Direita une antissemitismo e anticomunismo

A tática de usar preconceitos preexistentes para construir apoio para ideias reacionárias tem sido muito bem-sucedida para a direita.

O "marxismo cultural"é o novo código entre os anti-semitas - Foto: Trent Nelson / The Salt Lake Tribune/AP

É difícil para quem lê qualquer publicação reacionária evitar o nome George Soros. Muitos direitistas afirmam que Soros, um empresário judeu bilionário, está financiando esquerdistas radicais. Eles afirmam que Soros paga os manifestantes do Black Lives Matter, e alguns dizem que ele ajuda a coordenar as atividades de esquerda em todo o mundo. Claro, qualquer pessoa que faça a menor pesquisa pode facilmente descobrir é mentira.

No entanto, milhões de estadunidenses acreditam nisso e repetem regularmente. Por que isso acontece e por que é tão fácil convencer tantas pessoas de algo que obviamente não é verdade? A resposta é que essa mentira joga com a longa história da fusão de anticomunismo e antissemitismo, que está enraizada em grande parte do pensamento de direita dos EUA.

A partir do momento em que Karl Marx e Friedrich Engels publicaram “O Manifesto Comunista” em 1848, o anticomunismo caminhou de mãos dadas com o antissemitismo. Muitos inimigos de Marx (à direita e à esquerda) usaram sua herança judaica para depreciar suas ideias e seguidores. A união de antissemitismo e anticomunismo atingiu seu apogeu após a Revolução Russa de 1917 e a ascensão dos bolcheviques.

No início do século 20, o Império Russo era o terceiro maior da história. Sua expansão não apenas aumentou a massa de terra do país, mas também diversificou a população do império. Um dos maiores grupos minoritários agora sob o domínio do czar eram os judeus, que eram vistos como de segunda classe na melhor das hipóteses, ou, na pior, como estrangeiros e indesejados .

Os judeus russos foram sujeitos a todos os tipos de abuso, oficiais e não oficiais. Havia leis que restringiam onde os judeus podiam viver e, o que é mais infame, estavam sujeitos a pogroms, violentos e repetidos em larga escala contra comunidades judaicas. Esses ataques eram frequentemente estimulados pela retórica antissemita das autoridades e das igrejas. Nos anos que antecederam 1917, milhares de judeus foram assassinados, um número ainda maior feridos e agredidos, e muitos ainda tiveram suas casas e bens destruídos.

Após a Revolução de Outubro, a Rússia entrou em Guerra Civil. De um lado, estavam as forças lideradas pelos bolcheviques, o Exército Vermelho. Do outro lado, havia vários grupos anti-bolcheviques, sendo o maior conhecido como Exército Branco, composto de monarquistas, conservadores e outras forças reacionárias e antirrevolucionárias. Parte da elite do Exército Branco sabia que poderia usar a seu favor o alto nível de antissemitismo existentes. Para isso, procuraram fundir o antissemitismo com o anti-bolchevismo para aumentar sua base.

Em 1917, publicaram um panfleto intitulado “Judeu Bolchevique”, que usava a propaganda racista tradicional para difamar judeus e, em consequência, os comunistas. Isso foi seguido pela publicação em massa dos “Protocolos dos Sábios de Sião” (1903), uma das publicações mais infames do século XX. Os “Protocolos” foram produzidos pela polícia secreta czarista, e alegava provar uma conspiração massiva do povo judeu para dominar o mundo. O documento foi indiscutivelmente a publicação antissemita mais influente da história moderna e jogou combustível no fogo já violento que era o ódio aos judeus do início do século 20.

Com o sucesso da revolução da classe trabalhadora liderada pelos bolcheviques, potências reacionárias e capitalistas ao redor do mundo começaram a temer levantes comunistas em seus próprios países. Em nenhum país isso era mais verdadeiro do que nos EUA, cujo governo iniciou uma campanha de perseguição e calúnia contra os comunistas, dando início a um período agora conhecido como “O primeiro susto vermelho”.

Como parte desse esforço, um oficial do Exército Branco trouxe uma cópia dos “Protocolos” da Rússia para os EUA, para impressão e distribuição. Havia muitas versões, com algumas alternando livremente, na tradução, as palavras “judeu” e “bolchevique”.

O raivoso e reacionário Henry Ford, da Ford Motors, que odiava os judeus, tomou como uma missão pessoal espalhar o complô anticomunista / antissemita.

O magnata do automóvel publicou trechos dos “Protocolos”, junto com outras peças anticomunistas e antijudaicas, em seu jornal, “The Dearborn Independent”, como parte de uma série chamada The International Jew: The World’s Foremost Problem(O judeu internacional: O principal problema do mundo”, em uma tradução livre). Ele também pagou pela tradução do livro em vários idiomas e sua impressão para distribuição em todo o mundo. Ford sabia que poderia apelar ao antissemitismo existente nas pessoas para ajudar a alimentar o medo do comunismo e, assim, proteger sua riqueza e a riqueza do resto da classe capitalista.

