Brasil precisa de lockdown para conter pandemia, diz Miguel Nicolelis

Segundo o cientista, “se realizarmos um isolamento social rígido, um lockdown por duas ou três semanas, com só serviços essenciais funcionando, é possível minimizar os danos econômicos no futuro”

Segundo país com mais mortes por Covid-19 no mundo – atrás apenas dos Estados Unidos –, o Brasil está repetindo a “sequência trágica de erros” da primeira onda e precisa, urgentemente, do lockdown – o bloqueio total das atividades não essenciais. A opinião é do neurocientista Miguel Nicolelis, professor da Universidade Duke (EUA) e criador do Projeto Mandacaru (que presta consultoria sobre a pandemia aos nove estados do Nordeste).

“Acabou. A equação brasileira é a seguinte: ou o País entra num lockdown nacional imediatamente, ou não daremos conta de enterrar os nossos mortos em 2021”, tuitou Nicolelis, neste ano, diante da segunda onda Covid-19 vivida no Brasil. “Se realizarmos um isolamento social rígido, um lockdown por duas ou três semanas, com só serviços essenciais funcionando, é possível minimizar os danos econômicos no futuro”, agregou o cientista, em entrevista à BBC News Brasil.

Segundo Nicolelis, o Brasil deve “fazer algo muito parecido ao que aconteceu na Grã-Bretanha nos últimos dias. Isso, aliás, veio a partir do comitê científico britânico, que pressionou o primeiro-ministro e o governo para fazer um lockdown mesmo com o início da campanha de vacinação por lá. Era óbvio que não dava pra esperar pra vacina fazer seu efeito populacional. É preciso conter a escalada para o sistema de saúde não colapsar”.

Um dos problemas básicos do Brasil, porém, é falta do que Nicolelis chama de “comando central” – “um comando verdadeiramente nacional, centralizado, um estado maior de combate à pandemia que tivesse uma missão clara”. Em sua opinião, caberia a esse comando formular “uma mensagem única, disseminada para o País inteiro, com transparência, com bons dados, com boas práticas”.

“Nós não tivemos uma voz nacional que, ao longo da pandemia, transmitisse as informações corretas e cientificamente validadas, que basicamente eliminasse as fake news e não promovesse o uso de remédios que não funcionam, por exemplo. Existem milhões de brasileiros que ainda acreditam na cloroquina – ou que ainda creem que existe um tratamento profilático contra o coronavírus”, explica.

O cientista destaca, nesse sentido a atuação da Grécia e do Vietnã no enfrentamento à pandemia, ainda que esses países tenham um sistema de Saúde mais frágil que o do Brasil. “A Grécia detectou dois casos e, em 48 horas, estava em lockdown completo. A Grécia não tinha sistema hospitalar, estava falida do ponto de vista da saúde pública – e conseguiu ser um dos melhores países europeus durante a pandemia”, diz Nicolelis. “O Vietnã, com 100 milhões de habitantes, é um país pobre com muito menos recursos de saúde pública que o Brasil. E eles tiveram 35 mortes.”


No Brasil, Nicolelis cita como exemplos algumas capitais do Nordeste, em especial São Luís. “A capital do Maranhão fez talvez o melhor lockdown do Brasil. É a única capital do Nordeste neste momento que está há meses com números de óbitos e casos estabilizados”, analisa. “Enquanto São Paulo se arrastou com milhares de novos casos e centenas de mortes diárias, São Luís conseguiu levar esse número para o mínimo possível.”

“Fortaleza fez o segundo melhor lockdown. Na sequência, aparecem Recife e João Pessoa”, agrega Nicolelis. “Esses lugares se beneficiaram tremendamente dessas políticas, que eram simples e que foram oferecidas efetivamente logo no início da pandemia.”

Mas o combate ao novo coronavírus depende, essencialmente, do governo federal – e, nesse aspecto, o País, sob a gestão Jair Bolsonaro, fracassou. “No Brasil, faltou comando, faltou mensagem, faltou definir prioridades, faltou preparo e faltou acreditar na ciência.” Além de repetir “todos os erros”, o País ainda sofre com a “total inépcia na definição de um programa nacional de imunização pelo Ministério da Saúde”.

“É uma incompetência total – uma falta de qualquer tipo de visão estratégica, logística e sanitária de quão vital é ter essa campanha de vacinação nas ruas imediatamente”, diz. “Ainda não temos uma definição de quais vacinas vão ser usadas no Brasil porque não temos a aprovação da autoridade sanitária competente federal, que é a Anvisa.” A isso se somam as fake news, que impulsionam a desinformação. “Na pandemia do século 21, a desinformação matou tanta gente quanto o próprio vírus.”

Na visão de Nicolelis, a ação de Bolsonaro e de seu governo negacionista comprovam o a tese do historiador John Barry, responsável pelo maior estudo já feito sobre a pandemia de gripe espanhola, em 1918. Segundo Barry, “a ciência ajudou muito, mas em momento algum ela pode dar todas as respostas”. Por isso, Nicolelis reforça que “a solução de uma pandemia é essencialmente política e dependente dos estadistas que têm coragem de tomar as decisões impopulares e liderar a sociedade”.

“O mundo precisa de uma liderança sanitária muito mais eficiente e forte para poder guiar uma resposta global a uma pandemia como a que vivemos. Não é possível ter de novo a mesma resposta, em que cada país atira para um lado e tenta salvar sua sardinha sem ajudar o próximo”, diz o cientista. “Num mundo extremamente globalizado, onde se transmite um vírus da China para Nova York em 12 ou 20 horas pela malha aeroviária, é preciso criar mecanismos de coordenação global.”

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