Com crise, pandemia e automação, metalúrgicos vivem onda de demissões

Cerca de 6 mil postos de trabalho foram eliminados nas montadoras neste ano

O metalúrgico Eder Siqueira Cardoso trabalhou 16 anos numa empresa de autopeças de São Bernardo do Campo (SP). No fim do ano passado, a chegada de um robô na linha de produção começou a incomodá-lo. Ele logo percebeu que o robô passou a fazer o trabalho que seis dos seus colegas faziam. A pandemia agravou a situação e, no início de julho, dezenas de operários perderem o emprego. Inclusive ele.

Uma nova onda de demissões já atinge autopeças e parte das montadoras. Nissan e Renault foram as primeiras a eliminar um turno inteiro de trabalho, cada uma, há poucas semanas. Na Nissan, em Resende (RJ), 398 operários foram indenizados porque a empresa decidiu dispensá-los antes do fim do período de estabilidade previsto na Medida Provisória 936 – que reduziu temporariamente salários e jornada.

Depois de três semanas em greve, os empregados da Renault aprovaram nesta terça-feira (11) um acordo que substituiu a demissão de 747 trabalhadores por um programa de demissões voluntárias. Mas, seja por meio de voluntariado ou não, a indústria automobilística tem reduzido o nível de emprego.

As crises ajudam a acelerar um processo provocado pelo aumento da automação. A última crise no setor foi entre 2014 e 2016. No ano seguinte, a produção voltou a acelerar, mas o nível de emprego não seguiu o mesmo ritmo. Entre o fim de 2013 e fim de 2019, mais de 28 mil vagas foram eliminadas nas fábricas de veículos, que hoje empregam 104 mil.

Nas últimas três décadas, a quantidade de veículos produzidos por empregado aumentou significativamente. Em 1979, cada trabalhador foi responsável pela montagem de oito veículos. Em 1989, a quantidade de veículos produzidos por empregado saltou para mais de 14. No ano passado, ficou em 26.

Aos 48 anos de idade, Eder começa a perder a esperança de voltar para uma fábrica. Já começou até a se virar com outras ocupações. Ele já fazia manutenção de celulares. Mas um incidente recente lhe abriu os olhos para uma oportunidade. Sua geladeira quebrou e ele passou três dias à espera de um técnico. Logo percebeu que a região onde mora, em Riacho Grande, em São Bernardo, é carente desse tipo de serviço.

Antes mesmo de assinar a rescisão de contrato na metalúrgica que o dispensou, ele procurou um curso de manutenção em refrigeração e diz que fará um de reparação de aparelhos de ar-condicionado antes de o verão chegar. A vida de autônomo lhe trouxe mais segurança. “No chão de fábrica, está todo mundo enforcado”, diz.

Quando em 1998 e 1999, Renault e Volkswagen, respectivamente, construíram fábricas em São José dos Pinhais, no Paraná, foi uma festa. A chegada de duas grandes montadoras abria “oportunidade de emprego qualificado e renda para a região”, lembra Jamil D’Ávila, funcionário da Volks e secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba. A região experimentou, de fato, desenvolvimento. Mas, desde então, as coisas mudaram muito.

Na Volks, por exemplo, já houve 35 turmas em layoff (suspensão temporária dos contratos) desde 2015. D’Avila afirma que foi também uma surpresa quando a direção da Renault procurou a entidade em fevereiro para rever contratos de trabalho sob o argumento da necessidade de melhorar a competitividade da fábrica. “A produção estava acelerada”, afirma. Já a empresa argumenta que os altos custos com mão de obra elevaram os prejuízos na região.

Os sindicalistas não se convenceram. Mas, com a pandemia, a negociação acelerou. Além das medidas emergenciais, para enfrentar os problemas provocados pela disseminação do vírus, a montadora fechou um acordo que flexibiliza os contratos de trabalho e permite terceirizar algumas funções, como áreas de logística.

Dirigentes das montadoras têm repetido, em entrevistas, que mais empregos serão eliminados no terceiro trimestre, com o fim do período de estabilidade previsto nos acordos firmados durante a pandemia. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea) diz que só em 2025 o ritmo de produção voltará ao nível de 2019.

As fábricas no Brasil têm capacidade para produzir 5 milhões de veículos por ano. A projeção antes da pandemia era passar de 3 milhões. A nova estimativa indica 1,63 milhão de veículos em 2020. Para o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre, que também é metalúrgico, “as empresas estão fazendo o que querem” por “falta de uma coordenação do governo”.

Ele compara a situação do emprego no País com a da pandemia. “Naturalizaram as demissões assim como fizeram com as mortes pela Covid-19”, afirma. Segundo Nobre, caberia ao governo chamar os principais setores econômicos e fazer acordos para manter o emprego, assim como ajudar mais as pequenas empresas. “Estamos numa situação de salve-se quem puder”, destaca.

O dirigente afirma que a ausência de ministérios do Trabalho e da Indústria piora a situação e revela um novo cenário. “Em situações como essa, sempre houve mesas de negociação com participação de governo, trabalhadores e empresários”, afirma. Para Nobre, o desemprego poderá levar o país a “uma crise social sem precedentes”.

Cerca de 6 mil postos de trabalho foram eliminados nas montadoras neste ano, incluindo os 747 cortes da Renault, que agora serão feitos por meio de PDV (Programa de Demissão Voluntária). Só na base metalúrgica do ABC, 2 mil vagas foram fechadas desde janeiro apenas em autopeças e pequenas metalúrgicas.

As montadoras da região têm mantido emprego por meio de acordos de redução de salário e de jornada, além de layoff. “Estamos usando todas as prorrogações que permitem manter os trabalhadores”, diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana.

Ele teme que a crise leve demitidos a aceitar empregos com condições precárias de higiene, segurança e de salários. “Propostas que os trabalhadores da categoria não aceitariam cinco ou seis meses atrás”, destaca. Santana também tem receio de que demissões nas empresas maiores provoque uma reação na cadeia “até como resultado de um efeito psicológico”.

Antes da pandemia, o ABC já viveu o drama do fechamento da fábrica da Ford, em São Bernardo em novembro, com a eliminação de 2.800 postos de trabalho. Em junho, a empresa anunciou a venda da área para uma construtora. O plano é transformar a antiga fábrica de carros em galpões de uso logístico.

Com informações do Valor Econômico

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