De Olho no Mundo, por Ana Prestes

O impeachment do presidente peruano Martin Vizcarra e sua substituição por Manuel Merino de Lama é um dos destaques da análise internacional de Ana Prestes nesta quarta-feira (11). As disputa presidencial nos EUA continuam em destaque, em especial a recusa dos republicanos em reconhecer a vitória de Joe Biden, a “bravata da pólvora” de Bolsonaro, a conclusão do projeto Três Gargantas, na China; o acordo de paz entre Armênia e Azerbaijão e a adesão do Brasil ao plano dos EUA de restrição à tecnologia 5G da China são outros destaques do De Olho no Mundo.

Foto: Reprodução

O Peru tem um novo presidente, Manuel Merino de Lama, presidente do Congresso e membro do partido Acción Popular (de maioria no parlamento). O parlamento peruano aprovou o impeachment do presidente do país, Martín Vizcarra. Foi votada na terça (9) uma “moção de vacância” e 105 legisladores foram favoráveis, 19 contrários e houve 4 abstenções. Votaram pelo impeachment os parlamentares dos partidos Acción Popular (AP), Unión Por el Perú (UPP), Podemos Perú (PP), Alianza Para el Progreso (APP), Fuerza Popular (FP) e alguns da Frente Amplio e do Somos Peru. Deste modo, foi declarada a “incapacidade moral permanente” do presidente para seguir ocupando o cargo. Vizcarra ainda tinha cinco meses de mandato antes das eleições gerais de abril de 2021. Ele foi denunciado por prática de corrupção quando era governador da província de Moquegua (2011-2014), mas há muita controvérsia sobre como o processo foi conduzido, da denúncia ao ato final de impeachment. Vizcarra já havia sofrido outra tentativa de impeachment há dois meses. O curioso dessa história é que o presidente afastado, que havia assumido o poder em 2018 com a queda de Pedro Pablo Kuczynski, de quem era vice, usou justamente a bandeira do trabalho anticorrupção para se manter no poder, ousando inclusive dissolver o congresso (setembro, 2019) de maioria fujimorista e chamar eleições legislativas. O parlamento que saiu dessas eleições é o mesmo que agora o destitui por acusações (ainda em processo de julgamento) de corrupção. Segundo pesquisas da Ipsos, publicadas poucos dias antes da votação do impeachment, Vizcarra contava com uma aprovação popular entre 54% – 57% e 79% dos entrevistados se disseram contra sua destituição. O partido Patria Roja, comunista, e herdeiro da liderança e Mariátegui chamou o processo de golpe parlamentar para prejudicar a transparência do processo eleitoral em vias de ocorrer. Uma carta de associações indígenas também circula com a mesma opinião. Houve muitos protestos nas ruas de Lima, Cuzco, Arequipa nos últimos dias e os manifestantes pedem nova constituição para o país, assim como rechaçam o novo presidente Merino.

Para quem quer saber melhor quem é Martín Vizcarra. Seu pai foi do partido aprista (APRA) e ele chegou a fazer parte desse partido por influência do pai e para se candidatar pela primeira vez em Moquegua em meados dos anos 2000. Mas logo saiu do partido, assim que perdeu as eleições. Quando vence de novo (2010) é por um movimento (Governo Regional por Ti). Seu perfil é mais de um burocrata de Estado, foi governador, ministro, embaixador, vice-presidente. Chegou a participar do partido PPK (Peruanos Por el Kambio) como convidado quando foi vice de Pedro Pablo Kucynski. Esse partido foi criado a partir de uma junção de pequenos partidos de direita, com denominações cristãs, humanistas… Ele faz parte de um círculo de políticos de centro direita que governa o país há um tempo, mas foi o único no período recente que enfrentou o fujimorismo e também por isso agora caiu. Embora tenha sido incapaz de tirar o país do caos econômico e de saúde pública do ano pandêmico não foi por isso que caiu, mas porque estava atrapalhando os planos da elite política de direita de se reposicionar melhor com as próximas eleições.

