Intolerância religiosa – o direito de não crer

Ateus queixam-se de discriminação, agressões, tentativas de imposição de crenças.

Atualmente a discriminação por religião é proibida e punida por lei. A Constituição Federal, a mesma que determina que o Brasil é um país laico, em seu artigo 5º, inciso VI diz: ”É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício de cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos lugares de culto e suas liturgias.” A lei 7716/89 regulamenta o artigo. Mesmo assim, a intolerância religiosa, agressões, discriminação e toda a sorte de atitudes discriminatórias acontecem com certa frequência. Se não houvesse previsão de punição legal, certamente seriam ainda mais frequentes. Mas e quanto ao direito de não ter crença? Pois bem, os direitos dos ateus de não crer nem professar crença nenhuma  encontra respaldo legal somente enquanto direito à ter pensamento filosófico. Direito de não crer, explicitamente, não. O entendimento de que um ateu que sofre discriminação deve se respaldar neste artigo nem sempre encontra respaldo jurídico,  temos jurisprudência questionável sobre isto.

Para obter mais informações fiz, em determinado grupo privado do Facebook, perguntas dirigidas aos ateus, entre mais de 15 mil pessoas, num universo de várias crenças e algumas pessoas sem crença em religiões e deuses. Este grupo foi escolhido pelo bom nível intelectual e diversidade de participantes, embora posicionamentos ideológicos de esquerda. Os resultados foram surpreendentes. Geralmente não pensamos neste grupo como quem sofre discriminação e/ou tentativas forçadas de conversão. Não faz muito tempo que não crer em deus ou não ser cristão levava o ateu à fogueira ou prisão. O fato de não haver cobertura legal para exercício da não crença deriva da histórica mistura da religião cristã com o Estado brasileiro desde que os portugueses aqui invadiram e se estabeleceram, situação que hoje segue conflitante. Que o digam as tentativas pentecostais de transformar o Brasil em teocracia.

Ateus queixam-se de discriminação, agressões, tentativas de imposição de crenças. Segundo impressões que recolhi e cuja autoria não revelo para preservar quem respondeu, pessoas que negam a existência de deus sofrem discriminação em alguma esfera de sua vida, quando não em muitas esferas. Os relatos dão conta de namoros que terminam assim que o ateu assume a não-crença, vagas de empregos são perdidas, brincadeiras nada inofensivas são dirigidas aos ateus. A insistência em expressões cristãs, como “vai com deus, deus te proteja, deus é pai” são usadas apesar de os ateus se assumirem como tal. Observações como a de que um ateu só é ateu até vivenciar situação com risco de vida e que então chamariam por proteção divina. Sem contar com as tentativas de conversão a alguma crença por preocupações com a salvação desta alma. Um ateu que colocou seu filho em escola religiosa (em função da qualidade de ensino) e cujo filho, também ateu foi convidado a se retirar, não sendo dado a ele a opção de não assistir aulas de ensino religioso, que somente estudava a bíblia e a religião católica.

Ainda sobre imposição de credos, ouvi o relato do filho de um ateu que precisou ameaçar com processo um religioso que teimou em dar extrema-unção a seu pai em coma numa UTI, e enfrentou a mesma pressão ao tratar dos ritos fúnebres no cemitério, na capela onde este estava sendo velado, embora com menos insistência.

Um dado interessante nos é revelado pela revista Veja, Pesquisa encomendada pela revista à CNT/Sensus revela que 84% dos brasileiros consideraram votar em um negro para presidente, 57% votariam em uma mulher, 32% em um gay ou lésbica mas apenas 13% votaria num ateu. Estes grupos citados correspondem à parcela mais discriminada no Brasil, e mesmo assim são preferíveis aos ateus. Por que? Porque o senso comum num país majoritariamente cristão, apesar de legalmente laico, é que a pessoa “temente a deus” tenderia a ter mais freio moral e inspirar mais confiança. Mesmo assim, os ateus seguem enfrentando a ira de fundamentalistas, as críticas (nem sempre) veladas de seu círculo social e desafiando a ira de quem supõe ser seu direito impor a obediência religiosa a quem não quer as bençãos divinas.

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