De Olho no Mundo, por Ana Prestes

Os principais acontecimentos da conjuntura internacional são analisados pela cientista política Ana Prestes.

Foto: Reprodução CNN

Os EUA vivem esta semana, de forma concomitante, a Convenção Nacional do Partido Republicano e massivas manifestações contra o racismo. Em Kenosha, no estado de Wisconsin, desde o domingo há protestos incessantes. Há notícias de que duas pessoas morreram e uma ficou ferida nas manifestações desta madrugada. A onda de mobilizações começou no domingo (23) após um homem negro de 29 anos ter sido baleado várias vezes por policiais na frente de seus três filhos. Seu nome é Jacob Blake e há imagens, gravadas por um vizinho, dele sendo acompanhado por policiais até seu carro e ali sendo alvejado por pelo menos sete tiros pelas costas, na frente de seus filhos que estavam no carro. Pelas reportagens, Jacob estaria separando uma briga doméstica quando a polícia foi chamada. Com a chegada dos policiais ele se dirigia para seu carro para sair, quando o policial o puxou pela camisa e atirou. Ele está hospitalizado com o corpo paralisado da cintura para baixo. O outro evento que fez voltar com força a onda de protestos nos EUA esta semana foi a morte de Trayford Pellerin, um homem negro de 31 anos, do lado de fora de uma loja de conveniência de um posto de gasolina no sábado (21), em Lafayette, no estado de Lousiana. A polícia foi ao local para atender a um chamado pelo fato de Pellerin estar portando uma faca. Ele tentou fugir e recebeu 10 tiros fatais. Enquanto isso, como disse o jornalista Kennedy Alencar em sua coluna, os republicanos fazem uma convenção nacional com brancos e para brancos com direito a muita fake news.

A convenção nacional dos republicanos, que ocorre na semana seguinte à convenção dos democratas, transcorre com um tom nacionalista de fazer a “América grande” e de denúncia contra o “socialismo” dos democratas. A luta contra o “vírus chinês” também ganhou os contornos racistas e xenófobos esperados. Oficialmente o encontro ocorre em Charlotte, na Carolina do Norte, mas também conta com um palco montado em Washington, por onde passam vários oradores com discursos curiosos sobre a defesa da família contra as trevas do marxismo que podem voltar ao país com Biden. O filho do presidente chegou a dizer que com o vírus do partido comunista chinês “não deixam as pessoas irem às igrejas”. Quando citadas, as violências policiais racistas que fizeram explodir o país em protestos foram chamadas de raríssimas exceções. O secretário de estado, Mike Pompeo, participou da convenção por vídeo desde Jerusalém, por onde anda essa semana. Em seu discurso, culpou a China por todos os problemas dos EUA, da saúde ao desemprego.

A OEA – Organização dos Estados Americanos – está intervindo na CIDH – Corte Interamericana de Direitos Humanos para tirar Paulo Abrão de sua secretaria executiva. O secretário geral da OEA, Luis Almagro, decidiu não ratificar a reeleição por unanimidade do brasileiro Paulo Abrão como secretário-executivo da CIDH. Embora, juridicamente, Almagro tenha esse direito, tal prática não é corrente no sistema da OEA. Apesar de ser parte da OEA, a CIDH é um órgão autônomo e tem como finalidade o monitoramento e combate às violações dos direitos humanos na região. A corte foi fundada há 61 anos. Paulo Abrão é brasileiro e atuou no Ministério da Justiça no Brasil nos governos Lula e Dilma, tendo sido secretário nacional de justiça e presidente da Comissão Nacional da Anistia. Certamente não agrada muito aos governos Bolsonaro e Trump sua posição na CIDH. Principalmente com as andanças dos irmãos Weintraub nesses bastidores. Abrão ocupa esse cargo desde 2016 e em janeiro de 2020 teve seu mandato renovado por mais quatro anos. Em resposta ao ato unilateral de Almagro, a CIDH soltou uma nota em que diz rejeitar “qualquer tipo de interferência no exercício de seu mandato e, em particular, em seu poder de eleger, renovar e demitir seus funcionários de confiança”. Almagro sustenta sua decisão em um suposto “relatório confidencial” preparado pela ombudsperson da OEA, Neida Pérez, em que aparecem “denúncias funcionais” contra Abrão.

