China testa vacina spray contra a Covid-19

Resultado de um estudo conjunto entre a Universidade de Hong Kong e a Universidade de Xiamen, uma vacina administrada por via nasal, através de um disparo de spray, e não através de uma injeção, como a maioria das restantes vacinas que têm sido anunciadas, começa a ser testada em humanos.

Funcionária apresenta amostra de vacina inativada contra Covid-19 em fábrica da Sinopharm em Pequim - Foto: Zhang Yuwei/Xinhua

O projeto utiliza uma fórmula baseada num vírus da gripe comum “atenuado”, ou seja, dotado de segmentos de proteínas genéticas do SARS-CoV-2, mas sem a capacidade de causar doença, escreve o jornal El País, citado pelo jornal Expresso. Mas afinal o que é um “vírus atenuado” e por que é que é diferente receber uma vacina por via nasal ou intramuscular, ou seja, diretamente no sangue?

“Ao recebermos uma vacina por via nasal o que vai acontecer é que o nosso trato respiratório, traqueia, brônquios etc, vai estar mais diretamente exposto ao vírus, pelo que essa vacina vai mimetizar o processo que acontece quando somos infetados”, explica ao Expresso Henrique Veiga-Fernandes, pesquisador na área de imunologia do Instituto Champalimaud.

“Não sabemos ainda tudo sobre este novo coronavírus mas sabemos que a sua via principal de acesso ao nosso corpo é pelo trato respiratório. Em alguns indivíduos fica por ali, em outros não, o vírus consegue infectar outros tipos de células, no coração, nos rins, ainda não sabemos se também no cérebro”, acrescenta o especialista. “A ideia é que possamos treinar o sistema imunitário de forma mais natural para reconhecer um vírus que entra exatamente pela mesma via na qual essa vacina vai entrar”.

Tanto as vacinas intramusculares como aquelas menos invasivas têm vantagens e desvantagens: as menos invasivas têm menos riscos para a saúde porque os vírus que elas contém não está ativos e por isso não causam doenças; por outro lado, como explica ao Expresso o virologista e investigador do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa, Pedro Simas, podem também não oferecer uma proteção tão boa como as administradas no sangue “porque essas protegem os órgãos que, se ficarem afetados, podem realmente pôr em causa a vida, como os pulmões que são extremamente irrigados”.

Ao mesmo tempo, o virologista explica que a solução oral para a vacina da poliomielite ajudou bastante a que a doença não chegasse a afetar o sistema nervoso central. “Em situações raras, o vírus causador da poliomielite invade os nervos e põe em causa as funções vitais e por isso a vacina intramuscular por vezes não funcionava tão bem. O que é que se fez? Inventou-se uma vacina atenuada, que em vez de ser pela via muscular era administrada oralmente, o que provocou uma proteção ao nível da mucosa do intestino, e neutralizava o vírus antes de ele poder penetrar mais”.

A vacina chinesa utiliza o que se chama um “vírus modificado” ou “atenuado”. Essencialmente, os cientistas retiram ao vírus, em laboratório, a capacidade que ele contém para causar doença, ficando apenas a “informação”, para o nosso corpo de que se trata de um vírus que o sistema imunológico tem de combater mas que não causa qualquer doença ao ser inserido no corpo.

A chamada vacina de Oxford, uma das que estão já na fase de teste em humanos, também utiliza esta técnica. O que os cientistas fizeram foi usar um vírus da constipação que afeta primatas e adicionar a chamada proteína “spike”, uma característica deste vírus que faz com que ele consiga penetrar nas nossas células e reproduzir-se, ao material genético de uma versão enfraquecida do microrganismo. O intuito é promover uma resposta imune do corpo a essa proteína, criando anticorpos capazes de proteger quem foi vacinado de ser infectado pelo Sars-Cov-2. “O vírus modificado, ao infectar as células, vai fazer com que as células humanas reconheçam essa proteína estranha ao corpo, vai reagir, vai ficar treinado, vai guardar aquela memória para quando for atacado”, diz Henrique Veiga-Fernandes.

Um exemplo de uma vacina cujos testes serão feitos através da administração de spray nasal está a ser desenvolvida no Canadá, na Universidade de Waterloo. Porém, essa vacina usa material genético na sua composição. O que é que isto quer dizer? A vacina que está a ser desenvolvida pelos canadianos é enviada, por via nasal, a células específicas em tecidos específicas e desencadeia a produção de uma partícula chamada VLP que tem um ADN similar ao do coronavírus, e por isso ativa o sistema imunitário. Além disso, estas partículas, uma espécie de imitação não-nociva da estrutura genérica do SARS-CoV-2, vão ligar-se aos receptores que o vírus “real” normalmente utiliza para se expandir, e assim limitar potenciais pontos de acesso do vírus ao corpo.

Testes no Brasil

Outros testes com vista à administração nasal de uma vacina já estão também a ser conduzidos no Brasil. O Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) acredita que este é o melhor caminho para proteger as pessoas deste novo coronavírus: “Queremos ir direto ao alvo. E o alvo é proteger as mucosas”, disse à BBC Brasil o médico Jorge Elias Kalil, que coordena o projeto.

“Todos os vírus têm porta de entrada, e queremos imunidade nessa porta de entrada, claro, e por isso este tipo de vacinas são úteis e mais eficientes na proteção das mucosas e das vias aéreas superiores. Estas vacinas aproximam-se mais à imunidade natural, imitam-na. As outras podem prevenir a infeção pulmonar grave”, diz Pedro Simas.