A estratégia final de Trump: interferir na indicação de delegados

A escalada do presidente norte-americano mira uma jogada final mais objetiva, buscando levar a ação da arena jurídica para a política.

Donald Trump e Jair Bolsonaro - Foto: Alan Santos/PR

Os esforços da equipe jurídica de Donald Trump para reverter o resultado da eleição estão caindo por terra. Por isso, o presidente começou a intervir pessoalmente, levando a Casa Branca para dentro do processo de certificação do Michigan, e intensificando o ataque às cidades que enterraram sua esperança de reeleição.

Em Michigan, onde, no início da semana, houve um telefonema do presidente a um funcionário republicano do conselho eleitoral do condado de Wayne, os principais deputados estaduais do Partido Republicano se preparam para ir à Casa Branca encontrar-se com Trump nesta sexta-feira. Em Wisconsin, a campanha de Trump está pedindo a recontagem em dois condados majoritariamente democratas, Dane e Milwaukee, que levaram o presidente à derrota no estado.

Da mesma forma, as alegações sem comprovação de Trump de que houve uma grande fraude em Pensilvânia e Nevada miram centros urbanos que selaram seu destino nos dois estados-chave: respectivamente, Filadélfia e o condado de Clark, em Las Vegas.

As probabilidades de reverter os resultados em qualquer estado, quem dirá em um número de estados suficiente para evitar a posse de Joe Biden, são extremamente baixas. Mas a escalada de Trump mira uma jogada final mais objetiva, buscando levar a ação da arena jurídica para a política.

Enquanto eleva o tom de desafio, Trump incentiva a divisão entre zona urbana e rural que foi a marca registrada de sua política por quatro anos.

“Outro cara já teria reconhecido a derrota, levantado a bandeira branca e ido para casa”, disse Bill MacCoshen. estrategista republicano de Madison, Wisconsin. “Trump não é assim e foi por isso que venceu da primeira vez. Ele tem uma base lá fora que espera e deseja que ele lute. Então, ele vai cair atirando”.

Olhando para uma planilha de resultados de Wisconsin, onde os condados de Dane e Milwaukee deram uma vantagem de 364 mil votos a Biden, McCoshen afirma: “Isso ajuda a entender porque eles escolheram determinados condados”.

Pressão e sabotagem

Em nenhum outro lugar o foco de Trump em cidades de maioria democrata fica mais evidente do que em Michigan, onde o conselho eleitoral do condado de Wayne, em Detroit, certificou o resultado eleitoral esta semana. Na quinta-feira, após a decisão de dois membros republicanos do conselho de voltar atrás na aprovação do resultado, a campanha de Trump desistiu de uma ação judicial contestando os resultados no estado, alegando interrupção do processo de certificação.

Segundo fontes oficiais, isso não corresponde à verdade. Eles afirmam que não existe procedimento que permita aos republicanos voltar atrás nos votos. “Não significa absolutamente nada. Este processo de certificação está protegido de políticos covardes tentando reverter a derrota de Trump em Michigan”, afirmou Jonathan Kinloch, membro democrata do conselho de Wayne sobre a tentativa. Segundo ele, “não tem mais volta. A cama está feita”.

No entanto, com a aproximação do fim dos prazos para os estados certificarem os resultados, Trump vem intensificando os esforços para atrapalhar o mecanismo final da eleição. A Georgia deve certificar nesta sexta-feira, seguida pela Pensilvânia e Michigan, ambos na segunda-feira. Trump pode continuar protestando pelo menos até 14 de dezembro, quando os delegados se reúnem nos estados para votar.

“Até lá, eu não vejo as brasas se apagando”, disse Matt Moore, ex-presidente do Partido Republicano da Carolina do Sul, que votou a favor de Trump em 2016. Segundo Moore, embora “seja difícil ver uma mudança no resultado, politicamente não há muitos motivos para admitir a derrota. Fundos estão sendo angariados, o presidente pretende permanecer mobilizado no ano que vem, de qualquer forma. Não há muita coisa que estimule a desmobilização”.

Até o momento, as acusações sem provas de Trump sobre fraude em todo o país e as diversas petições legais falharam em larga escala, e as demais opções de manipulação do Colégio Eleitoral são bastante limitadas. Mas o fato de ter procurado membros do legislativo republicano em Michigan acendeu um alarme quanto à possibilidade de parlamentares republicanos passarem por cima do voto popular em seus estados e indicarem delegados pró-Trump no caso de um impasse com relação à certificação.

Não está claro o quanto os apelos de Trump a líderes do legislativo estadual podem ser efetivos. Um dos republicanos que deve se encontrar com o presidente, Mike Shirkey, líder da maioria no Senado de Michigan, afirmou esta semana que a legislatura não iria contra o voto popular.

No entanto, parlamentares republicanos nos estados estão sob a pressão de uma base que continua convencida de que a eleição não foi realizada de forma justa, assim como de um aparato do Partido Republicano que permanece dando suporte ao presidente.