A empresa TikTok, gigante das mídias sociais em vídeo controlada pela chinesa ByteDance, entrou esta semana com um processo contra o decreto de Trump que proíbe seu funcionamento nos EUA. Em comunicado, a empresa diz: “para garantir que o estado de direito não seja descartado e que nossa empresa e usuários sejam tratados com justiça, não temos escolha a não ser contestar o decreto por meio do sistema judicial”. O decreto de Trump é do dia 14 de agosto e determina que a ByteDance venda as operações do TikTok nos EUA. O governo americano alega que a empresa repassa dados de seus usuários norte-americanos para o governo chinês, em mais uma medida política que passa pela disputa tecnológica entre os dois países, como a batalha contra a Huawei.

E por falar na tensão entre EUA e China, um novo ponto de tensão entre os dois países agora é a África. O governo Trump tem demonstrado irritação com a construção de um Centro de Controle de Doenças da União Africana em Adis Abeba, capital da Etiópia, ao custo de 80 milhões de dólares totalmente bancado pelos chineses. De novo, vem no bojo do desconforto a acusação de que o prédio será usado para fins de espionagem de autoridades de diversos países. A parceria entre China e a União Africana, que representa 54 países, foi fortalecida com a pandemia do novo coronavírus e alçou voos maiores dos já em curso projetos de infraestrutura e exportação/importação. Isso está expresso, inclusive, no apoio chinês ao diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, enquanto Trump ataca a organização. Atualmente, mais de 70% de todo o comércio da África é com a China, segundo Charles Matseke, pesquisador do Centro para Estudos Africanos e Chineses da Universidade de Johannesburgo na África do Sul, entrevistado em reportagem de Fábio Zanini na Folha de São Paulo do dia 22 de agosto.

Ainda sobre China, o presidente chinês Xi Jinping realizou na terça-feira (24) uma reunião sobre o 14º. Plano Quinquenal do país. Nas palavras do líder chinês apareceram com força as referências à inovação científica (“chave de ouro”) e tecnológica como motor do desenvolvimento do país. Chama atenção também a citação à reforma do sistema de governança da economia global, tema em que a China era mais discreta até pouco tempo. O presidente também estimulou os participantes do encontro a estudarem os “problemas” da atualidade e encontrarem soluções dialéticas e de longo prazo, tendo o mercado interno como pilar, mas em sincronia com o impulsionamento do mercado externo.

A chanceler alemã Angela Merkel, que no momento preside a União Europeia, se pronunciou sobre o acordo Mercosul-UE. Segundo seu porta-voz, Steffen Seibert, o governo alemão observa “com grande preocupação” o atual desmatamento e as queimadas na região amazônica e assim “surgem sérias dúvidas sobre se, no momento, uma implementação do acordo pode ser garantida dentro do espírito pretendido”. “Vemos isso com ceticismo”, acrescentou. O pronunciamento do porta-voz se deu um dia após alguns participantes de uma reunião privada com Merkel terem dito ouvirem dela que não assinaria o acordo no formato em que está. A referida reunião se deu com a ativista ambiental Greta Thunberg e representantes do movimento ambientalista Fridays for Future (Sextas pelo Futuro – em referência à greve escolar que Greta fazia sempre às sextas-feiras para se manifestar em defesa da preservação ambiental e que lhe deram notoriedade internacional). Atualmente, o texto do acordo está passando por preparação técnica, jurídica e atualização nas versões das línguas oficiais da UE para ser encaminhado para aprovação do Conselho Europeu. Uma vez aprovado, começarão os processos de ratificações nacionais. (com informações da DW).

Outro abacaxi que Merkel tem para descascar na União Europeia é o Brexit. Por enquanto houve pouco ou quase nenhum acordo sobre as relações entre o Reino Unido e o bloco a partir de sua separação após mais de quatro décadas de pertencimento. Por enquanto está vigente um acordo de transição. Há pouca expectativa de que a reunião de cúpula dos 27 líderes do bloco dos dias 15 e 16 de outubro possa aprovar algum acordo.

Em reportagem de Dan Williams, na Reuters, aponta-se que o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, prometeu que Israel não perderá vantagem militar no Oriente Médio no caso de um acordo armamentício entre os EUA e os Emirados Árabes Unidos(EAU). A declaração se deu após uma reunião entre Pompeo e Netanyahu. Pompeo está no Oriente Médio em visita a Jerusalém. Em referência à visita do secretário e às atuais políticas norte-americanas na região, o negociador palestino, Saeb Erekat, disse: “recrutar árabes para reconhecer Israel e abrir embaixadas não tornam Israel um vencedor (…) vocês estão colocando toda a região em uma situação de perdas para todos porque estão concebendo a estrada para um conflito perene na região”.

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