Auxílio não explica sozinho crescimento de Bolsonaro, diz pesquisador

O comportamento e as falas do presidente chocam menos agora do que há três meses, em razão de uma tática eficiente do bolsonarismo: esticar a corda e recuar.

Live com o cientista político Vinícius do Valle

Na última pesquisa Datafolha, Jair Bolsonaro surpreendeu pelo aumento da avaliação positiva e queda da rejeição de seu governo, poucos dias após o país atingir a triste marca de 100 mil mortes pela pandemia do novo coronavírus, que o presidente minimizou de todas as formas possíveis. Antes do levantamento, divulgado no último dia 15, Bolsonaro vinha amargando a rejeição da população devido ao seu comportamento desdenhoso em meio à tragédia que assola o país.

O aumento da popularidade foi atribuído ao pagamento do auxílio emergencial de R$ 600. A ampliação do valor em relação aos R$ 200 propostos pelo governo foi uma vitória da oposição, mas acabou caindo no colo de Bolsonaro.

No entanto, na avaliação de Vinícius do Valle, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), o auxílio explica somente parte do ganho em popularidade. Afinal, a aprovação cresceu em todos os grupos pesquisados, inclusive em classes sociais que não necessitam do auxílio. Em live do Portal Vermelho, Vinícius, que pesquisa o bolsonarismo e mantém contato com eleitores de Jair Bolsonaro, falou sobre as possíveis outras razões.

O cientista político afirma que a outra parte da explicação para a reversão da queda de popularidade é a tática de moderação do discurso adotada pelo presidente desde a prisão de Fabrício Queiroz. Mas só porque Bolsonaro passou a ficar em silêncio as pessoas se esqueceram do que ele disse? Não. Mas o comportamento e as falas do presidente chocam menos agora do que há três meses. E isso em razão de uma tática eficiente do bolsonarismo: esticar a corda até o limite e então recuar.

“No período anterior, lá para abril, maio, os atos do governo e do presidente foram tão radicalizados, tão confrontosos, que quando ele dá um passo atrás parece que está melhorando. Quando ele deixa de esticar a corda, dá a impressão de que se normalizou, mas a gente está muito além do que era o centro anterior [do discurso político]. Ele vai ganhando espaço esticando e voltando um pouquinho”, afirma o pesquisador.

Vinícius diz ainda que Bolsonaro foi bem-sucedido em se descolar das mortes da pandemia, colocando-as na conta do Supremo Tribunal Federal (STF), governos estaduais e municipais.

Vinícius Valle destaca, no entanto, que mesmo em viés de alta a popularidade de Bolsonaro não atinge um patamar muito elevado. No Datafolha, o presidente aparece com 37% de ótimo e bom, bem abaixo da popularidade dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso quando estavam no mesmo período do mandato.

“Os índices dele [Bolsonaro] não são nada impressionantes. São impressionantes perante ao que a gente acha absurdo. Mas esse absurdo vai sendo normalizado ao longo do tempo, inclusive institucionalmente”, comenta o cientista político.

Bolsonaristas moderados

Vinícius Valle acompanha um grupo ao qual se refere como bolsonaristas moderados, pessoas das classes C e D que não integram o núcleo duro do presidente, capaz de defendê-lo em qualquer circunstância. Segundo o pesquisador, são pessoas que já votaram em Lula e Dilma e que, por uma série de razões, passaram a apoiar um discurso mais à direita para enfim desembocar no bolsonarismo. A igreja evangélica, segundo o pesquisador, teve um papel central nesse resultado.

Vinícius observou a gênese desse movimento, uma vez que durante seu mestrado e doutorado acompanhou uma comunidade evangélica na periferia de São Paulo. “Eu peguei o conservadorismo popular primeiro pela via do conservadorismo religioso. Boa parte dessas pessoas eram lulistas e ao longo do tempo foram se tornando mais conservadoras”, comenta.

