“Quero ver Bolsonaro não comprar uma vacina comprovadamente eficiente”, diz Marcos Boulos

O infectologista Marcos Boulos criticou a politização da vacina para Covid-19 pelo presidente Bolsonaro, quando ainda nem há garantia de vacina aprovada.

Foto: Reprodução

O infectologista Marcos Boulos, consultor do Governo de São Paulo para contingenciamento da pandemia de Covid-19, criticou a politização em torno da Coronacav, a vacina do laboratório chinês Sinovac que está sendo testada pelo Instituto Butantan. Após anúncio pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, de que o governo deveria oferecer a Coronavac com outras três opções de vacinas em estudo, o presidente Jair Bolsonaro desautorizou o ministro afirmando que o governo não compraria vacina da China, gerando reações indignadas de autoridades médicas e governamentais.

“Quero ver qual governo vai deixar de comprar uma vacina testada e aprovada na situação em que estamos!”, duvidou o médico. Para ele, a questão da vacina está sendo politizada por este governo, assim como por outros pelo mundo, o que ele considera lamentável.

“O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem”, escreveu Bolsonaro em publicação nas redes sociais.

Na quarta-feira (21), após reunião virtual com governadores, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, assinou um protocolo de intenções para adquirir 46 milhões de doses da CoronaVac, com o objetivo de ampliar a oferta de vacinação para os brasileiros. Contradizendo o presidente, o Ministério já tinha acordo com a AstraZeneca/Oxford, que previa 100 milhões de doses da vacina, e outro acordo com a iniciativa Covax, da Organização Mundial da Saúde, com mais 40 milhões de doses.

Na opinião de Boulos, sequer há motivo para criar este tipo de celeuma, já que não existe nenhuma vacina aprovada. “É uma bobagem essa confusão toda, quando não há vacina nenhuma disponível”, ponderou ele. Na opinião do infectologista, a população mundial só terá acesso pleno a uma vacina em meados do próximo ano, se tudo der certo. Por outro lado, independente do governo federal, os governos estaduais vão garantir a vacina para a população e que, portanto, a opinião de Bolsonaro não faz diferença, neste caso.

Ele ressaltou o fato da Coronavac ser uma das vacinas mais avançadas na testagem, embora as demais mencionadas pelo ministro também estejam no mesmo nível em testagens pelo mundo. A vantagem da vacina chinesa é estar compartilhando tecnologia avançada com o Instituto Butantan do Estado de São Paulo. Boulos levantou a questão da instituição estar na expectativa de receber recursos federais para a fabricação da vacina, conforme ela se mostre eficaz na testagem, o que implicará numa contribuição brasileira de enorme proporções contra a pandemia.

Ele ainda ressaltou a mediocridade do presidente em reagir a críticas de apoiadores nas redes sociais criticando a compra da vacina chinesa, baseados em ideologização da relação comercial com a China. “Li que ele havia autorizado o anúncio do ministro, depois se baseou em militância anticomunista de redes sociais para criar essa confusão desnecessária”, observou, considerando que o presidente precisa pautar seu governo numa postura de estadista, não de militância ingênua e ideologizada.

“Bolsonaro faz com esse ministro o mesmo que fez com os demais e enfraquece o Ministério”, afirmou o médico, referindo-se ao modo como o presidente desautorizou as medidas tomadas pelos ministros Luiz Eduardo Mandetta e Nelson Teich, ao defenderem o isolamento social e criticarem o uso da cloroquina como medidas protocolares no combate à pandemia. Ambos acabaram demissionários em meio à uma profunda crise sanitária.

Para a população, de acordo com o médico, fica a sensação de que a saúde pública não é a prioridade do governo, mas uma briga que nem é do Brasil. Segundo especialistas, o presidente se alia automaticamente à política externa norte-americana de Donald Trump, sem obter, com isso, nenhuma vantagem para o Brasil. O presidente americano promove uma “guerra fria” comercial com a China, que concentra grande parte da produção fabril do mundo.

Boulos ainda concluiu criticando os acordos firmados entre governos e laboratórios, como aquele feito por Bolsonaro com a AstraZeneca/Oxford, revelado pelo Financial Times como extremamente desvantajoso para o Brasil, por não compartilhar tecnologia, ser um contrato caro e obrigar o pagamento mesmo em caso da vacina não se eficaz. “É temerário comprar vacinas que não existem. Não há porque fazer isso, principalmente se as vantagens não forem claras”, disse. 

Sobre os problemas ocorridos na testagem da vacina de Oxford (Reino Unido) e da Johnson&Johnson (EUA), apresentando efeitos colaterais perigosos para voluntários, Boulos foi enfático em dizer que não há nada de errado. “Isso é normal em qualquer vacina sob pesquisa e tudo está sendo feito conforme o protocolo”, concluiu.

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