Espanha: Comunistas defendem o fim da monarquia

O rei emérito da Espanha, Juan Carlos I, fugiu do país nessa última segunda-feira (3), para escapar de investigações que o envolvem em graves acusações de corrupção. O Partido Comunista da Espanha (PCE), divulgou, nesta quarta-feira (5), um comunicado onde exige o fim da decrépita monarquia e a instalação de uma República.

Pichação do rei Juan Carlos na cidade de Valencia, Espanha / Foto: EPA-Biel Alino

Entendendo o caso

Juan Carlos I tornou-se rei por obra e graça do ditador fascista Francisco Franco, que restaurou a monarquia e o indicou para o trono em 1969. A burguesia espanhola credita a Juan Carlos um grande mérito na reconquista da democracia, quando na verdade a heroica resistência popular espanhola já havia tornado insustentável o regime franquista.

Juan Carlos lidera, depois da morte de Franco, uma transição “pelo alto”, negociada com a oposição “moderada”, onde conseguiu garantir para si próprio, como Rei, o papel de chefe de Estado e de comandante supremo das Forças Armadas. Desta negociação também resultou uma lei que dá ao Rei imunidade diante dos atos praticados em seu reinado.

Porém, em 2014 Juan Carlos I abdica, depois de uma série de escândalos de corrupção na família real, rapidamente abafados após sua renúncia.

Seu filho, Felipe VI, assumiu o trono, e com ele, herdou também a chefia do Estado espanhol e o comando supremo das Forças Armadas.

Juan Carlos I ficou com o título de “Rei Emérito”, mas um pouco da poderosa blindagem que o protegia mostrou-se mais vulnerável.

Em março de 2020, investigações com origem na polícia judiciária suíça apontavam que Juan Carlos I teria recebido, em 2008 (portanto, ainda durante seu reinado), 100 milhões de dólares da família real saudita como comissão em um negócio milionário envolvendo a construção de uma linha de trens de alta velocidade entre Meca e Medina. Neste mesmo mês, para escapar de qualquer consequência do escândalo, Felipe VI renuncia à herança do pai que tenha origem em contas no estrangeiro.

No dia 8 de junho a Suprema Corte espanhola abre investigação sobre o caso. Em julho, o jornal El Espanhol divulga documentos que provam a transferência de 100 milhões de dólares do Ministério das Finanças da Arábia Saudita para uma conta do rei emérito, em uma instituição bancária de Genebra. Para piorar, a ex-amante do rei, Corinna Larsen, confessou às autoridades suíças ter recebido desta mesma conta, em 2012, 65 milhões de euros, que Juan Carlos I teria lhe ofertado por “gratidão e amor”.

Corrina Larsen recebeu, da conta de Juan Carlos em Genebra, 65 milhões de euros

Enfim, nesta última segunda-feira, depois que o Rei fujão já estava em seu Castelo em Cascais, Portugal, a Casa Real espanhola comunicou que foi notificada da decisão de Juan Carlos de sair do país (“para preservar a monarquia espanhola”) e que Felipe VI transmitiu ao pai o “profundo respeito e agradecimento por sua decisão”.

Tanto a fuga quanto a nota da Casa Real enfureceram os espanhóis. O PCE, em texto assinado pelo Secretariado Nacional, diz que “a proposta de uma república federal e solidária que reflita a pluralidade nacional da Espanha e onde se garantam integralmente os direitos sociais, civis e políticos a todas as pessoas, é a opção majoritária de nosso povo”. Leia, abaixo, o comunicado dos comunistas espanhóis.

Wevergton Brito Lima, editor do i21

Comunicado do Secretariado do PCE diante da fuga de Juan Carlos de Borbón

A fuga da Espanha de Juan Carlos de Borbón é o último episódio de uma sucessão de atos execráveis ​​perpetrados por membros da Casa Real nos últimos anos, atos sem a menor ética, impróprios para pessoas que detêm responsabilidades ou representação pública e além disso, em muitos casos, atos claramente criminosos que o sistema judicial sempre recusou investigar com base em uma suposta imunidade que na Espanha foi interpretada tão extensivamente que acabou se tornando impunidade.