“Nós vamos limpar essa bagunça. O presidente Trump teve uma vitória esmagadora. Nós vamos provar. E vamos tomar de volta os Estados Unidos da América para as pessoas que votam pela liberdade”, afirmou Sidney Powell, advogado da campanha de Trump, cujo comentário foi tuitado nesta quinta pelo Comitê Nacional Republicano.

Os aliados mais fiéis de Trump no Capitólio começaram uma campanha desesperada para sabotar os resultados da eleição, ou, no mínimo, semear dúvidas junto ao público.

O senador Lindsey Graham (Partido Republicano, Carolina do Sul), desencadeou uma tempestade no início da semana ao confirmar que entrou em contato com oficiais eleitorais em três estados onde Trump perdeu para Biden – Arizona, Nevada e Georgia – para inquirir sobre o processo de votos pelo correio. Graham, no entanto, negou a afirmação do secretário de Estado da Georgia, o republicano Brad Raffensperger, de que teria tentado pressionar os funcionários a descartar votos legais.

Ao mesmo tempo, o deputado republicano Paul Gosar (Arizona) disse que vem encorajando funcionários do estado a bloquear a certificação do resultado da eleição presidencial até que haja uma auditoria. Ele também discutiu a ideia quixotesca de os estados passarem por cima do voto popular e enviarem delegados pró-Trump ao colégio eleitoral, embora Gosar admita que é improvável que o governador do Arizona detone um movimento tão inédito.

Membros linha-dura da conservadora House Freedom Caucus vêm debatendo outra possível cartada final: fazer uma objeção ao processo de contagem de votos no plenário, quando o Congresso certificar os votos do colégio eleitoral em uma sessão conjunta em janeiro. “Todo mundo está falando sobre isso”, disse o deputado republicano Warren Davidson, de Ohio, observando que os membros estão “estudando” a ideia.

Mas objetar à contagem de votos não interromperia o processo: apenas causaria atraso e algum dano na etapa do plenário. Além disso, um parlamentar de cada Casa precisaria concordar com o plano para funcionar. Até o momento, ninguém se comprometeu a levar a ideia adiante.

O deputado Jim Jordan (Republicano-Ohio), chefe do Comitê de Justiça da Câmara, e o deputado James Comer (Republicano-Kentucky), chefe do Comitê de Supervisão, pediram uma investigação das eleições de 2020 e audiências sobre “relatos perturbadores de irregularidades e impropriedades”. No entanto, os pedidos não devem ir adiante em uma Câmara liderada pelos democratas.

Dividir para conquistar

Fora de Washington, Trump está direcionando a contestação a áreas metropolitanas onde Biden venceu por grandes margens, em estados-chave, reeditando uma campanha em que jogou cidades pequenas e áreas rurais do país contra cidades governadas pelos democratas, retratadas como terras sem lei, corrompidas e sem segurança.

Em uma coletiva nesta quinta, o advogado do presidente, Rudy Giuliani, atacou “grandes cidades controladas pelos democratas” que, segundo ele, “têm uma longa história de corrupção”, incluindo Filadélfia e Detroit.

Além dessas cidades, os republicanos em Nevada protocolaram ações esta semana questionando o processamento de votos e as máquinas que escanearam assinaturas no condado de Clark. Nessa fortaleza democrata, que inclui Las Vegas, Biden venceu por mais de 90 mil votos.

Especialistas jurídicos afirmam que as contestações legais que ainda restam à campanha de Trump têm poucas chances de sucesso. E, a despeito das explosões cheias de energia, em algumas ocasiões o presidente dá a impressão de reconhecer a fragilidade de suas esperanças. No início da semana, quando a Moderna, desenvolvedora de uma vacina contra o novo coronavírus, anunciou o segundo imunizante com mais de 90% de eficácia (o primeiro foi o da Pfizer), Trump defendeu seu legado: “Aos grandes ‘historiadores’, por favor, lembrem-se que essas grandes descobertas, que vão acabar com a Peste Chinesa, aconteceram todas sob a minha gestão!”

Bradley Blakeman, estrategista republicano que desempenhou importante papel na recontagem de votos na Flórida em 2000, afirmou que Trump prestou um serviço ao lançar luz sobre irregularidades no processo eleitoral, incluindo a descoberta de milhares de votos na Georgia que não haviam sido incorporados à contagem. “Embora não mudem o resultado, é um escândalo”, afirmou.

Ainda assim, segundo ele, Trump tem a obrigação política de reconhecer a derrota antes que os delegados se reúnam em dezembro. “Não é desejável que a admissão seja forçada pelos delegados em 14 de dezembro. Dá a aparência de fraqueza, faz parecer artificial e desesperado. Se ele sobreviver para lutar novamente [em uma nova eleição], que seja. Mas, no que diz respeito a hoje, a este ciclo, acabou”, disse Blakeman.

Com a colaboração de Nancy Cook.

Fonte: Politico/Tradução e edição: Mariana Branco

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