Governo Bolsonaro apresenta plano faz de conta para proteger indígenas

O programa do governo, que deverá ser refeito, é genérico e não aponta sequer a disponibilidade orçamentária que será necessária para garantir as medidas apontadas

(Foto: Ricardo Stuckert)

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso deu um prazo até o dia 7 de setembro para o governo Bolsonaro apresentar uma nova versão do plano para combater a pandemia da Covid-19 entre os povos indígenas. O ministro determinou a correção no âmbito da ação da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) em conjunto com seis partidos políticos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT), deliberação já referendada pelo plenário da corte.

Para tomar a decisão, Barroso tomou como base algumas manifestações como a do CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos), órgão de estado que tem na sua composição instituições do governo e da sociedade. Além de apresentar os pontos falhos do plano governamental, o conselho apontou quais ações seriam necessárias para que efetivamente seja levado a cabo um plano de proteção    

No documento de 44 páginas, o CNDH acusa que o governo apresentou um programa “deveras genérico, não apontando sequer a disponibilidade orçamentária que será necessária para garantir as medidas apontadas”. Ou seja, o órgão conclui que não existe de fato um plano. “Como asseverado em uma das reuniões pelos especialistas, o que se verifica é que os formuladores não seguiram parâmetros que devem orientar as políticas públicas”, diz um trecho da manifestação enviada ao STF.

“Lendo o plano apresentado pela União em sua integralidade não se verifica qualquer detalhamento em relação à estratégia para expansão da atenção primária a populações indígenas em terras não homologadas. Observa-se que a decisão judicial data de 08/07/2020 e, depois de mais um mês, seria fundamental que a União, através da SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena), e da FUNAI apresentassem um plano informando como está o atendimento em terras não homologadas e não apresentar um plano genérico que assevera que é necessário adotar estratégias para expansão.”

As recomendações apresentadas pelo conselho ao STF trataram da assistência integral e diferenciada; execução orçamentária; participação social e controle social; terras para a saúde indígena, demarcação dos territórios e barreiras sanitárias, moratória aos grandes projetos (mineração e energia); proteção social; e desintrusão de invasores de terras indígenas.

Para o presidente do CNDH, Renan Sotto Mayor, o conselho cumpre um papel fundamental ao auxiliar na efetividade do direito à saúde dos povos indígenas, que tanto tem sofrido com a Covid-19. “Espera-se que as recomendações elaboradas na manifestação, construídas coletivamente pelo grupo de trabalho criado no âmbito do conselho, sejam acolhidas pela União”, afirmou.

Povo Yanomami (Foto: Marcelo Seixas/Funai)

Desintrusão

Um dos pontos mais polêmicos apresentado é a retirada dos invasores de sete Terras Indígenas (TIs) na Amazônia: Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau (RO); Kayapó, Munduruku e Trincheira Bacajá (PA); Araribóia (MA); e Yanomâmi (AM/RR). Considerada a maior do Brasil (9 mil hectares no Amazonas e Roraima), a TI Yanomâmi tem infiltrado no seu território cerca de 20 mil garimpeiros.

“A desintrusão das Terras Indígenas nunca foi tão necessária e urgente. A presença de não-indígenas nos territórios representa risco à saúde dos povos indígenas, risco de contágio da Covid-19. Além disso, os invasores também limitam o direito de uso da terra pelos indígenas para a busca e cultivo de alimentos, medicamentos naturais e coleta de materiais relevantes para a construção e manutenção de suas aldeias, da sua infraestrutura de convivência comunitária. Tolerar a ocupação de terras por não indígenas implica, necessariamente, em negar aos povos indígenas as terras imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”, diz o documento citando o artigo 231 da Constituição.

Risco de genocídio

No caso dos Yanomami e Ye’kwana a situação de violação dos direitos humanos é considerada muito grave, havendo risco iminente à vida desses povos indígenas em virtude de grande presença de garimpeiros na Terra Indígena. “A situação é tão grave que a Hutukara Associação Yanomami e o CNDH ingressaram com pedido de medida cautelar junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)”, diz a instituição.

Segundo o CNDH, a situação daqueles povos já era grave antes da pandemia, agora a situação é ainda mais grave, ocorrendo o risco real de genocídio. Nesse sentido, a CIDH, observando a presença de risco aos povos indígenas concedeu medidas cautelares em desfavor do Estado brasileiro.

Estudos

 Os estudos foram realizados por um grupo de trabalho composto por diversos atores que atuam na área de proteção de direitos indígenas. Participam do grupo o presidente do CNDH, Renan Sotto Mayor, o conselheiro Leandro Scalabrin, o conselheiro Marcelo Chalréo, a conselheira Luísa de Marillac, a conselheira Eneida Guimarães e a conselheira Camila Asano.

Também estiveram presentes representantes da Defensoria Pública da União, do Ministério Público Federal, do ISA (Instituto Socioambiental), do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), da Apib, da Terra de Direitos (Maira de Souza Moreira) e do INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos), bem como as consultoras e consultores da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e do próprio CNDH.

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