Segundo ele, o período de 2010 a 2014 marca esse afastamento dos eleitores do lulismo. “Tivemos as manifestações de 2013. Elas representam o momento em que o lulismo começou a parar de atender a todos, começou a parar de promover aquele jogo de ganha-ganha. As elites começaram a promover uma campanha golpista que culminou com a retirada da ex-presidenta Dilma do poder. Mas isso só foi possível porque a base da sociedade de alguma forma também passou a dar legitimidade a esse posicionamento”, afirma.

Segundo ele, um dos principais motivos para essa legitimação foi a crise econômica de 2015, que teve efeitos reais na vida das pessoas. Na sequência, a operação Lava Jato foi bem-sucedida em colar o desemprego e a perda de poder aquisitivo à problemática da corrupção, gerando um sentimento antipolítica.

Já Bolsonaro é um fenômeno que se integra a esse contexto, mas, ao mesmo tempo, tem características próprias. “Ele tem várias características pessoais, características que inclusive nem os filhos dele têm, que conseguem aglutinar as pessoas”, analisa Vinícius. A imagem de homem simples, que esbraveja contra o sistema, estão entre os traços que apelam ao eleitorado.

Bolsonarismo além de Bolsonaro

Segundo o cientista político, as atitudes de Bolsonaro em relação à pandemia causaram decepção a esses eleitores. No entanto, mesmo os que se dizem insatisfeitos com o presidente têm ressalvas ao campo progressista. “Na pesquisa que a gente fez, apareceram três coisas, três tipos de eleitor. ‘Olha, eu não voto nele, mas eu não votaria em alguém do PT de novo’. Ou então: ‘Talvez, se fosse alguém do PT, até votaria nele de novo para impedir o PT de ganhar’. E o terceiro: ‘Não votaria nele, mas votaria em alguém que fosse conservador’”, enumera Vinícius.

Isso, para o pesquisador, evidencia que o cerne da questão não é apenas enfrentar Bolsonaro. “A gente tem que se preocupar não só com Bolsonaro, mas com o bolsonarismo, com esse caldo social que está junto com ele”, afirma. Para lidar com essa situação, diz, a oposição precisa voltar a se aproximar das bases, inclusive fisicamente.

“As igrejas evangélicas estão atuando perto das pessoas na base de uma forma que a esquerda não atua. O auxílio emergencial não foi algo que o Bolsonaro promoveu. Foi muito mais uma conquista da oposição. Pelo fato de a esquerda não conseguir comunicação com as bases populares, acabou caindo como algo que foi o governo Bolsonaro. A comunicação dele está muito melhor do que a nossa”, afirma.

Confira o bate-papo completo:

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Um comentario para "Auxílio não explica sozinho crescimento de Bolsonaro, diz pesquisador"

  1. Darcy Brasil Rodrigues da Silva disse:

    Relações politicas como a de um presidente da república e os grupos sociais e seus interesses de classe se explicariam apenas pela reação dos indivíduos de cada grupo social em relação ao discurso e aos atos do político cuja popularidade se mensurou se fossem estabelecidas apenas apoliticamente, de modo espontâneo, sem a interferência de outros atores políticos, como partidos, sindicatos, movimentos sociais e Igrejas. A popularidade de Bolsonaro é muito mais um produto de uma ação politica envolvendo esforços politicos organizados e articulados entre si de partidos, milícias, redes digitais e Igrejas evangélicas apoiadoras de Bolsonaro do que do discurso e dos atos de Bolsonaro. Esse aumento de popularidade revela assim a fragilidade da oposição a Bolsonaro em relação ao confronto nas áreas de atuação particular de cada um dos atores politicos citados, ou seja, partidos políticos, milícias, redes de apoiadores digitais e Igrejas evangélicas, que interagem cotidianamente com cada grupo social, conquistando politicamente simpatias políticas em esforços de convencimento cientificamente elaborados. Sem esses atores políticos articulados e empenhados na defesa intransigente do governo Bolsonaro, essa elevação da sua popularidade jamais ocorreria. Sem a baixíssima capacidade da oposição de enfrentar esses atores politicos da direita, o aumento da popularidade de Bolsonaro também não se explicaria. E mais: sem corrigir urgentemente esse desequilíbrio de forças no campo da militância política dentro e principalmente fora das redes, o bolsonarismo jamais será derrotado.

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