Bolsonaro destrói legado internacionalista de décadas a troco de nada

A afirmação é de Paulo Casella ao se referir ao discurso de Jair Bolsonaro sobre meio ambiente e a pandemia, em seu pronunciamento na Assembleia Geral das Nações Unidas

(Montagem de Cezar Xavier sobre foto do presidente da República Jair Bolsonaro, durante gravação de discurso para a 75ª Assembleia Geral da ONU. Foto: Marcos Corrêa/PR

Pressionado por organizações internacionais, em relação às queimadas recordes na Amazônia e no Pantanal, o presidente Jair Bolsonaro discursou hoje (22) na abertura dos debates da 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). No discurso, o presidente rebateu críticas de que o governo brasileiro segue inerte na defesa do meio ambiente, alegando perseguição internacional ao Brasil, assim como defendendo o enfrentamento à pandemia de Covid-19, apesar de ter sido contrário às orientações de organizações sanitárias internacionais.

Paulo Borba Casella, professor titular do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito (FD) da USP e coordenador-geral do Grupo de Estudo sobre o Brics (Gebrics/USP), analisou e comentou os possíveis impactos desse discurso.

Casella explica que, desde a criação da ONU, foi dada ao Brasil a deferência de fazer o primeiro discurso na abertura da Assembleia Geral, realizada na terceira semana de setembro, a cada ano. “Esse espaço vem sendo usado desde então, com uma mudança no tom do discurso ao longo dos anos”, afirma, “porém, neste ano, o fato de o discurso do presidente brasileiro, se colocando na posição de defesa, dar explicações à comunidade internacional mostra problemas na governança do País”. 

O Brasil tem uma tradição de política externa pautada em três grandes eixos: alinhamento pelo direito internacional e pela solução pacífica de controvérsias, desde o império; credibilidade na proteção dos direitos humanos, consolidada após a redemocratização, zerando um passivo ruim herdado da ditadura militar; e a proteção internacional do meio ambiente e o desenvolvimento dessa matéria. Aqui, também, o Brasil superou uma herança maldita da ditadura, chegando a sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano em 1992 e a Rio+20 em 2012, de novo no Rio de Janeiro. “O Brasil se mostrou altamente engajado na proteção do meio ambiente e no desenvolvimento internacional dessa matéria”, ressaltou.

Justamente por isso, segundo o professor, o Brasil precisaria ter um posicionamento sensato, de maneira a considerar esse histórico. “O País tem jogado fora, em relação a esses três campos, um legado que levou décadas para ser construído em troca de nada. Não estamos ganhando outras frentes, sacrificando essas. Estamos jogando fora um ativo intangível e que levará décadas para ser resgatado.”

Esse quadro se torna ainda mais preocupante por não se tratar de um trabalho de “oposição da mídia internacional globalista dominada pela esquerda”. “São dados de instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que possui respeitabilidade internacional consolidada, dados da Nasa com medições preocupantes de queimadas muito acima das médias anteriores”, afirma Casella, segundo o qual essas informações mostram o tamanho do estrago e do descontrole público e administrativo. Ele mencionou o fato do avião presidencial não ter podido pousar em Sinop, no Mato Grosso, o que revela que a situação é tão calamitosa que impede o funcionamento normal da aviação.

Outro fato levantado pelo pesquisador são os efeitos poluentes para o ar em cidades distantes do Pantanal e da Amazônia, como São Paulo, ou ainda Santa Catarina e a Argentina. “Não estamos falando de opiniões, nem de discursos, ou oposição, são dados levantados por institutos científicos que mostram o tamanho do estrago e o descontrole público administrativo desse bem coletivo, não só nacional, mas que interessa à comunidade internacional como um todo”.

Há ainda o discurso nacionalista e xenófobo em relação à Amazônia, ao Pantanal e ao meio ambiente. “É estúpido e já nos custa perda de mercados, de credibilidade, e, em um futuro próximo, pode nos custar ainda mais caro.”

O professor finaliza comentando ainda sobre a condução da pandemia do coronavírus pelo governo, quando se aproxima dos 140 mil mortos entre os primeiros países com os piores resultados da pandemia. “Isso foi conduzido de maneira catastrófica. Só aumentou o número de mortes e contaminados. Nós termos a negação da gravidade dessa pandemia por parte do governo federal foi uma conduta criminosa e irresponsável”, completou.

Edição de entrevista à Rádio USP

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