Esther Solano: Por que a aprovação a Bolsonaro cresceu

Segundo pesquisadora, o auxílio emergencial e a “moderação” no discurso de Bolsonaro ajudam a explicar a pesquisa Datafolha

“Quando você está à beira da fome, sua vida está pautada por coisas muito mais concretas e mais de subsistência do que de estratos ideológicos.” É o que diz, em entrevista à BBC News Brasil, a cientista social Esther Solano, professora da USP (Universidade de São Paulo). Segundo Esther, o auxílio emergencial de R$ 600 e a “moderação” no discurso de Jair Bolsonaro estão por trás do recente aumento de popularidade do presidente detectado por pesquisa do instituto Datafolha.

Conforme o levantamento, 37% dos brasileiros consideram o governo Bolsonaro ótimo ou bom. É o maior índice obtido pela gestão de extrema-direita desde o início do mandato – e ocorre apesar da forma criminosa como o presidente lidou com a pandemia do novo coronavírus.

Na opinião de Esther, o auxílio emergencial – uma conquista da oposição ao governo federal no combate aos impactos da Covid-19 – foi convertido em um trunfo bolsonarista para ampliar sua aprovação. Tudo porque, segundo a pesquisadora, a maioria dos beneficiários não sabe que a medida tem autoria da oposição.

Confira os principais trechos da entrevista da pesquisadora:

BBC News Brasil: Vimos com o Datafolha que o aumento da popularidade aconteceu especialmente no Nordeste, um reduto tradicional do PT. O que suas pesquisas apontam como possíveis motivos para essa melhora na popularidade?

Esther Solano: Há dois pontos essenciais para o aumento de popularidade de Bolsonaro. O primeiro é a renda emergencial, que tem maior impacto entre os mais pobres. A maioria não faz ideia de que a medida é autoria da oposição. E outro ponto que aparece muito nas pesquisas é a questão da “moderação” do Bolsonaro. Um dos pontos mais críticos a Bolsonaro é que ele seria polêmico, radical demais, que ele não cumpriria com as normas do decoro e não estaria agindo como se espera de um governante. E o fato de ele estar muito mais moderado agora, e um fato importantíssimo, o fato de os filhos não aparecerem mais tanto, tem feito que a popularidade dele aumente. Porque os filhos são um ponto muito negativo na percepção de Bolsonaro.

BBC News Brasil: Você escreveu que é muito errado o discurso “de que pobre de direita é burro”. Da onde vem esse discurso? Ele atrapalha a oposição?

ES: A gente entrevista os mais pobres, e o que você vê é que a pandemia não é só uma questão de crise sanitária. É também uma questão de crise econômica para muita gente que perdeu o emprego e está desesperada. Há muita gente no Nordeste que não recebe essas ajudas clássicas do PT porque foram cortadas pelas políticas de corte orçamentário de (Michel) Temer e depois do Paulo Guedes (atual ministro da Economia). Para quem está na situação de pobreza ou desemprego, R$ 600 é diferença entre comer e não comer. A maioria não sabe que a medida é de autoria da oposição. Então, é muito pedir para que as pessoas façam opções ideológicas. Quando você está à beira da fome, sua vida está pautada por coisas muito mais concretas e mais de subsistência do que de estratos ideológicos. Não se deve falar que pobre de direita é burro porque muitos desses pobres votaram no PT, se declaravam lulistas até pouco tempo atrás. Muito pouco mudou neste estrato – o que mudou foi a estratégia do Bolsonaro. Ele entendeu que, num momento como o atual, um subsídio emergencial é extremamente importante para as pessoas e pode fazer com que sua popularidade aumente. Para quem tem fome, a ideologia está muito longe. O discurso de “pobre de direita ser burro” é claramente arrogante e preconceituoso – uma falta de entendimento e de empatia com uma situação dramática que grande parte da população passa. E obviamente atrapalha muito a oposição porque faz com que as pessoas não consigam entender o outro lado, as necessidades que as pessoas estão passando. E faz com que a militância se torne um campo muito elitizado, arrogante e fora da realidade do cotidiano. Nas entrevistas, a gente ouve muito isso – que as pessoas acham que a esquerda não está mais nos territórios, não está mais preocupada com os pobres e os trabalhadores. É um sentimento de abandono.

BBC News Brasil: Não é uma fala que ignora também que as pessoas podem votar por outros interesses, como a pauta conservadora?

ES: Sim, com certeza, muitas pessoas, inclusive entre as classes baixas, votaram no Bolsonaro muito motivadas por questões morais, ética religiosa – essa ideia de que ele é um homem de fé, ligado à tradição e aos costumes. Então, essa ideia de que “pobre de direita é burro” ignora a importância do voto religioso no campo eleitoral brasileiro. O voto religioso tem muito a ver com o voto popular. O PT teve também teve fundação religiosa, era ligado à igreja católica de base.

BBC News Brasil: Você disse que a maioria das pessoas entrevistadas não sabem que a autoria da medida de renda emergencial é da oposição. Qual o motivo?

ES: São quatro coisas: as fake news; a falta de acesso à informação; a dificuldade da oposição de ter um papel ativo na grande imprensa, para divulgar mesmo suas pautas e na própria internet; e a descredibilidade na própria imprensa, que faz com que as pessoas leiam a informação, escutem a informação, mas não acreditem. E outra coisa óbvia é que mesmo que as pessoas saibam que o auxílio é de autoria da oposição, ou não tenham isso muito claro, quem está de fato distribuindo o auxílio é o governo. E a autoria na cabeça das pessoas passa para quem outorga, quem faz a logística na entrega – então é o governo quem leva a legitimidade.

BBC News Brasil: Esse apoio que vem com a renda emergencial deve perdurar depois do fim do auxílio?

ES: O auxílio emergencial tem uma vida curta. Pode ser prorrogado por alguns meses, mas o buraco fiscal que vai deixar, se continuar por muito tempo, vai ser grande e vai provocar uma coisa muito importante, que é a briga com o Paulo Guedes. O Paulo Guedes é absolutamente fundamental para o mercado, para a classe média alta e outras instituições que apoiaram o Bolsonaro continuarem apoiando ele. A gente já viu a saída de secretários. Se o atrito foi grande e o Paulo Guedes sair do governo, o Bolsonaro vai comprar uma briga muito grande com os setores empresariais e o grande capital nacional e internacional. No final das contas, o auxílio emergencial é muito positivo para ele no curto prazo, mas no médio e longo prazo pode provocar um certo paradoxo no governo Bolsonaro. Não sei se vai ter vida longa. O Bolsonaro claramente já apostou nessa via. Ele perdeu boa parte da classe média com a saída do Moro – a classe média mais lavajatista. Então, está apostando na classe mais baixa.

Com informações da BBC Brasil

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