Colômbia: por que a mobilização massiva saiu da quarentena?

O levantamento dos bogotanos foi totalmente espontâneo e articulado a profundos processos locais, nacionais e internacionais.

Quando no dia 9 de setembro deste ano, o cidadão Javier Ordóñez foi assassinado mediante torturas numa instalação policial denominada Comandos de Atenção Imediata (CAI), a ira popular explodiu nos bairros populares em todo o distrito capital de Bogotá. Durante os protestos, 73 destes CAI foram destruídos nos quatro pontos cardeais da cidade. A polícia atirou e matou 13 pessoas e feriu a bala outras 73.

O levante dos bogotanos foi totalmente espontâneo e articulado a profundos processos locais, nacionais e internacionais. Javier era uma pessoa comum, de um bairro de “classe média baixa”. Graduado em engenharia aeronáutica, desempregado, taxista, detido por uma suposta infração sem importância. A ira contra seu assassinato resumia o ódio acumulado por anos por milhares de abusos cometidos de dentro dos CAI.

Mas, no dia 25 de maio de 2020, aconteceu em Mineápolis nos Estados Unidos, o assassinato de George Floyd e a manifestação explosiva estadunidense estava na mente de cada um dos jovens que saíram nas ruas de Bogotá. E também estava presente na mente, o bloqueio total da Bolívia pelo povo na primeira quinzena de agosto, que conseguiu a realização das eleições gerais para o 18 de outubro.

Interrompida primeiro pelas festas de fim de ano e depois pela quarentena, a onda de mobilizações na Colômbia começou nas greves gerais do 21 e 27 de novembro, e 4 de dezembro de 2019 e foram diárias por um mês. Era parte de um período de grandes mobilizações e greves de massas acontecidas em Porto Rico, Haiti, Honduras e especialmente, já em outubro, no Equador e no Chile.

Na Colômbia, a greve de massas uniu o protesto pelos frequentes assassinatos de líderes sociais, a exigência de cumprir os acordos de paz e as reivindicações próprias dos diferentes setores sociais expressadas em pontos resumidos nas exigências do comitê nacional de greve, integrado pelos sindicatos de trabalhadores e organizações indígenas, camponesas, afros, estudantis e feministas.

Em 2020, os assassinatos de líderes aumentaram e são quase diários. Além disso, os espantosos massacres reapareceram em diversos lugares do país. Mas, a depressão social e econômica, resultado da pandemia, trancou as pessoas em casa. Uma expressão da situação social aconteceu quando a prefeitura de Bogotá pediu para içar bandeiras vermelhas nas janelas das casas das famílias que passassem fome. Os bairros populares se cobriram de vermelho.

Em 2019, sem pandemia, segundo os dados oficiais, a pobreza segundo a renda familiar atingia pelo menos 29% dos lares e 32% das pessoas. Mas, as mulheres em estados pobreza eram 34%, e mais grave entre os jovens, 43%. Agora, pela pandemia, se calcula que a pobreza atinge mais de 54% da população. Todos os assassinados pelas balas da polícia nas manifestações do 9 e 10 de setembro eram menores de 35 anos, e só uma tinha mais de 30. Dilan Cruz, morto por uma arma da polícia antimotins na marcha pacífica em 22 de novembro de 2019 tinha 18 anos.

Desde o 9 de setembro os protestos contra a violência policial aconteceram em várias cidades. Mas também as mobilizações emergiam por outros motivos. Por exemplo, em Porto Gaitán, o sindicato dos petroleiros e os indígenas sikuani marcharam pelas rodovias rurais nos dias 15 e 16 de setembro por suas reivindicações locais. Nesta data, os indígenas misak marcharam pela cidade de Popayán e derrubaram a estátua do conquistador espanhol da região colocada sobre uma pirâmide cerimonial de seus antepassados, oculta pela vegetação. As protestas misak continuaram na rodovia Panamericana até que o governo aceitou um acordo sobre suas demandas de terra e fez um compromisso de não levantar a estatua e restaurar a pirâmide.

Para o dia 21 de setembro, o comitê nacional de greve convocou uma caravana para protestar pelos assassinatos em Bogotá, mas milhares de pessoas participaram em grandes marchas nas principais cidades com as máscaras e distanciamento para se proteger do vírus. Quando a marcha de Bogotá estava terminando, ela foi reprimida com gases e detenções.

Os povos indígenas, camponeses e quilombolas do Cauca, Caldas e Huila decidiram uma “Minga” (mutirão) política contra os assassinatos de líderes sociais e os massacres, pela paz e a vida. Esta mobilização, percorreu nos típicos ônibus rurais, chamados “chivas”, as rodovias dos Andes desde o 12 de outubro. Foi recebida por manifestações populares em Cali, Armenia, Ibagué e Fusagasugá, e chegou a Bogotá no dia 18. Os bogotanos receberam massivamente a Minga, que marchou o dia seguinte pelas ruas até a praça de Bolívar, a principal da cidade, e exigiu diálogo direito com o presidente Duque, que se negou teimosamente a falar com os indígenas.

As centrais sindicais convocaram a greve nacional por 6 reivindicações para enfrentar a pandemia, o desemprego e a fome, em solidariedade com a greve desenvolvida desde o dia 31 de agosto pelos mineiros de carvão de Cerejón, e para apoiar a Minga para o dia 21 de outubro. “Absurdo, em que pais declaram greve e fazem machas em plena pandemia?” gritavam os jornais da grande mídia. “Na Indonésia e na Tailândia está a população por centenas de milhares nas ruas”, contestaram os sindicatos (e na Nigéria e na Guiné).

Esse dia, em Bogotá, a Minga marchou com os trabalhadores, organizações de bairros e jovens de Bogotá. Os misak que chegaram no dia anterior também marcharam. Essa noite, os que chegaram no dia 18 retornaram. Mas, os misak ficaram e, para surpresa do governo e da polícia, no dia 22 à tarde tomaram o aeroporto internacional Eldorado por 7 horas: “somos a força das pessoas, somos a Minga, somos a greve nacional”.

Esta história continuará…

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