Eleições: como as capitais viraram o “inferno eleitoral” de Bolsonaro

Grandes centros urbanos podem se converter num obstáculo à reeleição do presidente em 2022

Desempenho de Crivella no Rio reflete o revés bolsonarista nas grandes cidades

Se Jair Bolsonaro foi, de longe, o principal derrotado nas eleições municipais de 2020, as capitais brasileiras foram o epicentro desse revés. Na maioria dessas cidades, a rejeição ao presidente cresceu ao longo da campanha e ajudou a provocar um verdadeiro “inferno eleitoral” no campo bolsonarista.

Às dificuldades enfrentadas por candidatos de Bolsonaro nas capitais se somam exemplos externos – sobretudo a derrota do presidente republicano Donald Trump nos Estados Unidos. Tudo isso sinaliza que os grandes centros urbanos podem se converter num obstáculo à reeleição do presidente em 2022.

A conjunção de fatores inclui ainda piora na avaliação do governo em capitais populosas, que reúnem os maiores eleitorados. Sem contar a expansão de representantes de pautas identitárias nas Câmaras Municipais das capitais para fazer frente à onda conservadora que Bolsonaro carreou há dois anos em todo o País.

Se confirmada, essa tendência de resistência ao conservadorismo de direita que Bolsonaro representa em zonas urbanas seria uma inversão do resultado de 2018. Na eleição nacional passada, ele obteve margem de vantagem ampla nas capitais, principalmente nas regiões Sudeste, Norte, Sul e Centro-Oeste, onde foi líder de votos em todas no primeiro turno.

Além disso, ele venceu em cinco capitais nordestinas – Maceió (AL), João Pessoa (PB), Recife (PE), Natal (RN) e Aracaju (SE) – rompendo o favoritismo da esquerda e o domínio petista na região. Ao todo, o presidente levou 23 capitais na primeira rodada, e 21 na segunda, contra Fernando Haddad (PT) – o petista recuperou Recife e Aracaju.

Nos Estados Unidos, as regiões metropolitanas, mais populosas, se converteram numa barreira à reeleição de Trump. Um olhar para o mapa eleitoral norte-americano mostra uma clara divisão pró-Joe Biden, o democrata eleito presidente, puxado pelo votos dos centros urbanos. E foi justamente neles que se deu a virada contra Trump na apuração.

A diferença é que, nos EUA, o voto “territorial” praticamente não se altera ao longo dos anos. Independentemente dos candidatos, é praticamente garantido que o interior sempre será terreno de vantagem dos republicanos, mais conservadores, enquanto as cidades costumam ser dos democratas, partido que abriga parcela cada vez mais empoderada da esquerda.

Isso ocorre mesmo nos chamados estados “pêndulos”, aqueles sem predileção histórica dos eleitores por um dos partidos. O cenário é favorecido pelo bipartidarismo “de fato” da política nos EUA. Embora haja outros partidos e candidatos, só Democratas e Republicanos têm estrutura para disputar a Casa Branca há cerca de 160 anos.

No Brasil, diferentemente, costuma haver uma variação das capitais de acordo com os candidatos e partidos. A principal divisão se dá entre Nordeste e as demais regiões. Se em 2018 Bolsonaro venceu Haddad em quatro dos cinco maiores colégios eleitorais entre as capitais – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, exceção feita a Salvador –, quatro anos antes a ex-presidente Dilma Rousseff perderia para Aécio Neves em São Paulo e BH e venceria em Salvador, Rio e Fortaleza.

Hoje, Bolsonaro enfrenta alguns dos piores índices de avaliação nos maiores colégios eleitorais do País. Nos cinco primeiros, o índice de eleitores que consideram o governo Bolsonaro ruim ou péssimo é sempre maior do que os que o avaliam como ótimo ou bom, segundo dados das últimas pesquisas do Ibope. Em quatro deles, 40% ou mais dos eleitores consideram a gestão ruim ou péssima: São Paulo (48%), Salvador (65%), Belo Horizonte (40%) e Fortaleza (49%). A única exceção é o Rio de Janeiro (37%). Por outro lado, a avaliação ótima ou boa é de 35% no Rio e em BH – o maior patamar. Nos demais, não chega nem a 30%: São Paulo (24%), Salvador (11%) e Fortaleza (27%).

