Bolsonaro e Cacareco – o mal e o bem

Um jornalista comparou recentemente Bolsonaro à Cacareco, a “vereadora” mais votada em São Paulo, em 1959. Que são fenômenos muito diferentes.

O jornalista gaúcho Moisés Mendes comparou, nesta segunda-feira (16), em sua coluna no portal Brasil 247, Bolsonaro à Cacareco – disse que a eleição de domingo provou que o capitão presidente não passa de um grande Cacareco.

Mendes foi injusto com a rinoceronte que, em 1959, foi a vereadora mais votada para a Câmara Municipal de São Paulo, com mais de 100 mil votos – um número enorme ainda hoje, o que se dirá há 60 anos atrás.

Cacareco foi uma fêmea de rinoceronte emprestada pelo Zoólógico do Rio de Janeiro para o congênere de São Paulo; sua candidatura foi lançada por um jornalista paulistano e se tornou num notório caso de protesto político contra o baixo nível dos políticos de então. Foi talvez o mais notável caso de voto de protesto na história eleitoral brasileira – só comparável ao de outra eleição, a de 1970, quando os partidos de esquerda, na clandestinidade (entre eles o PCdoB), pregaram o voto nulo ou em branco, numa atitude contrária à ditadura militar. O percentual desses votos chegou a 30% do total, e beirando a 50% se forem contadas as abstenções.

Na eleição municipal de outubro de 1959, na cidade de São Paulo, Cacareco recebeu cerca de 100 mil votos, algo como 10% do total dos votos válidos naquela eleição.

Disse acima que Moisés Mendes foi injusto com a Cacareco ao compará-la a Bolsonaro. 

Por uma razão compreensível – o voto na Cacareco, em 1959, pode ser entendido como progressista, dado por um eleitorado que já não aceitava as falcatruas e omissões dos políticos dominantes, quase sempre de direita. E a votação na rinoceronte não teve outro efeito senão manifestar esse enfado dos eleitores com a política de sempre, que só leva em conta os interesses dos que dominam.

Bolsonaro, não – o voto nele em 2018 pode ser entendido como um voto de protesto, mas com sentido contrário – protesto dos setores sensíveis aos argumentos da direita, de muitos eleitores de classe média e mesmo populares, que não aceitavam as medidas democratizantes dos governos populares e democráticos de Lula e Dilma. Voto que, confirmando o golpe de estado que afastou Dilma Rousseff do governo, em 2016, se traduziu em medidas contra o povo, como a Emenda Constitucional 95, do teto dos gastos, e a tentativa de sufocar financeiramente os sindicatos, além da subordinação abjeta da diplomacia brasileira aos interesses dos EUA. Isso só para ficar em alguns aspectos conservadores que passaram a dominar desde 2016 e foram reforçados desde 2018 com a eleição de Bolsonaro.

Neste sentido, Cacareco e Bolsonaro são muito diferentes – se a rinoceronte, em 1959, representou um não a um sistema político falido, a escolha de Bolsonaro representou a reafirmação desse mesmo sistema, embora se apresentasse como “novo” e à margem da política. Cujo fôlego, a eleição de domingo revela, já não é aquela coisa toda!

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