O “amor” de Bolsonaro por Trump e uma eventual vitória de Biden

É literal, o brasileiro disse “eu te amo” quando se conheceram em Washington. Mas as eleições podem mudar tudo.

Donald Trump e Jair Bolsonaro na Casa Branca - Foto: AFP

Mais do que amor, é um frenesi. Jair Bolsonaro sussurrou “Eu te amo” ao ouvido de Donald Trump em Nova York diante do olhar de diplomatas e conselheiros de ambos os governos durante um intervalo da Assembleia das Nações Unidas de 2019, em Nova York.

O gesto resume a nova política externa brasileira e o tipo de aliança que Bolsonaro estabeleceu com o colega, de quem se declarou “fã” na quinta-feira (28), quando reiterou que o apoia nas eleições desta terça-feira (3) contra Joe Biden. “O que Bolsonaro Trump sente é uma paixão”, afirmou à Pagina12 geógrafo e cientista social americano Brian Mier

Nesta segunda-feira(2), os jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo revelaram preocupações de setores diplomáticos e militares com o cenário que aguarda Brasília caso o democrata Joe Biden vença. O presidente pode estar “mais isolado do que já está”, escreveu o Estado. Ao exagerar no proselitismo pelo candidato do Partido Republicano, Bolsonaro se envolveu totalmente com o trumpismo e, aparentemente, não tem um plano B, diz a imprensa conservadora.

“Se Trump perder, Bolsonaro também sofrerá uma derrota que o cansará muito”, analisa Brian Mier, que tem uma coluna na TV247.

O hipotético revés nas eleições americanas também pode ter repercussões no plano interno, uma vez que o ocupante do Palácio do Planalto se apresenta à sua claque mais extrema como uma versão nativa de seu sócio sênior. O Bolsonaro é um imitador de Trump (…), Trump o convenceu a usar a cloroquina contra o coronavírus e o Bolsonaro a propagou no Brasil”, diz Mier.

“Se olharmos para o plano ideológico, Trump adota posições de extrema direita por oportunismo, para agradar seus eleitores, ao contrário de Bolsonaro, que é um neofascista que sempre defendeu a ditadura. Bolsonaro é ainda pior que Trump.”

Com a piscadela do governo brasileiro, grupos de extrema direita carregaram bandeiras americanas e exaltaram Trump em vários atos a favor do golpe convocado meses atrás em Brasília e o fizeram novamente neste domingo (1º) em São Paulo durante um protesto contra a vacina chinesa, ou “Vachina “

Os ataques à Coronavac, do laboratório chinês Sinovac, e a resistência em aceitar a tecnologia 5G da empresa Huawei, fazem parte do arsenal lançado por Brasília contra Pequim, em acordo com o governo dos Estados Unidos que enviou em menos de um mês o Secretário de Estado Mike Pompeo e o Conselheiro de Segurança Nacional, Robert O’Brien. As conversas das autoridades brasileiras com Pompeo foram classificadas como secretas e só serão publicadas em 2035.

No campo da oposição a Bolsonaro, personalistas progressistas posicionaram-se, em parte, ao lado de Joe Biden. Não porque lhe sejam atribuídas posições avançadas na política externa, mas porque um governo do Partido Democrata dificilmente manterá um vínculo com Bolsonaro tão fluido quanto o cultivado por Trump.

Brian Mier explica que não existe simpatia da esquerda do Partido Democrata para com o capitão reformado do Exército, especialmente por sua política ambiental, para com a comunidade LGBT e em matéria de direitos humanos. Do establishment democrata, incluindo Biden, o afilhado de Trump também não é aprovado, mas é improvável que, caso o partido volte à Casa Branca, posições francamente disruptivas sejam adotadas com Brasília.

Durante um dos debates televisionados com Trump, Biden alertou que pode aplicar sanções econômicas ao Brasil se isso não impedir a devastação da Amazônia. Uma indígena nativa da floresta, Alessandra Korap, da etnia Munduruku, recebeu o prêmio Robert F. Kennedy de direitos humanos entregue em uma cerimônia virtual na qual foi anunciada a presença do ex-secretário de Estado John Kerry, um homem de peso. na equipe de campanha de Biden. Sinais que não devem ser subestimados,

Celso Amorim, chanceler nos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, afirma que uma vitória de Biden será “muito importante para o Brasil”. Amorim compara com a eleição de Jimmy Carter em 1976, durante a ditadura do general Ernesto Geisel. Em 1977, durante o primeiro ano de governo do marido, a primeira-dama Rosalynn Carter viajou a Brasília onde solicitou informações sobre mortes e presos políticos, causando a lembrada indignação de Geisel.

Em 1978, o próprio Carter desembarcou no Brasil onde, além de se reunir com as autoridades, teve um encontro reservado com o então Arcebispo de São Paulo, Cardeal Paulo Evaristo Arns, que o informou das violações dos direitos humanos.

Mier, que mora em São Paulo, concorda com Amorim quanto ao apoio a Biden, “para o Brasil uma vitória democrata não é a mesma coisa que uma vitória republicana”. “Não se pode ser niilista, não se pode votar em branco nesta terça-feira, apesar das pequenas diferenças que existem entre Biden e Trump, Biden é melhor para o povo brasileiro”.

Mier menciona que com Biden na Casa Branca Bolsonaro perderá um importante aliado em sua campanha pela reeleição em 2022, e prevê que os democratas apoiarão um candidato da direita clássica não fascista, “certamente o Partido Social-Democrata Brasileiro com aqueles que o têm relacionamentos muito bons há anos. “

Ele argumenta que Biden é sensível aos direitos humanos e que em 2014 o então vice-presidente norte-americano entregou à presidente Dilma Rousseff um dossiê com documentos desclassificados destinado à Comissão da Verdade sobre a ditadura. Porém, dois anos depois, o próprio Biden voltou a Brasília para reconhecer Michel Temer ungido presidente após o golpe que derrubou Dilma.

“Biden não é mais amigo da esquerda brasileira e latino-americana do que Trump. A diferença é que dentro do Partido Democrata há uma esquerda e um grupo de parlamentares que respondem a ela, são forças que geram pressão. Por outro lado, no Partido. Republicano não existe grupo progressista”, compara.

Fonte: Pagina12

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