Candidatura coletiva é invenção para renovar representação política

Maria Paula Dallari Bucci comenta que a candidatura coletiva esbarra na legislação vigente, apesar de, desde 2017, existir uma PEC em andamento, ainda não votada em razão da baixa adesão

Militantes feministas formaram uma chapa para disputar a vereança na cidade de São Paulo, com liderança de Carina Vitral.

Maria Paula Dallari Bucci, professora do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito (FD) da USP, comentou sobre candidaturas coletivas sem regulamentação, as quais causam dúvidas nos eleitores. Apesar de virem crescendo – em 1994, segundo dados da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, foram registradas as duas primeiras candidaturas coletivas; em 2016, apresentaram-se 98 registros –, de acordo com a professora, as candidaturas coletivas não são previstas no nosso ordenamento político. 

O tema da representação política é muito caro às pessoas na medida em que, no Brasil, essa representação é enviesada, diminuída em desfavor das mulheres e dos negros, por exemplo. “Por isso”, explica ela, “a candidatura coletiva tem um duplo caráter: uma espécie de invenção, a fim de renovar o potencial democrático da representação política, mas, por outro, é uma forma de representação limitada pelo ordenamento jurídico”.

Um exemplo de mandato coletivo é a chamada Bancada Ativista, eleita em 2018 para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), estudada na USP. Formada por nove ativistas, é liderada por Mônica Seixas, que assumiu nas urnas o nome Mônica da Bancada Ativista. Há uma pauta e uma agenda organizada entre os co-deputados que discutem temas de interesse LGBT, indígena, populações periféricas, maternidade, entre outros.

A professora Maria Paula explica que dificuldades internas podem surgir desse quadro, por isso, a necessidade de um bom acordo entre os integrantes. “Apenas uma pessoa assina projetos, tem lugar e vai aos plenários, mas os outros integrantes da chapa são formalizados como assessores parlamentares”, aponta. 

Em relação a alterações na legislação para que esse tipo de mandato seja regulamentado, existe uma Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 379/2017, porém, segundo Maria Paula, por se tratar de um fenômeno ainda residual, talvez não exista, no momento, forças para que seja julgada. Depois das maiorias necessárias para aprovar em dois turnos na Câmara e no Senado, seria preciso uma lei para regulamentar a emenda constitucional.

“Além disso, a aprovação traria à baila outras questões, como candidaturas independentes. Por isso, acho pouco provável que a PEC seja pauta no momento”, diz ela sobre a possibilidade aberta de candidaturas sem partido. Ela também observa as mudanças constantes da legislação a cada pleito, sem regulamentação adequada. Ela menciona a questão do financiamento eleitoral alterado nos últimos anos, com decisões novas como a paridade de gênero, e depois de raça, sem que a regulamentação seja clara, deixando uma enorme insegurança jurídica.

A professora acredita que o atual arranjo de candidaturas coletivas serviria como bandeira de transição para agitação política, na medida em que o ordenamento jurídico-eleitoral limita muito a atuação desse tipo de mandato. Ela diz que não dá pra se iludir que haverá muita frustração entre os membros do mandato, na medida que percebam sua atuação limitada à representatividade do nome eleito nas urnas.

Apesar disso, ela considera o surgimento dessas candidaturas como um clamor da sociedade, que pede por inovação e melhoria na representatividade política. Para ela, essa experiência deve ser observada e compreendida, especialmente pelos políticos, mas traz ressalvas. “Há uma margem de insegurança muito grande. Se, por um lado é bom ter inovações, por outro lado, a falta de pactos e entendimentos cria uma margem de favorecimento com risco de deformar ainda mais a representatividade política”, completa.   

Transcrição de entrevista à Rádio USP

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