O adeus de um gênio, craque e humano

Maradona sempre esteve próximo ao abismo, talvez para que a vida se tornasse ainda maior do que ela é: o caminho entre o vale e o céu

Os ídolos não morrem, não na cabeça das pessoas comuns. Eles representam o papel do antigo herói das epopeias seculares, os sonhos mais bonitos realizados, a saga dos valores mais nobres encarnados em vidas perenes, corpos finitos, mas que se eternizam em um nome.

O ídolo é eterno. Por isso, quando ouvimos a notícia que o corpo humano que o trouxe dos deuses à Terra partiu de volta para os montes celestes, a primeira reação que temos é de uma profunda paralisia. Não podemos acreditar que tal acontecimento seja verdade, porque os ídolos estão próximos dos mitos, das lendas, são imagens que nos movem, nos inspiram, nos emocionam e nos fazem principalmente crescer. Veneramos nos ídolos a genialidade que nos aproxima do divino e do Universo e as qualidades que almejamos em nossa curta existência.

Por tudo isso, sabemos perdoar, de nossos ídolos, os seus defeitos. Assim é com Diego Armando Maradona. Um ídolo completo, artista da bola, guerreiro da vida. Saiu da extrema pobreza para dar voz aos pobres. Os verdadeiros ídolos são assim – não aparecem neste planeta apenas por eles, fazem seu percurso para que outros possam vir a caminhar com mais facilidade. Falam pelos seus, pelos outros e principalmente, por aqueles que não têm voz.

Maradona usou a bola como instrumento de uma sublime arte, da qual poucos escolhidos neste plano vieram sabendo fazer. Ele não jogava futebol, ele pintava, esculpia, escrevia poesia com o futebol. É bem diferente. Aos seus pés, podíamos enxergar a bola como uma extensão de sua respiração, de seus olhos, de seu coração.

Nada é maior do que um homem que faz, de sua coragem, o seu espírito; de suas paixões, o seu legado e a sua obra; de seus fracassos, o ponto para suas maiores virtudes. E Maradona foi assim – imperfeito, humano, mas grandioso dentro do peito. Viveu tanto o futebol como a vida como se estivesse em um grande ato cênico, de uma ópera no momento angustiante do canto final. Sempre esteve próximo ao abismo, talvez para que a vida se tornasse ainda maior do que ela é: o caminho entre o vale e o céu.

O limite é pegajoso para os gênios. Tedioso, o limite nos coloca na esfera comum dos desejos comuns e dos sonhos medíocres. Gênio é exatamente aquele que explora o seu próprio limite e que se permite ir além dele. Mesmo com todos os defeitos humanos, porque ter defeito é permitido, é sua parte humana comum a nós, o que nos surpreende é seu exagero no sonho e no desejo. Maradona sonhou, desejou e viveu vida com tanta intensidade quanto fez na sua arte. Ele se sacrificou no último suspiro de um tango.

Por isso, sua morte é a nossa morte, morremos um pouco com ele. Se os mitos morrem, o que será de nós, pessoas comuns? Se os corpos das lendas são tão perecíveis quanto os nossos, daqueles que fazem do seu nome, da sua história e do seu rosto um memorial para eternidade, o que será das pessoas medianas que vivem a vida de modo tão igual? Como seria o nosso fim?

A dor é dilacerante, é imensa. Morremos a nossa própria morte quando um ídolo se vai. E é por isso que é insuportável.

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