Enquanto população vive apagão, Amapá exporta energia

De quatro hidrelétricas no estado, somente Coaracy Nunes atende à população local. As demais geram energia para o restante do país.

Município de Amapá, no estado do Amapá - Foto: Maksuel Martins/Governo do Amapá

Enquanto a população de 13 municípios do Amapá sofria com os transtornos e prejuízos de um apagão cujos efeitos se prolongaram por mais de 20 dias, o estado exportava energia para o resto do país. É isso mesmo. Além de uma termoelétrica em Santana, cujos geradores foram reativados durante a crise energética, o Amapá tem quatro hidrelétricas. Dessas, só Coaracy Nunes fornece energia à população amapaense. As outras três geram energia para o restante do país.

Segundo Ikaro Chaves, engenheiro eletricista da Eletronorte e diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel), a contradição acontece em razão de como o sistema foi desenhado. Diferentemente de Coaracy Nunes, que faz parte do Sistema Eletrobras, as hidrelétricas de Cachoeira Caldeirão, Santo Antônio do Jari e Ferreira Gomes são concessões privadas integradas ao Sistema Interligado Nacional com o objetivo de exportação de energia.

“Quando chegou a interligação, o povo achava que finalmente esses transtornos [com a rede elétrica] eram coisa do passado. Mas a interligação não foi feita para atender à população do Amapá, foi feita para atender às usinas hidrelétricas privadas, que foram construídas no estado e exportam energia para o restante do Brasil. A prioridade não é o atendimento da população, é a exportação de energia dessas usinas”, comenta Chaves.

Ele destaca que existe, inclusive, um impeditivo técnico para o escoamento da energia gerada pelas hidrelétricas a nível local: elas são ligadas em linha de alta tensão, de 230 kV, e, para serem conectadas ao sistema de distribuição da Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA), seria necessária a conversão para uma tensão mais baixa, de 69 kV.

Em meio à crise energética no estado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou que estuda ligar diretamente Cachoeira Caldeirão e Ferreira Gomes à CEA. No entanto, o fato de a população do Amapá ter passado 22 dias à míngua em meio à geração de tanta energia, é o sintoma mais agudo do verdadeiro problema: o estado sempre teve um sistema precário e acaba sendo negligenciado se comparado a centros mais “importantes”.

O caso da subestação Macapá, por exemplo, onde no dia 3 de novembro houve o incêndio que mergulhou 13 dos 16 municípios amapaenses no escuro, é emblemático. A subestação pertence à Linhas Macapá de Transmissão Elétrica (LMTE), que eram propriedade da empresa privada espanhola Isolux. Após entrar em recuperação judicial, a empresa vendeu a LMTE à Gemini Energy, uma empresa administrada por fundos de investimento.

Quando houve o incêndio na subestação que danificou os dois transformadores em operação, o transformador reserva, que deveria garantir o funcionamento do sistema em uma emergência, estava em manutenção desde dezembro de 2019. Para colocar um dos transformadores danificados novamente em operação e garantir a recomposição de pelo menos 70% do sistema, enquanto se aguardava a chegada de um novo transformador de Laranjal do Jari, foram convocados técnicos da Eletronorte e da Companhia de Eletricidade do Amapá.

Além das falhas da LMTE, uma fragilidade do sistema é que a subestação Macapá é a única responsável pela transmissão de energia a 90% do estado. A subestação nunca recebeu inspeções presenciais da Aneel, a quem cabia fiscalizar se a LMTE prestava adequadamente o serviço para o qual foi contratada.

Para aumentar a segurança e a qualidade do serviço para a população, Ikaro Chaves defende que o estado tenha backups que realmente funcionem, para entrar em operação em caso de problemas.

“Tinha dois transformadores operando, um de reserva e um quarto transformador prevendo já que a carga de Macapá fosse aumentar. Esse quarto nunca foi colocado, a empresa nem colocou e o terceiro. Essa é a vulnerabilidade”, afirma. Além de transformadores reserva, ele defende que a usina de Santana fique como backup, uma vez que a geração de energia termoelétrica é mais cara.

Outras possibilidades, afirma, são a construção de uma segunda casa de força na hidrelétrica de Coaracy Nunes, que possui espaço para ampliação, e a própria conversão da tensão da linha para que as demais hidrelétricas do estado possam atender à demanda da região.

Energia cara

O porta-voz do Greenpeace para Energia, Thiago Almeida, afirma que há um “grave” problema de infraestrutura no Amapá. “Isso é um grave problema de infraestrutura, falta de manutenção e também do modelo. Esses 13 municípios afetados estão conectados ao sistema nacional, mas existe uma única conexão, que foi justamente onde houve o incêndio, por falta de manutenção”, comenta.

Com todos os problemas no sistema, Thiago lembra que a população do Amapá é uma das que paga mais caro pela energia no país. “O Amapá é um dos estados que paga mais caro por eletricidade no país mesmo exportando eletricidade. Tem quatro hidrelétricas, a gente vê a foz do rio Araguari destruída, tarifa cara e não estão recebendo energia. Isso é um problema até do ponto de vista do direito do consumidor”, afirma.

Segundo Thiago, o Greenpeace vem acompanhando a crise energética por meio de relatos de voluntários e voluntárias no Amapá. A organização não-governamental defende o investimento em fontes de energia renováveis e sem impactos sobre o meio ambiente. De acordo com ele, não há necessidade de fazer investimentos em novas hidrelétricas no país.

“A energia solar e a eólica estão cada vez mais baratas. A construção de uma usina solar ou eólica leva de seis meses a um ano, enquanto uma hidrelétrica leva de cinco a dez anos, ou mais, para ser construída. Isso sem falar na questão de começar a incentivar a geração descentralizada solar dentro das casas, gerando eletricidade, inclusive para para o Sistema Interligado Nacional quando não estiverem consumindo. Quanto mais tiver, menos a gente precisa usar as hidrelétricas”, diz.

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