Tal como houve como Trump nos EUA, as capitais expressaram um desejo de frear o avanço do conservadorismo cristão representado por Bolsonaro. Em 13 delas, representantes da comunidade LGBT, feministas e do movimento negro – alguns com “mandatos coletivos” – ficaram entre os dez vereadores mais votados. Ao todo, 25 transexuais e travestis foram eleitos vereadores em todas as regiões do País, sendo a maioria em partidos de esquerda.

Na disputa por prefeituras, Bolsonaro entrou na campanha de seis candidatos a prefeito de capital. Apenas dois nomes bolsonaristas avançaram ao segundo turno. Quatro foram derrotados já no primeiro: no Recife (Delegada Patrícia, Podemos), Manaus (Coronel Menezes, Patriota), Belo Horizonte (Bruno Engler, PRTB) e São Paulo (Celso Russomanno, Republicanos).

Das capitais ainda em disputa com aliados por quem Bolsonaro se engajou, há chances mais abertas de vitória apenas em Fortaleza, onde Capitão Wagner (PROS) passou em segundo lugar, mas com apenas 2,4 pontos porcentuais a menos que Sarto (PDT). No Rio, todas as projeções são de derrota vexatória para o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos). Ele avançou ao segundo turno com 15 pontos atrás do ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), favorito na disputa. A mais recente pesquisa Ibope coloca Paes com 53% das intenções de voto, contra 23% de Crivella.

Bolsonaro conseguiu eleger dois aliados em cidades médias: Gustavo Nunes (PSL) em Ipatinga (MG) e Mão Santa (DEM), em Parnaíba (PI). O interior, aliás, tem sido um bastião político do presidente, com propaganda política favorável a ele em painéis espalhado na entrada de municípios e estradas País adentro.

Sem partido, Bolsonaro adotou a estratégia de distanciamento durante a maior parte da campanha, o que contrasta com presidentes anteriores no cargo. Mas cedeu a pressões diante do fato de que sua gestão viraria tema de debates e seria inevitavelmente avaliada. Além disso, seria um teste de sua capacidade de transferir votos a apadrinhados políticos e da imagem do governo. Dono do maior capital político-eleitoral do País, ele sofria com pedidos de ajuda de candidatos alinhados.

Embora discreto e com ajuda dos filhos, Bolsonaro gravou vídeos para campanhas e transformou o Palácio da Alvorada, residência oficial, em sede de uma “live eleitoral gratuita”, em que propagandeava a favor de seus escolhidos. Para observadores do mundo político, um erro. Bolsonaro pediu votos, individualmente, a candidatos de vários partidos, mas a maioria era de legendas de direita, como Republicanos, PSC, Patriota, PSL e PRTB.

Embora caciques partidários ponderem que o resultado de eleições municipais traduz mais a realidade local dos municípios, desejos e cobranças cotidianas das populações, as disputas podem indicar as ideias em debate, virtudes e entraves na organização de forças eleitorais. Além disso, nas cidades com segundo turno – médias e grandes, com mais de 200 mil eleitores –, o debate se nacionaliza quando só há dois candidatos na disputa. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indica que haverá segundo turno em 57 localidades, sendo 18 capitais e 39 cidades.

“O segundo turno sempre é mais politizado e os temas nacionais comparecem com mais força. É muito difícil não ter candidatos associados ao presidente e outros menos associados”, analisa o cientista político e sociólogo Antônio Lavareda. “Poderemos vir a ter, a partir daí, uma mudança importante, o início do descolamento do presidente dessas populações urbanas nas capitais. Qualquer modificação do desenho de preferências em direção a 2022 tem que se expressar em primeiro lugar nas capitais, que são os centros irradiadores da opinião pública do País.”

Com informações do Estadão

Um comentario para "Eleições: como as capitais viraram o “inferno eleitoral” de Bolsonaro"

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *