Há antídoto para a máquina de desinformação e ódio da ultradireita?

Crescimento de apoio a Bolsonaro nas redes não é orgânico e conta com estrutura pesada de investimento fortemente inspirada na experiência de Trump, no Estados Unidos. Por outro lado, esquerda tem compromisso com disseminação de informações verdadeiras no combate às fake news

“É com o veneno da cobra que se faz o antídoto, mas não é bebendo mais veneno que se cura da picada. A desinformação não é a nossa linguagem”, argumenta Diego Dorgam, professor da Universidade de Brasília (UnB) sobre os rumos das ações de rede para setores de oposição ao bolsonarismo.

Dorgam foi responsável por coordenar importantes processos de transformação digital no setor público, nos ministérios da Justiça, Cultura e Comunicações entre 2011 e 2016, como a governança de Tecnologia da Informação, a automação de infraestrutura e a abertura dos códigos-fontes de diversos softwares.

O professor da UnB participou da quinta edição do Curso Nacional de Comunicação do Centro de Estudos Barão de Itararé junto a outros pesquisadores do tema, que analisaram dados sobre o avanço do debate político nas redes sociais no último período.

“A luta contra o fascismo e as redes de comunicação da ultradireita não será resolvida com a eleição de um partido de esquerda e um bom marketing nas redes”, alerta Dorgam. “Será uma luta de longa duração. Precisamos estudar para contra-atacar. Não podemos e nem devemos copiar as fórmulas da direita, seus padrões, achando que teremos os mesmos resultados”, afirma o especialista em redes.

Para explicar a complexidade da máquina de comunicação da ultradireita não só no Brasil, mas no mundo, o sociólogo e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Sérgio Amadeu destrincha métodos utilizados por figuras como Steve Bannon e Andrew Breitbart, fundadores do portal de extrema-direita Breitbart News e mentes por trás da Cambridge Analytica, protagonista de escândalo envolvendo a eleição de Donald Trump, retratada no filme “Privacidade Hackeada” (2019), produzido pela Netflix.

“O que figuras como Bannon e Breitbart fizeram foi criar toda uma rede de alteração da forma como se pensava a política, a partir da retomada de valores reacionários. E, para isso, foi preciso suspender o debate baseado em fatos”, pondera Amadeu.

A intolerância ao debate racional e democrático é uma das principais marcas desta alt-right (nome que designa a nova extrema-direita estadunidense) e foi exportada a diversos lugares do mundo, conforme explica o sociólogo.“Para eles, a aposta na confusão é uma estratégia de comunicação. Não é que o que eles falam seja inocentemente estúpido. A ideia é justamente destruir a coerência”, explica.

A ideia deles, segundo Amadeu, é consolidar o conceito de liberdade de expressão como liberdade de agressão. A desinformação, as notícias falsas e os ataques constantes ao chamado ‘politicamente correto’ são ferramentas para este fim.

Páginas conservadoras vitaminaram ultradireita

Apesar da ligação entre Steve Bannon e o clã Bolsonaro ter virado símbolo da máquina de desinformação da ultradireita, a onda vem de muito antes da eleição presidencial de 2018. Amadeu recorda que, no fatídico ano de 2013, páginas que pregavam o discurso de ódio contra a esquerda já se multiplicavam nas redes sociais.

“A extrema-direita atuava de forma distribuída, mas articulada nas redes. A TV Revolta, por exemplo, sumiu, mas cumpriu o seu papel. Era rebelde, revoltada, desesperançosa e pregava que que era preciso ‘quebrar tudo’. Resultado: milhões de curtidas no Facebook ainda em 2014. Como conseguir isso de maneira espontânea e orgânica? Impossível. Já havia financiamento pesado a estas iniciativas. Crescer 2,5 milhões de likes em um mês custa muito caro”, opina o professor.

Figuras como o comediante Danilo Gentili e o filósofo Luiz Felipe Pondé são algumas das figuras que se aventuraram neste ambiente. “A rede de ódio e reacionarismo já estava ativada bem antes de Bolsonaro começar a bombar e já contava com financiamento pesado nas plataformas digitais”, sublinha Amadeu.

“Precisamos criar coletivos de informação, de gestão algorítmica. A luta contra o neofascismo é de longa duração. Eles têm grande circulação, grupos fundamentalistas religiosos e parte do empresariado ao lado deles. É um embate de longo prazo”, alerta.

Novos públicos nas redes

O caldo que resulta de todo este cenário é amargo, mas não devemos esmorecer, opina Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pesquisador de dados, política e redes sociais.

“No começo dos anos 2000, havia uma euforia, um encantamento com as possibilidades democratizantes da Internet. Hoje, vivemos um clima de tristeza. A eleição de Trump faz esta visão da internet ganhar força no mundo. É notória a existência de padrões que explicam a ascensão deste fascismo aliado à tecnologia”, pondera.

Apesar disso, na opinião de Malini, talvez este seja o melhor momento para voltar ao jogo: “O melhor da internet neste momento é que ela deixou de ser absolutamente um veículo das classes médias. Ela não é mais só das classes que tinham capacidade de vocalizar seu projeto sozinhas. Ela incorporou, nos últimos anos, muito em função do lulismo, classes sociais que antes não estavam presentes neste cenário”, conta.

Quase metade dos usuários da Internet na classe D fazem uso exclusivo da Internet como forma de entretenimento, diz. “Pela primeira vez na história, temos atores sociais mediados por outros atores que falavam para eles, falando”.

A partir da viralização do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que surge nos Estados Unidos e ganha alianças em todo o mundo, no Brasil as redes mimetizam a causa “antifa”, ao ponto de até a apresentadora Xuxa Meneghel publicar a bandeira antifascista em suas redes sociais.

“As pessoas estão dispostas a aprender e se educarem politicamente na internet. Não podemos perder a dimensão de que este processo está em disputa”, frisa. Segundo Malini, este é o melhor momento para a esquerda se posicionar, vide a avalanche de postagens questionando o presidente Bolsonaro sobre os motivos de Fabrício Queiroz e sua esposa, Márcia de Aguiar, terem depositado R$ 89 mil na conta da esposa do presidente, Michelle Bolsonaro. “Disputar o imaginário de quem está acessando a rede pela primeira vez é um dos maiores desafios que temos na luta contra o fascismo”, destaca o professor.

Estrutura bolsonarista

Pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, Nina Santos endossa que é necessário entender a máquina das redes de extrema-direita para que seja possível elaborar estratégias eficazes de comunicação.

“Apesar de serem considerados toscos, os sites da extrema direita são bem elaborados. Tem um discurso fino que mescla informações falsas e verdadeiras, a defesa de valores conservadores, de uma mídia conservadora, mobilizando pessoas”, explica.

“Eles se alimentam de estratégias de monetização complexas. Usam anúncios do Google Ads, mas também têm bibliotecas e livrarias próprias. Promovem cursos pagos, disponibilizam formas de assinatura, há todo um ecossistema que se alimenta financeiramente e mobiliza a defesa do bolsonarismo”, explica a pesquisadora.

De acordo com Santos, é salutar que as as mídias alternativas do campo progressista promovam a pluralidade que não aparece na mídia tradicional, mas uma outra questão que se impõe, hoje, é a defesa da informação de qualidade.

O diálogo entre os pesquisadores aconteceu na última terça-feira (25), durante o V Curso Nacional de Comunicação do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Com duração de três dias, o encontro virtual reuniu cerca de 200 participantes de 23 estados do país para discussão de estratégias no enfrentamento ao bolsonarismo.

Fonte: Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé

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