Teletrabalho chega a 64% entre brancos, mas fica em 34% entre negros

A maioria dos que estão em teletrabalho também têm curso superior, segundo nota técnica do Ipea.

Para economista, flexibilização é forma de o capital transferir os custos produtivos para os trabalhadores

Uma nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica profunda desigualdade no acesso ao teletrabalho entre os brasileiros. Segundo levantamento do Ipea baseado em dados da Pnad Covid-19, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os que trabalhavam sob o modelo em junho, 63,8% eram brancos e 34,4% pretos e pardos.

O Ipea calculou ainda a proporção de pessoas brancas e negras (pretas e pardas) que poderia estar em teletrabalho, com base na metodologia de Dingel e Neiman (2020) aplicada a dados da Pnad Contínua. Esse percentual fica em 58,3% para a população branca e, para pretos e pardos, em 41,7% – 7,3 pontos percentuais acima da quantidade de pessoas negras que estão, efetivamente, em trabalho remoto.

Além disso, do contingente que estava em teletrabalho em junho, 73,6% tinham nível superior, 24,1% possuíam de ensino médio completo a superior incompleto e apenas 1,7% tinha entre ensino fundamental completo e ensino médio incompleto.

O sociólogo Clemente Ganz Lúcio, especialista em trabalho, afirma que a causa provável da disparidade é que as atividades em que é possível implantar o teletrabalho são predominantemente de nível superior e ocupadas por brancos.

“Provavelmente nesse tipo de atividade, mais administrativa, a predominância de brancos é muito maior. Se a gente tivesse teletrabalho lá na base da produção, talvez a lógica se invertesse. A limpeza do prédio não dá para ser a distância. Você tem uma desigualdade estrutural [entre brancos e negros] no acesso à escola, universidade”, diz.

Setor público e privado

O estudo mostrou ainda que, apesar da pandemia, a quantidade de brasileiros em teletrabalho está abaixo do potencial para a modalidade, tanto no setor público quanto no setor privado. No entanto, entre maio e junho houve crescimento do trabalho remoto entre funcionários do setor público e queda entre os trabalhadores do setor privado.

No setor público, 24,7% estavam em teletrabalho em junho, 1,9 ponto percentual acima dos 22,8% registrados para maio. O teletrabalho potencial entre os funcionários públicos ocupados chega a 50,7%, segundo o Ipea. Já no setor privado, a proporção de pessoas ocupadas em trabalho remoto ficou em 8,2% em maio e caiu para 8% em junho. O teletrabalho potencial fica em 18,6%.

Homens e mulheres

Ainda de acordo com a nota técnica, o teletrabalho é mais comum entre mulheres do que entre os homens. Além disso, entre maio e junho, diminuiu a proporção de teletrabalho masculino e cresceu a de teletrabalho feminino.

Em maio, a proporção de homens em teletrabalho entre era de 46,4% e caiu para 44,5% em junho. O teletrabalho potencial para homens foi calculado em 41,5%. Já as mulheres eram 53,6% em maio e chegaram a 55,5% em junho. O teletrabalho potencial calculado para elas ficou em 58,5%.

Futuro e desafios

O sociólogo Clemente Ganz Lúcio explica que há diferenças entre home office e teletrabalho. O home office significa cumprir horário em casa. Já o conceito de teletrabalho pode incluir o home office, mas se refere ao uso da tecnologia para que algumas atividades possam ser feitas de maneira remota. O termo telebrabalho pode ser aplicado no caso de um técnico de elevador, por exemplo, que antes precisava ir fisicamente à empresa receber a agenda do dia e bater ponto, mas, por decisão do empregador, foi liberado para ir de casa direto para o atendimento aos clientes.

Segundo o sociólogo, é preciso observar como as empresas lidarão com a questão do trabalho remoto no pós-pandemia. “Uma coisa é olhar para uma situação de emergência, outra coisa é ver se as empresas vão adotar em sua forma organizativa. Eu acho que o uso do teletrabalho tende a se consolidar, pois vai facilitar uma série de ocupações e desenvolver outras”, avalia.

Ele afirma, ainda, que junto com novos modelos de trabalho vêm desafios na proteção ao trabalhador. “A regulação do trabalho vai ter que ser resolvida. É provável que, para cada situação, tenha que se pensar no controle de jornada, nas condições de trabalho, no custo do equipamento, no desgaste. Quem paga a alimentação desse trabalhador na rua? A empresa vai bancar?”, exemplifica.

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