“Estados Unidos têm dado as costas para o sistema multilateral”

Alexandre Figueiredo, pós-doutorando em Economia pela USP, analisa o futuro da ONU diante da crise do multilateralismo instalada pelos EUA, ao esvaziar instituições essenciais para a colaboração entre os países

Alexandre Figueiredo, doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam) da USP e pós-doutorando pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP de Ribeirão Preto, analisa o futuro da Organização das Nações Unidas diante da crise do multilateralismo, que, para ele, é causada por ataques desferidos pelos Estados Unidos, visando a esvaziar instituições essenciais garantidoras da colaboração justa entre os países.

O especialista informa que, desde os anos 90, e posteriormente na invasão do Iraque – considerada ilegal pelo direito internacional, posto que não houve aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas –, os Estados Unidos têm caminhado na contramão do sistema multilateral. Sob o governo democrata de Barack Obama, a Organização Mundial do Comércio, que também é uma esfera do multilateralismo, tem sido paulatinamente esvaziada com a opção dos norte-americanos de assinar tratados regionais de comércio, normas não reguladas pela OMC e que não passam pelo debate amplo com os demais Estados. “Ao ter que lidar com esse cenário de mais democracia e poder partilhado, os EUA têm dado as costas para o sistema multilateral que eles ajudaram a criar e atuado em carreira solo, cada vez mais agressivos contra essas instituições.”

Quanto à guerra comercial com a China, o entrevistado compartilha que o objetivo dos EUA não é a exclusão da potência asiática, mas, sim, uma maior incorporação no fluxo de comércio norte-americano, porém com uma inversão: que a China compre mais e venda menos para os estadunidenses. “A economia chinesa e a norte-americana são muito dependentes uma da outra. O cenário de uma nova Guerra Fria, embora o perigo exista, é muito distante, dados os interesses em jogo num conflito desse tipo.” 

A retórica anti-China, assumida pelo presidente Donald Trump, é agressiva, mas os líderes chineses têm respondido de forma diplomática para evitar conflito, como afirma o especialista: “É um retórica belicista e a China vem tentando responder diplomaticamente, preocupada em não ser tão agressiva quanto. Mas, com a intensificação de exercícios militares norte-americanos em Taiwan, existem situações que podem, sim, detonar um conflito e essa retórica agressiva não colabora com o cenário de paz e multilateralismo que a ONU simboliza e defende”.

Figueiredo acredita que a China é uma força que se opõe aos ataques ao multilateralismo, já que, mesmo sendo uma potência econômica em ascensão, busca ter objetivos de política externa abertos. E, desde a incorporação da China no sistema multilateral, foi o único país do Conselho de Segurança da ONU que não usou forças armadas contra terceiros. “[A China] é uma potência que colabora com a paz e o multilateralismo.”

Quanto às eleições nos Estados Unidos, Figueiredo acredita ser um momento de incertezas. Caso Biden seja eleito, é possível que haja mudanças na política externa, principalmente no que tange à guerra comercial com a China. Ele diz que Biden já afirmou em eventos que a guerra de Donald Trump contra a China é um equívoco, porque o país não representava nenhuma ameaça, mas o discurso sofreu alterações neste ano: “Ele não está gostando de ser taxado como amigo dos chineses. Num documento que ele [Joe Biden] publicou neste ano, na Foreign Affairs Magazine, prega a restauração de uma ordem internacional pró-Estados Unidos, restauração da Otan com mais força para isolar os russos e que o governo democrata fará muito mais para conter o que ele também considera ser um projeto de dominação mundial conduzido por Pequim”.

Já o Brasil, segundo Alexandre Figueiredo, deveria aproveitar a instabilidade entre as grandes potências para se favorecer ao invés de se prender em alianças: “Quando os poderosos estão em disputa, habilidoso é quem sabe usar isso a seu favor. O Brasil deveria ter um Itamaraty que operasse mais nesse sentido: usando a rivalidade entre eles e não se subordinando a qualquer um dos lados”.

Edição de entrevista à Rádio USP

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