Maradona (1960-2020), um craque argentino, uma lenda sul-americana

Ex-jogador morreu hoje, aos 60 anos, vítima de uma parada cardiorrespiratória

O ídolo argentino Diego Armando Maradona, um dos maiores jogadores e personagens na história do futebol mundial, morreu na manhã desta quarta-feira (25), aos 60 anos, em sua casa, em Tigre, ao norte da capital Buenos Aires. A informação foi divulgada às 13h04 pelo diário argentino Clarín e confirmada, minutos depois, por Matías Morla, seu advogado e amigo. Segundo o jornal, Maradona, campeão mundial pela Seleção Argentina em 1986, foi vítima de uma parada cardiorrespiratória.

O anúncio do Clarín deu o tom da comoção instantânea provocada pela morte de Dieguito, como o ex-jogador era chamado: “E um dia ocorreu. Um dia, o inevitável aconteceu. É um tapa na cara emocional e nacional. Um golpe que reverbera em todas as latitudes. Um impacto mundial. Uma notícia que marca uma dobradiça na história. A frase que foi escrita por várias vezes, mas que foi driblada pelo destino agora faz parte da triste realidade: Diego Armando Maradona morreu”, registrou oprincipal jornal argentino.

Antes de se consagrar com a camisa 10 da Argentina no Mundial-1986, Maradona percorreu um itinerário incomum. Nasceu em Lanús, em 1960, e cresceu na periferia argentina. Nas “peladas” da várzea, foi descoberto por Francis Cornejo, treinador de base do Argentinos Juniors. Estreou no futebol aos 15 anos e logo se tornou o principal ídolo do clube, que depois deu a seu estádio o nome Diego Armando Maradona. Aos 17, foi convocado para a Seleção Argentina pela primeira vez.

Em 1981, transferiu-se para o Boca Juniors, seu clube de coração. Campeão e artilheiro do Campeonato Metropolitano daquele ano, passou a ser considerado o grande jogador argentino de sua geração – aquela que veio após o primeiro título mundial do país, em 1978, sob a sombra da ditadura militar argentina (1976-1983).

Em 1982, após decepcionar na Copa do Mundo na Espanha, foi para o Barcelona, na maior contratação de um atleta até então. No Barça, já às voltas com o uso de drogas, exibiu um futebol irregular, que o levou a tomar as primeiras vaias da carreira. Antes da Copa de 1986, no México, ousou ao trocar um gigante do futebol mundial pelo Napoli, um clube italiano sem títulos nem tradição.

Mas foi nos campos mexicanos, aos 25 anos, que alcançou o auge da carreira. Sobretudo a partir das quartas-de-final, Maradona teve uma das sequências mais geniais de um jogador em Copas do Mundo. Fez gols de placa (e um de mão – “la mano de Dios”, ele diria depois). Liderou a vitória argentina sobre rivais como o Uruguai, a Inglaterra e a Alemanha. Na final, deu um passe caprichado para o gol de Burruchaga, que garantiu o bicampeonato argentino.

Como capitão e craque da equipe, ele levantou a taça num momento em que a Argentina ainda amargava a derrota humilhante na Guerra das Malvinas, mas reerguia sua democracia. Maradona virou uma espécie de herói nacional, resgatando o orgulho argentino e se tornando até o “deus” da Igreja Maradoniana, criada por seus admiradores mais devotos. Converteu-se igualmente num ícone da América do Sul – quase uma lenda num continente ainda em busca de sua soberania.

As atuações memoráveis continuaram nos anos seguintes, em que o craque conduziu o Napoli a dois títulos italianos (1987 e 1990), da Copa da Itália (1987) e da Copa da Uefa (1989). Na Itália, porém, Maradona viveu entre o céu e o inferno, já que, longe dos gramados, seu vício em drogas tomou proporções incontroláveis.

Na Copa de 1990, também na Itália, a Argentina terminou com o vice-campeonato. Maradona não repetiu as brilhantes performances de quatro anos antes, mas fez o suficiente para despachar brasileiros e italianos. Mas sua imagem mais lembrada na final, novamente contra a Alemanha, foi a do choro incontido diante da derrota, que impediu o tri mundial.

Menos de um ano depois, a carreira do craque desabou. Pego num exame antidoping depois de um jogo no Campeonato Italiano 1990/91, foi punido com 15 meses de suspensão do futebol. Semanas depois, foi preso por porte e consumo de cocaína. O contrato com o Napoli foi rescindido. Voltaria a jogar em 1992, no Sevilla, onde permaneceu por um ano, sem destaque. Em 1993, regressou à Argentina e foi jogar no Newell’s Old Boys, mas permanecia fora de forma.

