Suspensão de exames de HIV e hepatites revela “imensa desorganização”

A médica infectologista Ceuci Nunes, diretora do Instituto Couto Maia, em Salvador, comentou a perda pelo Ministério da Saúde do prazo de vencimento de um contrato tendo que suspender no SUS os exames de genotipagem de HIV e de hepatites virais.

A médica infectologista Ceuci Nunes, do Instituto Couto Maia (BA)

O Ministério da Saúde perdeu o prazo do vencimento de um contrato e precisou suspender no Sistema Único de Saúde (SUS) os exames de genotipagem de HIV e de hepatites virais. A médica infectologista Ceuci Nunes, diretora do Instituto Couto Maia, em Salvador, disse ao Vermelho que isso “revela uma imensa desorganização do Ministério da Saúde que deveria ter se antecipado ao vencimento do contrato”.

O teste é considerado fundamental para definir o tratamento de pessoas que vivem com vírus hiv e das hepatites. Com isso, a diretora do hospital baiano sente na rotina o impacto da suspensão. “É um exame de genotipagem fundamental para quem tem hepatite definir o tipo de vírus C e indicar tratamento. Para o portador de hiv é importantíssimo nos pacientes que desenvolvem resistência ao vírus. A troca de esquema depois da genotipagem só pode ser feita se o exame demonstrar qual o remédio que se pode utilizar ao qual o vírus é sensível”, explica a médica.

A doutora Ceuci disse que não se trata de impacto menor, pois são exames rotineiros, feitos aos milhares. “Não é um exame feito esporadicamente. O impacto é grande”, ressaltou.

Nova tentativa improvisada

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, o contrato com a empresa que realizava estes exames venceu em novembro. Um mês antes, em outubro, o governo federal havia realizado um pregão às pressas para buscar uma nova fornecedora para o procedimento, mas o certame fracassou.

A doutora Ceuci observou que o ministério realizou um novo pregão ainda nesta terça-feira. “Mas realizar o pregão, não significa que vai aparecer propostas, se estão dentro dos parâmetros técnicos. De qualquer forma, existe o risco de ficar um intervalo sem fazer exames”, observou.

Mesmo com um vencedor, a expectativa é que o serviço seja retomado somente em janeiro de 2021. Até lá, no caso de pacientes vivendo com HIV/Aids, os exames de genotipagem serão coletados e processados apenas para crianças com menos de 12 anos e gestantes.

A médica explicou que é a primeira vez que há uma interrupção dos exames. Antes, houve uma transição dos laboratórios públicos que faziam, para a contratação de laboratórios privados. “É uma tecnologia muito avançada e custosa, por isso, o Ministério precisou contratar um laboratório de pesquisa que desse conta desses exames no Brasil inteiro com centralização para baratear”, justificou.

No entanto, mesmo com essa transição, quando ocorreu, não houve interrupção da realização dos exames. “Com a transição houve demora nos resultados do exame, mas deixar de fazer nunca passamos por isso”, lamentou.

Repercussão

A Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e Aids (RNP+Brasil) publicou uma nota criticando a falta dos exames de genotipagem. No texto, o grupo classifica como um “absurdo” o fato do Ministério da Saúde ter demorado para lançar o edital de compras dos kits.

“Esse exame é fundamental na estratégia para o tratamento tanto para o HIV como para o HCV, pois quando a pessoa está resistente e necessita da genotipagem para iniciar nova combinação encontra-se num estado de extrema vulnerabilidade às infecções oportunistas e não pode ser prejudicada pela demora ocasionada por entraves meramente burocráticos”, diz a nota da RNP+Brasil.

Conselheiro Nacional de Saúde e representante da Articulação Nacional de Luta contra a aids (Anaids), Moysés Toniolo avalia que há um “desmonte” de políticas para pessoas que vivem com HIV, aids e hepatites virais no governo Jair Bolsonaro.

Em maio do ano passado, o rebaixamento do Departamento de IST, AIDS e Hepatites Virais do Ministério da Saúde para parte de um setor mais amplo chamado Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, feito pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), já havia revoltado ativistas, pessoas que vivem com a doença e políticos.

Toniolo lembra que, quando ainda era deputado, Bolsonaro disse ser contra o custeio do tratamento destas doenças pelo SUS. “Problema é dele (o paciente)”, declarou o atual presidente em entrevista ao programa CQC, da TV Bandeirante, em 2010.

A Anaids estuda levar o caso ao Ministério Público Federal (MPF), segundo Toniolo. “Temos um contingente de pessoas que há anos usam a terapia e pode precisar desse exame para continuar a viver”, afirmou ele.

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