Sem dúvida, o fornecedor mais infame da ideia do “bolchevismo judeu” foi o Partido Nacional-Socialista da Alemanha, o Partido Nazista. A ideia de proteger a “raça ariana” da “conspiração comunista liderada pelos judeus mundiais” estava no centro de sua ideologia e propaganda. Na verdade, exterminar a grande população judaica na Europa Oriental foi um ímpeto significativo para a invasão da União Soviética, assim como a perspectiva de destruir o único estado liderado pelos comunistas no mundo.

Muitas pessoas imaginam que a história desse ódio fundido terminou com a derrota do Terceiro Reich. Embora os nazistas possam ter sido os propagandistas mais ruidosos contra o “bolchevismo judeu”, eles não foram os últimos. A direita continuou a empurrar essa teoria da conspiração durante a Guerra Fria e nos tempos modernos. Autores de direita como Elizabeth Dilling e Frank L. Britton publicaram obras durante a Guerra Fria alertando contra um plano judaico comunista de dominar os EUA.

Nos anos imediatos do pós-guerra, o exemplo mais deplorável dessa fusão cuidadosamente composta de fantasias de direita veio no julgamento de Julius e Ethel Rosenberg, acusados de espionar para a URSS, e que, apesar dos apelos mundiais de clemência, foram executados pelo governo dos EUA em 19 de junho de 1953, sob uma nuvem de evidências fabricadas e testemunhos perjúrios. Historiadores apontam que, embora a maioria dos principais agentes no caso fosse judia – réus, advogados e juiz – não havia um único judeu no júri, mesmo na cidade intensamente judia de Nova York. Um importante conselheiro da acusação foi o advogado Roy Cohn, que mais tarde se tornaria mentor do jovem Donald Trump.

No início da década de 1990, com o colapso da URSS, a propaganda do “Judeu-Bolchevismo” precisou ser reformulada, e o “marxismo cultural” a substituiu. O significado, entretanto, continuou o mesmo. A chamada “direita moderada” nos EUA gostaria que as pessoas acreditassem que esse problema só existe nas periferias, mas muitas personalidades conservadoras e reacionárias da corrente principal promovem aberta e ruidosamente essa teoria da conspiração.

Pat Buchanan, um republicano proeminente, candidato presidencial frequente ao longo das décadas de 1970, 1980 e 1990, alertou seus seguidores contra a “ameaça do marxismo cultural” e sua “descristianização dos EUA”. Jordan Peterson, um pseudo intelectual com muitos seguidores de direita cujos livros se tornaram best-sellers nos EUA e em todo o mundo, frequentemente discursa sobre como o “marxismo cultural” está destruindo a “civilização ocidental”.

Em 2017, no chamado comício Unite the Right (“Unir a direita”) em Charlottesville (Virgínia), os manifestantes foram gravados gritando “Os judeus não vão nos substituir”. Esta é uma referência direta à ideia de “Judeu-Bolchevismo” nos “Protocolos dos Sábios de Sião”. No dia seguinte, o presidente Trump se referiu a esses manifestantes como “gente muito boa”.

Uma ideia não se torna mais popular do que quando é tolerada pelo presidente dos EUA e chefe do Partido Republicano. Essa tática de usar preconceitos preexistentes para construir apoio para ideias reacionárias tem sido muito bem-sucedida para a direita. O sucesso foi tanto que eles estão expandindo seu uso nos EUA. Embora chamarizes como as teorias de conspiração de George Soros, ainda sejam usados, a retórica sobre conspirações perigosas entre marxistas e minorias raciais foi expandida para incluir e se concentrar no movimento Black Lives Matter (BLM), constantemente acusado de ser uma organização de esquerda radical e marxista, apesar de não haver evidências que apoiem essa afirmação.

No entanto, quando Trump e seus asseclas declaram que BLM é um “grupo marxista”, o que ele está fazendo é dizer a muitos racistas nos EUA que eles deveriam ter medo do comunismo. Ao mesmo tempo, está dizendo àqueles que já caíram nas táticas de medo do vermelho, usadas no século passado, que tenham medo do BLM.

Estamos agora no limiar de uma nova Guerra Fria. O governo Trump está dizendo aos estadunidenses para terem medo do comunismo, medo do BLM e medo da China. Isso coincide com um encorajamento da supremacia branca nos EUA, bem como o medo do crescente movimento antirracista para combater a direita. Devemos estar cientes da tática de longa data da direita reacionária que vincula grupos minoritários ao pensamento comunista e usa o racismo e a intolerância já existentes para engrossar as fileiras dos anticomunistas, de modo que estejamos mais preparados para reconhecê-lo quando o virmos e combatê-lo com sucesso.

Fonte: People’s World/Tradução: José Carlos Ruy

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