Sobre as eleições nos EUA, esta semana o procurador-geral do país (que também é o ministro da Justiça), William Barr, autorizou uma investigação sobre supostas “irregularidades na apuração dos votos” denunciadas pela campanha dos republicanos. Deu orientação para que os procuradores federais dos estados levantem relatórios consistentes sobre a existência ou não de fraudes no processo eleitoral. Como reação, o diretor do Departamento de Crimes Eleitorais do Departamento de Justiça do país, Richard Pilger, renunciou por discordar da nova diretriz que, segundo ele, revoga a “política de não interferência existente há 40 anos para investigações de fraudes eleitorais no período das eleições”. Alguns casos curiosos sobre o tema começam a aparecer, como o vice-governador do Texas, Dan Patrick (Republicano) que fez uma oferta de 1 milhão de dólares para quem provar ter havido fraude eleitoral.

E por falar em Texas, uma de suas maiores cidades, El Paso, está nos noticiários desta quarta-feira (11) pela superlotação de hospitais e leitos de UTI por conta do coronavírus. O estado possui 10% das infecções de todo o país e está contratando caminhões frigoríficos para suporte do sistema funerário sobrecarregado. Em todo o país estão ocorrendo recordes. Ontem (10) houve recorde de registro de infecções em apenas um dia, 200 mil e há mais de 60 mil pessoas hospitalizadas em todo o país.

Enquanto isso, o Secretário de Estado, Mike Pompeo, disse ontem (10) que o país terá uma transição tranquila para o segundo mandato de Trump. Segundo ele, em entrevista coletiva, nos próximos dias fará viagens para França, Israel e Turquia – países que já reconheceram a vitória de J. Biden. Funcionários da Casa Branca estão proibidos de colaborar com a equipe de transição dos Democratas.

No Brasil, ontem o presidente Bolsonaro atacou o presidente eleito Joe Biden sem citá-lo nominalmente. Disse que certo candidato a chefe de Estado ameaça o Brasil de barreiras comerciais caso não sejam apagados os incêndios na Amazônia. Complementou que frente a essas ameaças, só a diplomacia não basta, é preciso “pólvora”. O embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman coincidentemente publicou em seu Twitter um vídeo sobre o aniversário do Destacamento de Fuzileiros Navais dos EUA que serve à Embaixada e aos Consulados e escreveu que o destacamento “compartilha uma longa história e uma relação importante e duradoura com a diplomacia que permite construir com segurança uma relação bilateral mais forte com o Brasil”. Nas redes, Bolsonaro virou piada.

Mas nem só de piada vive o Brasil no cenário internacional. Um levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV) anunciou um levantamento de seus pesquisadores Marcel Balassiano e Cláudio Considera, feito a partir de projeções do FMI de outubro. De acordo com essas projeções, após o ano pandêmico de 2020, o Brasil passaria de um PIB de 1,8 trilhão de dólares para 1,4 trilhão e deixaria o ranking das 10 maiores economias do mundo, sendo ultrapassado por Canadá, Coreia do Sul e Rússia. O Brasil ficaria na 12ª posição ao final de 2020. Em 2011, o Brasil era a 7ª maior economia do mundo e assim foi até 2014. De 2015 para cá vem perdendo posições.

Após mais de 20 anos (os primeiros passos começaram em 1994 e a primeira abertura para navegação em 2003) de construção e testes, a China anunciou a conclusão total de seu mega projeto das Três Gargantas. Já estão em pleno funcionamento a barragem e o reservatório que servirão para controle de enchentes, geração de energia e navegação. Trata-se do maior projeto de controle de água do mundo, assim como o mais abrangente projeto hidrelétrico. Somente nas últimas enchentes de agosto deste ano, o reservatório das Três Gargantas chegou a reter 180 bilhões de metros cúbicos de água, tirando a pressão das águas da chuva sobre o rio Yangtze. (Infos: Xinhua)

Entrou em vigor na última segunda (9) o acordo de paz firmado entre a Armênia e o Azerbaijão com a mediação da Rússia. O acordo suscitou mais comemorações no Azerbaijão do que na Armênia, onde houve inclusive protestos e tentativa de invasão do parlamento. O Azerbaijão retomou o controle de regiões ao redor de Nagorno Karabakh. Os russos vão colocar 2000 soldados na região para garantir o cumprimento do acordo de cessar-fogo.

O Itamaraty informou ontem (10) que o Brasil apoia um plano dos EUA chamado “Clean Network” e que pretende restringir o acesso de empresas chinesas ao mercado mundial da internet móvel 5G. A informação foi dada em evento diplomático com a participação de Keith Krach, do Departamento de Estado dos EUA. O foco do programa, segundo os americanos, é a proteção da privacidade de dados ameaçada por “atores malignos e autoritários” (leia-se China).

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