No começo de 1994, com a Seleção Argentina em crise, depois de uma derrota de 5 a 0 em casa, nas Eliminatórias, para a Colômbia, a federação de futebol local fez um apelo para que o craque entrasse em forma e assumisse a liderança da equipe nacional. Maradona perdeu peso, treinou muito e foi a campo. De fato, fez duas ótimas partidas no Mundial-1994 – seu último como jogador. Após a segundo jogo, foi flagrado em novo – e bombástico – antidoping. A Fifa o excluiu da Copa. Aos 34 anos, Maradona deixava para sempre o selecionado.

Ainda jogou no Boca Juniors, mais uma vez, entre 1995 e 1997, até se aposentar. Ganhou peso, intensificou o uso de álcool e drogas, chegou a ser internado por duas vezes, em 2000 e 2004, em comunidade terapêutica fechada. Numa delas, somente 38% de seu coração funcionava. Treinou a Seleção Argentina entre 2008 e 2010, mas sofreu uma goleada da Alemanha nas quartas-de-final da Copa-2010, na África do Sul. Ainda treinaria outros clubes – da Argentina, dos Emirados Árabes e do México, até acertar com o argentino Gimnasia y Esgrima.

À sua liderança e a seu carisma – como jogador, como técnico e como personagem do futebol –, somou-se um raro e esclarecido engajamento político. De celebridade que não se incomodava em posar com líderes argentinos de direita, como o ex-presidente Carlos Menem (1989-1999), Maradona passou a assumir firmes posições à esquerda, sobretudo em defesa de Cuba. Sua autobiografia, Eu Sou Diego, foi dedicada “a Fidel Castro e, por meio dele, a todo o povo cubano”.

Nos anos 1990, Dieguito tatuou imagens dos dois líderes da Revolução Cubana, Ernesto “Che” Guevara e o próprio Fidel. “Também sou um rebelde neste mundo”, justificou-se. Por coincidência, o craque argentino faleceu no dia em que a morte de Fidel completou quatro anos. Maradona chamou o líder cubano de “segundo pai”, “o único comandante”, “o mais sábio de todos”. Fidel, por sua vez, chamou o amigo de “o Che do esporte”.

Maradona também se solidarizou com a Revolução Bolivariana liderada pelo presidente venezuelano Hugo Chávez. Em 2005, foi pessoalmente a Caracas para participar de um ato contra a Alca (Área de Livre-Comércio das Américas), plano imperialista do governo George W. Bush para ampliar sua ingerência na América Latina. Recebido por Chávez no Palácio de Miraflores, Maradona declarou que tinha ido ao encontro de “um grande homem”, mas se deparou com “um gigante”. E emendou: “Eu sou chavista!”. Em 2013, após visitar o túmulo de Chávez, entrou em campanha pela eleição de Nicolás Maduro, “em nome do bolivarianismo”.

Na Argentina, aderiu aos governos de Néstor e Cristina Kirchner. Prestou apoio, ainda, a Evo Morales, na Bolívia, e a Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, entre outros líderes sul-americanos. Em novembro de 2019, quando Lula foi libertado após sua injusta prisão sem provas pela operação Lava Jato, Maradona celebrou: “Hoje se fez justiça”.

Em 30 de outubro passado, Maradona completou 60 anos, apenas uma semana após o 80º aniversário de Pelé. Os dois maiores jogadores do século 20 receberam homenagens e foram tema de reportagens em todo o mundo. No dia 3 de novembro, o ex-jogador argentino foi internado numa clínica de Buenos Aires para retirar um coágulo no lado esquerdo da cabeça. Há duas semanas, quando recebeu alta, procurou demonstrar otimismo e manifestava saudade da mãe.

“Fui e estou muito feliz. O futebol me deu tudo o que tenho, mais do que jamais imaginei – e, se eu não tivesse esse vício, poderia ter jogado muito mais”, declarou ele ao Clarín. “Isso passou, estou bem e o que mais lamento é não ter meus pais. Sempre faço esse desejo, mais um dia com a Tota, mas sei que do céu ela se orgulha de mim e que ficou muito feliz”.

Enquanto se recuperava da cirurgia, Maradona chegou a ter crises de confusão mental, decorrentes da abstinência do álcool. Nesta manhã, teve um mal súbito, que culminou em sua morte. O coração do grande craque e ídolo argentino parou de bater – agora para sempre – antes que os médicos pudessem socorrê-lo. “Perdi um grande amigo e o mundo perdeu uma lenda”, resumiu Pelé, no Twitter. “Um dia, eu espero que possamos jogar bola juntos no céu.”

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