O Chefe de Estado mais uma vez demonstrou que não está à altura da tarefa. Em vez de dar uma lição de transparência e exemplo, colocando-se à disposição da Justiça para esclarecer as acusações muito sérias que pesam sobre o rei Emérito, ele emite uma nota, sem dar explicações adicionais aos cidadãos, a cada dia mais perplexos e enojados, enquanto as forças políticas, econômicas e midiáticas do regime tentam construir um “cordão sanitário” para proteger a monarquia e justificar o injustificável, ainda mais quando o injustificável ocorre no contexto da grave crise econômica e de saúde que estamos enfrentando.

O PCE sempre sustentou que a democracia na Espanha foi conquistada pelo povo espanhol e, especialmente, pela classe trabalhadora e pelos setores sociais que mantiveram a resistência antifranquista durante os 40 anos de ditadura, e não exatamente uma família ou pessoa que herdou a chefatura do Estado como legado político e por decisão de um ditador.

Nossa opção republicana é uma questão de profundas crenças democráticas e não repousa sobre animosidade em relação a uma família ou pessoa que detém a liderança do Estado. Denunciamos politicamente e perante os tribunais quais foram as atividades criminosas claras do ex-chefe de Estado, permitidas e facilitadas por uma estrutura constitucional que confundia inviolabilidade por atos de Estado próprios de funções constitucionais, com a mais absoluta impunidade para realizar qualquer crime, tudo coberto pela absoluta falta de transparência que permitiu o enriquecimento de Juan Carlos de Borbón em paralelo com o empobrecimento do povo espanhol desde 2008.

A “República Espanhola” na visão de um artista espanhol

A fuga de Juan Carlos de Borbón coincide com a primeira investigação aberta a seu respeito – apenas alguns Processos Informativos do Ministério Público, sem o valor de uma investigação judicial – para investigar os mesmos crimes que o sistema judiciário suíço já está investigando. São até sete crimes relacionados a ações supostamente corruptas e fraudes contra o Tesouro Público.

A imagem de um ex-Chefe de Estado que durante seus anos de exercício institucional acumulou uma imensa fortuna é inaceitável para a maioria do nosso povo. Da mesma forma, uma justiça digna do nome deve agir para impedir que alguém escape de sua ação, especialmente quando é uma fonte de embaraço e vergonha para um país inteiro.

A democracia espanhola não estará completa até que nosso povo possa escolher todas as instituições representativas, incluindo o chefe de Estado, como a grande maioria das democracias contemporâneas mais avançadas. Além disso, no nosso caso, o chefe de Estado, não eleito e hereditário, é também o chefe das forças armadas, de maneira irremovível e sem qualquer mecanismo constitucional pelo qual se possa exigir responsabilidade do chefe das forças armadas. Exércitos que hierarquicamente não se subordinam ao poder civil, mas à única posição institucional não elegível ou referendada desde que foi nomeada pelo ditador, mostram uma realidade institucional na Espanha que pode ser claramente melhorada. Se, além disso, essa monarquia carece dos valores éticos mínimos exigidos, coloca o lucro pessoal antes do interesse comum, projeta uma imagem vergonhosa da Espanha para a comunidade internacional e é incapaz de cuidar da coesão territorial do Estado, a conclusão é evidente: não tem utilidade alguma, sendo, antes, um ônus político e econômico, um ônus para um país que passou por sucessivas crises econômicas e sociais que tiveram um impacto muito negativo nas condições de vida da maioria social.

Povo festeja a chamada “segunda república” espanhola, proclamada em 14 de abril de 1931

Por mais de oitenta anos, os espanhóis e espanholas não elegeram o chefe de Estado. Não é possível continuar impedindo o debate social sobre o modelo estatal na Espanha com argumentos e justificativas de outro século e de outra era política. Estamos convencidos de que a proposta de uma república federal e solidária que reflita a pluralidade nacional da Espanha e onde se garantam todos os direitos sociais, civis e políticos a todas as pessoas, é a opção majoritária de nosso povo neste momento.

Madri, 5 de agosto de 2020

Fonte: Site do PCE / Tradução da redação do i21/Portal Vermelho

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