indústrias em uma posição de refém do capital de giro. O Brasil é um grande vendedor de recursos naturais para o mundo, e um grande comprador dos mesmos produtos depois de processados, que na maioria das vezes são apenas montados, ou envasados aqui. Para viabilizar um estoque, é preciso ter dinheiro para importar um grande lote, pois quanto maior a compra, mais barato é o valor unitário. Além disso, é preciso contratar o frete, ter um local seguro para guardar, uma equipe para vender e saber fazer muito bem a burocracia da importação para não perder todo o seu lote para a Receita Federal. Sem esquecer que quase tudo isso possui um custo variável, pois depende da demanda mensal e da variação do dólar.

Durante esses meses, onde estavam Paulo Guedes, Marcos Pontes e o BNDES que não apresentaram projetos para aumentar a produção industrial dos bens essenciais, como os cilindros de oxigênio? Isso inclusive aumentaria a oferta de empregos em um momento tão delicado da indústria nacional. Eles só sabem posar para foto, entregar dinheiro na mão de bancos e ajudar milionários a comprar jatinhos?! Essa foi a mudança e o fim da mamata que todos esperavam?!

Não faltaram indícios e avisos do que poderia acontecer, mas o importante era tirar a “esquerda” e “se fizer besteira tiramos ele também”. Já passou da hora de pedir o impeachment do Bolsonaro!

Publicado originalmente no site RIB

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