Conflito no norte da Etiópia avança com crise humanitária

Prêmio Nobel da Paz, primeiro-ministro declara “guerra inesperada” à oposição que controla estado ao norte

Eleição proibida pela pandemia em Tigray foi realizada e tornou-se um dos fatores de tensão entre o governo federal e o partido que defende a libertação do norte da Etiópia.

O governo federal da Etiópia declarou uma “guerra inesperada” em seu estado norte de Tigray, ameaçando a estabilidade de uma das regiões mais estratégicas do mundo, o Chifre da África. O conflito já dura uma semana e criou uma crise humanitária que atinge 600 mil pessoas, além de deixar em alerta países vizinhos que vêem de longos e devastadores conflitos.

O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, afirmou que a região Ocidental de Tigray foi “libertada” após uma semana de combates, enquanto as agências das Nações Unidas alertam sobre uma terrível situação humanitária que piora a cada dia.

Com as comunicações interrompidas e a mídia bloqueada, a verificação independente da situação do conflito é impossível.

Mas a crise na Etiópia, um dos países mais populosos da África, vem se acumulando há meses.

O primeiro-ministro Ahmed, agraciado com o Prêmio Nobel da Paz no ano passado por amplas reformas políticas, enfrenta as consequências mais agudas das recentes mudanças de poder no país.

Na quarta-feira (4), em que os conflitos armados começaram, as comunicações foram interrompidas na região fortemente armada de Tigray, no norte da Etiópia, e Abiy anunciou resposta a um suposto ataque brutal das forças de Tigray em uma base militar federal da região. Ambos os lados acusaram um ao outro de iniciar a luta.

Foram ouvidos bombardeios na cidade de Aburafi, perto da fronteira Tigray-Amhara, às 3h da manhã local na sexta-feira (6).

O exército da Etiópia disse que está enviando tropas de todo o país para Tigray, e o líder local alegou que jatos de combate bombardearam partes da capital regional. “Estamos prontos para ser mártires”, disse ele. Vítimas foram relatadas em ambos os lados.

A Etiópia é uma das nações mais bem armadas da África, e a Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF) dominou as forças armadas e o governo do país antes de Abiy assumir o cargo em 2018.

Estima-se que a força paramilitar da TPLF e a milícia local têm cerca de 250.000 soldados.

O presidente da Tigray, Debretsion Gebremichael, que é presidente da TPLF, afirma que, baseado no que o governo federal diz, não acha que a paz chegará logo, porque Abiy “acredita que pode nos esmagar”.

O governo federal diz que está avançando sobre Tigray e relata a crueldade do inimigo. Debretsion, por sua vez, fala dos ataques brutais às cidades do norte. Com as comunicações ainda desativadas, é difícil verificar o relato de qualquer um dos lados dos eventos no terreno.

Enquanto isso, as linhas telefônicas para a região ainda estavam desligadas, disse o Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) em seu relatório sobre a crise na quinta-feira, frustrando operações de ajuda que não conseguem repor alimentos, saúde e outros suprimentos de emergência.

“Não é permitido o transporte de ida e volta para o Tigray, e como resultado a escassez de produtos básicos está aparecendo, afetando os mais vulneráveis primeiro”, disse a agência da ONU.

Cerca de 11 mil pessoas cruzaram a fronteira da Etiópia para o Sudão, fugindo do conflito desde o início dos combates, e cerca de 50 por cento delas são crianças, disse um representante da agência de refugiados da ONU na quinta-feira.

Agências humanitárias dizem que a situação em Tigray estava se tornando terrível. Mesmo antes do conflito, 600.000 pessoas dependiam de ajuda alimentar.

Em um esforço mais amplo contra a TPLF, o parlamento da Etiópia na quinta-feira tirou 39 membros, incluindo o presidente de Tigray, Debretsion, da imunidade de acusação.

A recém-formada força-tarefa de Estado de Emergência do governo para Tigray disse que cerca de 150 agentes “criminosos” da TPLF foram presos na capital Addis Abeba e em outros lugares sob suspeita de planejar “ataques terroristas”.

Há temores de represálias contra os Tigrayans que vivem na Etiópia.

Como chegamos aqui?

A coalizão governante da Etiópia nomeou Abiy como primeiro-ministro em 2018 para ajudar a acalmar meses de protestos antigovernamentais. Ele rapidamente ganhou elogios – e o Nobel – por abrir espaço político e conter medidas repressivas no país de cerca de 110 milhões de pessoas e muitos grupos étnicos.

Mas a TPLF se sentiu cada vez mais marginalizada e retirou-se no ano passado da coalizão governista.

A TPLF se opõe ao adiamento da eleição da Etiópia, atribuída à pandemia de Covid-19, e ao tempo prolongado de Abiy no cargo.

Em setembro, a região de Tigray votou em uma eleição local que o governo federal da Etiópia chamou de ilegal. Mais tarde, o governo federal decidiu desviar o financiamento do executivo da TPLF para os governos locais, irritando a liderança regional.

Na segunda-feira, o líder do Tigray, Debretsion Gebremichael, alertou que um conflito sangrento podia explodir.

O conflito pode se espalhar para outras partes da Etiópia, onde algumas regiões vêm pedindo mais autonomia, e a violência étnica mortal levou o governo federal a restaurar medidas, incluindo a prisão de críticos.

Enfrentando esses temores, o vice-chefe do exército da Etiópia, Birhanu Jula, disse na quinta-feira sobre Tigray: “A guerra vai acabar aí.”

Alguns governos e especialistas estão pedindo urgentemente um diálogo sobre Tigray. Um diplomata ocidental na capital, Adis Abeba, disse: “A mensagem dos etíopes é que se você fala sobre um diálogo, você iguala as duas partes, mas ‘este é um governo legítimo, aquele é um grupo renegado’.”

O objetivo apresentado pela Etiópia é esmagar a TPLF, disse o diplomata sob condição de anonimato, e “se eu disser que vou esmagá-lo, então há realmente espaço para qualquer negociação?”

Antes dos combates, a TPLF disse que não tinha interesse em negociar com o governo federal e buscou a libertação dos líderes detidos como pré-condição para as negociações. Especialistas dizem que o diálogo é inviável com tantos líderes políticos proeminentes do país na prisão.

O que isso significa além da Etiópia?

Poucas regiões são mais vulneráveis do que o Chifre da África. Os vizinhos da Etiópia incluem a Somália – as forças etíopes começaram a se retirar daquele país para voltar para casa – e o Sudão, que enfrenta sua própria enorme transição política.

A vizinha Eritreia deu poucos sinais de se abrir depois de fazer a paz com a Etiópia em 2018, e o seu governo e o de Tigray não se dão bem.

Uma região na qual Abiy atuou como um pacificador de alto nível agora está em risco.

Observadores alertam que um conflito pode sugar esses países e outros não muito longe do posto militar avançado mais estratégico da África, o minúsculo Djibuti, onde várias potências globais, incluindo os EUA e a China, têm suas únicas bases.

O Chifre da África também fica a uma curta travessia de água do Iêmen e do resto da Península Arábica.

“A estabilidade da Etiópia é importante para toda a região do Chifre da África. Peço uma redução imediata das tensões e uma resolução pacífica para a disputa ”, disse o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, em uma mensagem no Twitter na sexta-feira.

A Etiópia já estava preocupada com uma disputa com o Egito rio abaixo sobre uma enorme barragem que a Etiópia está quase concluindo no Nilo Azul.

Com informações da Al Jazira

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