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Esquerda despede-se de Tabaré Vázquez, ex-presidente do Uruguai

O falecimento de Tabaré Vázquez, ex-presidente do Uruguai, aos 80 anos de idade após vários dias em um delicado estado de saúde como consequência de um câncer no pulmão, representa uma grande perda para as forças democráticas e progressistas.

Tabaré Vázquez - Andres Stapff / Reuters

A coalizão eleitoral Frente Ampla, da qual ele fazia parte, anunciou a morte do político em sua página no Twitter. O governo uruguaio informou que a morte do ex-presidente ocorreu por volta das 03h00 devido a “causas naturais de sua doença oncológica”, cita a agência Europa Press. Na semana passada, Tabaré Vázquez foi estabilizado de emergência após sofrer uma “trombose profunda no membro inferior esquerdo” relacionada com o câncer, segundo explicou seu filho, o dr. Álvaro Vázquez.

O médico, oncologista de profissão como seu pai, confirmou que a doença era uma “patologia conhecida nestes pacientes oncológicos” e, portanto, vinculada à doença do ex-presidente. O tumor foi diagnosticado em agosto de 2019 e, em setembro, começou um programa de radioterapia e radiocirurgia para combater a doença, que inicialmente havia sido bem sucedido. Agora estava, segundo seus médicos, em uma “etapa de avaliação”.

Tabaré Vázquez se tornou em 2005 o primeiro presidente de esquerda de seu país. Como líder da Frente Ampla, seu triunfo eleitoral pôs fim a décadas de hegemonia bipartidária de Blancos e Colorados, os dois grupos de centro-direita que dominaram a política uruguaia desde o retorno à democracia em 1985. Contra todas as probabilidades, a Frente Ampla permaneceu no poder por 15 anos, até março passado, com duas presidências de Tabaré Vázquez e uma de José Pepe Mujica, outra referência regional do progressismo latino-americano.

Vázquez ocupou a presidência entre 2005 e 2010 e depois entre 2015 e 2020. Ele nasceu em uma família de “classe média”. Em 2005, quando iniciou seu primeiro mandato, já era referência médica no Uruguai. Uma de suas batalhas políticas mais relevantes foi a luta contra o fumo, a ponto de promover uma legislação contra o consumo de cigarros no Uruguai que lhe rendeu um processo milionário da Philip Morris no Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (CIADI). Em 2016, o centro pronunciou-se a favor do país e obrigou a indústria a arcar com as despesas do processo.

Discreto e reservado, Tabaré Vázquez foi um presidente singular: sempre era comedido em suas aparições públicas, falava pouco e não usava as redes sociais. “Quando um presidente fala, um país fala, e o presidente não pode ir além de dizer as coisas que interessam às pessoas”, costumava dizer o ex-presidente uruguaio, parafraseando o francês François Mitterrand (presidente entre 1981 e 1995), de quem se confessava um admirador.

Como governante, não teve a popularidade internacional de José Pepe Mujica, com quem compartilhou a Frente Ampla. Em seu país, entretanto, era muito respeitado e admirado até mesmo entre detratores. Um mês antes de entregar o poder, Tabaré Vázquez foi ovacionado por uma multidão no bairro de La Teja, em Montevidéu, onde nasceu em janeiro de 1940. “Nada se conquista sozinho, o que foi conquistado nós fizemos juntos, com todos participando, trabalhando com a gente, convencendo, ganhando consciência “, disse então, sabendo que se despedia da presidência para sempre.

Seu último comício também foi o ponto final de uma era política no Uruguai, com líderes octogenários agora em busca de renovação. “O legado que nossa Frente Ampla vai deixar ao povo uruguaio é um legado que temos que defender, apoiar, estar convencidos da importância que tem e que é acima de tudo isto que temos feito juntos”, disse, antes de se despedir com os olhos marejados. Tabaré Vázquez não quis ser hospitalizado e preferiu morrer em casa, com a família.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou-se sobre a morte de Tabaré Vásquez. “Hoje perdi um amigo querido meu e do Brasil. Minha solidariedade e sentimentos aos familiares, amigos e ao povo uruguaio, que preservará a memória e o legado de Tabaré Vázquez”, declarou Lula. Em nota, o governo brasileiro diz que recebeu com grande pesar a notícia da morte de Tabaré Vázquez: “O governo brasileiro transmite ao povo-irmão do Uruguai e aos familiares do ex-presidente as suas profundas condolências”.

Na Argentina, adversários políticos, como o presidente Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner, e o ex-presidente Mauricio Macri, lamentaram a morte de Tabaré Vázquez. “Me causa enorme dor o falecimento do meu querido Tabaré Vázquez. Fiel às suas convicções, permitiu que o progressismo chegasse ao governo do Uruguai”, afirmou Fernández. Cristina Kirchner, que também presidiu a Argentina e cujo marido e ex-presidente argentino, Néstor Kirchner, também faleceu por conta de um câncer, enalteceu a figura do ex-colega uruguaio: “Sua chegada à Presidência ajudou a consolidar o ideal de Pátria Grande”.

Macri, por sua vez, lembrou do relacionamento entre os dois no poder e comentou: “Se foi um cavalheiro da política, um dirigente honesto com sentido comum que fortaleceu os laços com a Argentina e o Mercosul”.

O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, sublinhou o legado social dos governos Vázquez. “Comprometido com seu país, [Vázquez] governou com e para a cidadania. Sua gestão deixa para o Uruguai um enorme legado de direitos e políticas sociais”, afirmou o premier espanhol por meio de um comunicado.

O presidente da Bolívia, Luis Arce, ofereceu conforto ao povo do Uruguai e à família de Vázquez e prestou uma homenagem a Tabaré. “Recordaremos seu legado e sua vocação pela integração na região”, escreveu Arce.

O ex-presidente boliviano Evo Morales também ofereceu condolências e lembrou que Vázquez “sempre apoiou o processo democrático na Bolívia e condenou o golpe de Estado”, em referência à crise institucional que levou à renúncia de Morales em 2019 e a uma onda de violência contra partidários de sua legenda, o MAS, no país. “Se foi um querido irmão e mestre, um ser humano profundamente bom”, escreveu no Twitter o ex-presidente do Equador Rafael Correa, também contemporâneo de Vázquez.

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Com agências e jornais