Saudação à negritude, por Haroldo Lima

“Entre nós, toda essa resistência antirracista e antifascista desembocou nas eleições de 15 de novembro passado, que ainda está por realizar segundo turno em algumas cidades”

Haroldo Lima homenageia Olívia Santana, candidata do PCdoB à prefeitura de Salvador (Foto: Divulgação)

O Dia Nacional da Consciência Negra é de luta pelo resgate de uma história vilipendiada, é de conquista de direitos negados, é de reconhecimento do papel atual dos negros na construção da Nação brasileira e é de denúncia do racismo estruturado que ainda perdura em nossa sociedade. Mas esse 20 de novembro de 2020 tem um caráter a mais a ser acentuado: o de saudação e homenagem à negritude pela inestimável contribuição dada à grande vitória recentemente atingida nos Estados Unidos, com grandes repercussões no Brasil e no mundo.

Boa parte do mundo ainda celebra, com alívio e entusiasmo, a derrocada do cabecilha mais retrógrado do imperialismo americano dos últimos tempos, Donald Trump. E a contribuição da negritude para essa vitória de alcance universal foi extremamente expressiva, se não decisiva.

No final de maio de 2020, multidões de antirracistas, capitaneadas por negros americanos e com a participação de brancos não bárbaros, ganharam as ruas de inúmeras cidades dos Estados Unidos para protestar contra o assassinato bestial do negro Jorge Floyd. Essas manifestações logo assumiram também o caráter antifascista e se espalharam por diversos países do mundo entre os quais o Brasil.

É duvidoso se Trump seria derrotado se o movimento antirracista não estourasse pelos meados deste ano nos Estados Unidos, não confrontasse a repressão do Trump e não assumisse caráter antifascista.

No Brasil, a luta dos negros tomou a característica de luta antibolsonarista, na própria medida em que Bolsonaro não escondia seu racismo intrínseco e afrontava o movimento social do país nomeando para a Fundação Palmares um racista tresloucado que quis atacar Zumbi, as personalidades negras atuais do país e se declara a favor da extinção do Dia Nacional da Consciência Negra.

Entre nós, toda essa resistência antirracista e antifascista desembocou nas eleições de 15 de novembro passado, que ainda está por realizar segundo turno em algumas cidades.

A negritude brasileira passou a lutar por protagonismo parlamentar e por espaços executivos. E de tal sorte esse pleito foi buscado que, segundo dados do TSE, pelos critérios usados pelo Tribunal desde 2014, 49,9 % dos candidatos nas eleições passadas foram negros, pretos ou pardos, pela terminologia do TSE, enquanto 47,8% foram brancos. É a primeira vez na história que os candidatos brancos não representam a maioria dos concorrentes. Dos mais de quatro mil prefeitos eleitos, aproximadamente um mil e setecentos são pretos, o que corresponde a 32% do total, um recorde.

Reverenciando todas essas lutas, conquistas e realizações é que está aí o Dia Nacional da Consciência Negra, apesar de Bolsonaro ter nomeado para a Fundação Palmares um capitão-do-mato que diz que essa data tem que acabar.

Esta data não vai acabar. Em 20 de abril de 1988 foi apresentado na Câmara dos Deputados o primeiro projeto de lei que propôs a instituição do Dia Nacional da Consciência Negra no Brasil, o PL 565/88. Seu autor, o então deputado Haroldo Lima.

No dia 17 de outubro de 1995, o presidente da Câmara da época, Luís Eduardo, assinou despacho onde se lê “prejudicado… tendo em vista conter matéria já declarada injurídica pela douta Comissão de Constituição e Justiça da Casa”.

Em 11 de novembro de 2002, a então governadora do Rio de Janeiro, Benedita da Silva, sancionou a Lei 4007/02 declarando feriado estadual o Dia Nacional da Consciência Negra.

Em 9 de janeiro de 2003, o presidente Lula sancionou a Lei 10.639/03 que inclui no calendário escolar o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra.

Em 3 de dezembro de 2003 a senadora Serys Slhessarenko apresentou o PL 520/03 retomando a ideia da criação do Dia Nacional e em 21 de outubro de 2004, o senador Paulo Paim apresentou projeto no mesmo sentido. Esses dois projetos foram apensados e aprovados.

A Lei 12.519 dia 10 de novembro de 2011 finalmente instituiu o Dia Nacional da Consciência Negra, 23 anos depois do meu primeiro projeto.

É de justiça terminar essa nota sobre dia tão significativo, homenageando uma pessoa que tem dado o melhor de si para projetar esse dia e seu significado. Refiro-me àquela que foi candidata do PCdoB à prefeitura de Salvador, Olívia Santana, que fez uma excelente campanha que entusiasmou a todos. Olívia, negra, se desdobrou, sozinha com seu partido e o povo que lhe  seguia, sustentando peleja desproporcional contra um candidato do presidente da República, outro dos três senadores da Bahia, outra do governador do Estado e outro do prefeito do município. Não teve o maior número de votos. Mas, multiplicou-se.

Vitórias deste tipo são difíceis, demoram, mas virão, inexoravelmente.

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