A era Trump termina amanhã e o futuro está em aberto

Se quiser, de fato, virar a página da era Trump, Biden precisará ir além do trivial e fazer valer o que diz sobre colocar questões como proteção social, direitos humanos e meio ambiente no centro.

Foto: Richard Drew / AP Photo

O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, e sua vice, Kamala Harris, serão empossados nesta quarta-feira (20). A posse do presidente da maior potência ocidental tem, por si só, relevância geopolítica, mas, neste caso, além de importante o dia é histórico. Marcará o fim da era Trump, o governo com maior visibilidade dentre os populismos de extrema-direita que ascenderam ao poder institucional em anos recentes. Não por acaso: o que se diz e faz nos EUA pesa sobre o mundo.

A cerimônia acontece enquanto os Estados Unidos ainda vivem o choque da invasão do Capitólio por apoiadores de Trump em 6 de janeiro, dia da confirmação de Biden pelo Parlamento. As primeiras semanas do governo Biden serão marcadas pela votação do impeachment de Donald Trump no Senado. O afastamento já foi aprovado pela Câmara dos Representantes, o equivalente dos EUA à Câmara dos Deputados, e contou com 10 votos favoráveis de deputados Republicanos.

O julgamento no Senado significa que, mesmo ausente, Trump, continuará presente nos dias iniciais da gestão Biden. O próprio presidente, banido do Twitter, prometeu ficar ativo e conectado com sua base até 2024. Com o banimento do perfil de Trump e de outros disseminadores de notícias falsas das redes tradicionais, os trumpistas correram para alternativas como o Parler e o Telegram.

A primeira rede ficou fora do ar após após ser banida das lojas de apps dos sistemas Android e iOS e ter o site desligado pelo serviço de hospedagem da Amazon. Voltou recentemente (embora ainda inativa), hospedada pela empresa Epik, conhecida por hospedar conteúdo de direita e extrema-direita. Já o Telegram informou que já bloqueou centenas de mensagens violentas nos EUA.

A internet, terreno onde o discurso de extrema-direita e figuras como Trump cresceram, será um ponto para onde olhar nos próximos quatro anos. As chamadas big techs parecem ensaiar uma correção de rumo quando banem conteúdo violento ou enganoso, mas a política para decidir o que pode ou não ser publicado precisa ser discutida com a sociedade e inteiramente transparente.

E é melhor os Democratas terem um discurso claro nesse sentido, já que parte da direita que não teve ânimo para fazer a defesa de Donald Trump após a invasão ao Capitólio se mostra unida no discurso contra o que muita gente considerou um ato de censura.

União, aliás, é uma palavra usada em muitas pregações no momento. Mas é bem mais fácil falar do que fazer. Em seu discurso de posse, que está recebendo os últimos retoques, Joe Biden voltará a pregar a união da população dos EUA. No entanto, terá diante de si um cenário complicado. Assume um país que ainda lida com a pandemia, a despeito do início da campanha de vacinação, e destroçado economicamente.

Donald Trump se elegeu na esteira da crise financeira de 2008 e da desaceleração econômica subsequente. Na época, muita gente cujo nível de vida tinha piorado viu sentido no discurso do então candidato, que falava em barrar imigrantes e proteger os empregos norte-americanos. Em grande medida, o apaziguamento de tensões e a diminuição da radicalização dependerá das respostas que Joe Biden der na economia. Ele já apresentou um pacote de estímulo de US$ 1,9 trilhão e prometeu fortalecer o poder de sindicatos e das negociações trabalhistas coletivas.

A questão é que vivemos tempos desafiadores, nos quais as democracias liberais ocidentais, sequestradas pelo grande capital econômico, agonizam sem dar respostas às mazelas e anseios da população. Se quiser, de fato, virar a página da era Trump, Biden precisará ir além do trivial e fazer valer o que diz sobre colocar questões como proteção social, direitos humanos e meio ambiente no centro. Não bastará dizer “America is back” (a América voltou), até porque o passado não volta. E o futuro está em aberto.

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