União Europeia: O estado da coisa

Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, proferiu, dia 16/09, o designado discurso sobre o estado da União. De ano para ano, crescem os esforços, nomeadamente no plano midiático, para projetar num forçado e artificial “espaço público europeu” este momento, em que se faz um balanço do ano que passou e se anunciam os planos para o ano que vem. Por João Ferreira*

Ursula Von Der Leyen, presidenta da Comissão Europeia

Dos muitos temas abordados, que denotam a reafirmação das prioridades estratégicas da Alemanha, em menor grau da França, e dos grandes grupos econômicos e financeiros europeus, vale a pena sublinhar, num brevíssimo apontamento, três deles.

1 – “Salários-mínimos europeus”. A Comissão Europeia propõe um quadro legislativo tendente à fixação de “salários-mínimos” nos Estados-membros. Não se trata de um salário-mínimo igual para todos os países, mas de um conjunto de regras harmonizadas para fixação de um valor indicativo para esse salário, em cada país. A ideia é estabelecer uma referência, não tendo a medida caráter obrigatório.

Recorde-se, a este propósito, que a UE, desde sempre, conviveu e convive com o dumping salarial, com a concorrência entre a força de trabalho de origens nacionais distintas, visando a sua desvalorização geral. Num processo de integração de tipo capitalista é esse, em grande medida, o sentido da “livre circulação de pessoas”, leia-se, da circulação da força de trabalho, em função dos interesses e necessidades de mão-de-obra do capital.

A proposta em discussão pública, na versão que parece ganhar força, aponta para a fixação dos salários-mínimos em valores que rondam o limiar de pobreza, em cada país. Ou seja, aponta à consagração da possibilidade de alguém que trabalha não sair desse limiar. Em Portugal, onde a valorização do salário-mínimo adquire caráter prioritário e urgente, a proposta levaria a um valor de referência para o salário-mínimo inferior ao atual Salário-Mínimo Nacional. Ou seja, corresponderia não a um impulso para a sua valorização, mas, pelo contrário, a um elemento para a sua contenção.

2 – “Pacto para as migrações”. Nas suas linhas gerais, anunciadas por Von der Leyen, confirma-se a visão da Europa fortaleza, a cedência ao discurso xenófobo da extrema-direita, com o reforço das “fronteiras externas” e o acelerar dos procedimentos de expulsão de migrantes. Ao mesmo tempo, reforça-se o caráter seletivo da política migratória, visando atrair força de trabalho qualificada e barata, para responder às necessidades imediatas das principais potências europeias e do capital.

3 – “Política externa”. Num processo em desenvolvimento e não isento de contradições, no qual as eleições nos EUA jogarão papel relevante, a UE assume a intenção de elevar o grau de articulação e coordenação com os EUA no plano internacional, desde logo na intensificação de ingerências (ficou prometido um Acto Magnitsky 1 europeu) e na reclamação da “reforma do sistema multilateral”, que contrarie o declínio relativo dos dois polos imperialistas. Além da ONU, num plano mais geral, explicitam-se os casos da OMC e, numa posição que não deixa de assumir particular significado no contexto da posição recentemente assumida por Trump, da OMS.

* João Ferreira é deputado do Parlamento Europeu, representando o Partido Comunista Português (PCP) e candidato à presidência de Portugal pela legenda, na eleição que ocorrerá em janeiro de 2021

1 – Acto Magnitsky – Medida unilateral – sem aprovação dos organismos multilaterais – de “punição” a uma determinada nação (NE).

Fonte: Avante!