Entregadores querem criar cooperativa para trabalhar sem patrão

Enquanto entregadores de aplicativos vão às ruas reivindicar melhores rendimentos e condições de trabalho, parte do grupo busca solução alternativa: a autogestão.

Enquanto entregadores de aplicativos como iFood, Uber Eats e Rappi vão às ruas reivindicar melhorar suas condições de trabalho e rendimentos, parte desse contingente de trabalhadores está se organizando de outra forma. A BBC Brasil noticiou nesta semana que integrantes do movimento Entregadores Antifascistas querem fundar uma cooperativa com aplicativo de entregas próprio.

“A luta não é só por melhoria dentro do aplicativo. Até porque muito foi refletido internamente de que lutar por melhoria dentro do aplicativo não resolve nossos problemas, né? Os donos de aplicativos querem encher o bolso de dinheiro, não querem de fato melhoria do trabalho do entregador”, afirmou à reportagem da BBC Eduarda Alberto, entregadora do Rio de Janeiro que levou a ideia da cooperativa para dentro do movimento junto com o colega Alvaro Pereira.

“Então, eles [grandes empresas] podem até fazer alguma coisa [atender alguma reivindicações] para calar nossa boca, mas a única possibilidade de melhora mesmo é com autogestão”, afirma ela, que é também estudante de Arquitetura e Urbanismo na UFRJ.

No entanto, o processo de criar uma cooperativa para concorrer com grandes plataformas de entrega não é simples nem barato. Apenas o desenvolvimento inicial de um aplicativo enxuto do tipo custa cerca de R$ 500 mil, segundo pessoas do setor consultadas pela BBC.

Para tentar transformar a ideia em realidade, os Entregadores Antifascistas contam com o apoio voluntário de advogados, economistas, programadores e estudiosos do cooperativismo de plataforma — conceito criado por Trebor Scholz, intelectual e ativista americano, para o fenômeno crescente no mundo de uso das ferramentas digitais por cooperativas. Uma das ideias por trás desse movimento é que os trabalhadores se apropriem da lógica da plataforma, usando os algoritmos em seu favor.

Os Entregadores Antifascistas têm buscado inspiração em cooperativas de entrega que já existem no exterior, embora, em geral, sejam ainda iniciativas recentes que contam com cerca de 20 a 30 entregadores apenas. É o caso da Mensakas, criada em Barcelona a partir de um movimento grevista contra a Deliveroo (empresa de entregas forte na Europa) em 2017.

O grupo brasileiro está também em contato com a CoopCycle, uma federação que reúne 30 cooperativas do tipo, sendo 28 na Europa e duas no Canadá. Sediada na França, ela permite que cooperativas em diferentes cidades compartilhem serviços, como uso de um software e aplicativo comuns, com objetivo de baratear custos.

Eduarda Alberto conta que os apoiadores do movimento já realizaram a tradução do aplicativo da CoopCycle para o português e agora trabalham em como adaptar a plataforma para um sistema de pagamentos que opere no Brasil. Outra dificuldade está sendo incluir o serviço de motos no sistema da federação europeia, cujo aplicativo só opera com bicicletas.

“O primeiro desafio está sendo convencer a galera do Coopcycle a inserir motocicleta na própria plataforma deles, porque pouparia muito trabalho de desenvolvimento. Se não for viável, a gente vai desenvolver uma nova em cima do código aberto que eles liberam”, diz a entregadora.

“Eles só aceitam bicicleta por uma questão ideológica de desempenho ambiental que eu respeito muito, mas que surge dentro de uma realidade europeia muito diferente da brasileira”, ressalta.

Enquanto o aplicativo não sai do papel, Eduarda Alberto acaba de criar com mais seis colegas do ramo o coletivo de entregas Despatronados. Assim, esperam ter uma rede de entregadores e clientes no Rio de Janeiro quando a cooperativa virar realidade. Desde terça-feira (21), quando o site entrou no ar, 36 pessoas se inscreveram interessadas em entrar no coletivo. Segundo a entregadora, a rede já tem 190 clientes cadastrados, que podem acionar a entrega pelo WhatsApp.

“Já levamos de potes de nozes a documentos para autenticar em cartório. Ainda estamos trabalhando somente com agendamento, enquanto o app está em desenvolvimento. Aí, ainda não conseguimos atender pedidos de restaurantes sob demanda”, contou.

Coletivo de mulheres e LGBTs tenta ter aplicativo desde 2018

A reportagem da BBC revela ainda que os Entregadores Antifascistas não são os primeiros a tentar usar a tecnologia da CoopCycle no Brasil e esbarrar em alguma dificuldade. O Señoritas Courier, um coletivo de entregas por bicicleta em São Paulo formado apenas por mulheres ou pessoas LGBT, não conseguiu usar a plataforma porque a federação só aceita cooperativas, conta a fundadora do grupo, Aline Os.

É ela que gerencia as entregas por meio do WhatsApp e o Instagram, atendendo a uma rede de clientes “com valores alinhados ao do coletivo, como marcas veganas ou que valorizem a economia feminista e a economia negra”.

“Faço tudo na mão. Em 2018, inscrevi o coletivo em vários editais de fomento para projetos sociais, tentando conseguir os recursos para um aplicativo, mas nenhum aceitou e continuamos atuando como um coletivo informal”, lembra ela.

Agora, o Señoritas Courier está avaliando fazer uma vaquinha online para levantar cerca de R$ 8 mil para os gastos de criar uma cooperativa, como contratação de advogado e contador e o pagamento de taxas de cartório.

“Esse ano, com o crescimento da quantidade de clientes e bikers por causa da pandemia, vimos que a cooperativa é uma saída interessante. Mas algumas integrantes ainda estão na dúvida, pois hoje elas têm algumas vantagens [menos impostos] atuando como MEI [microempreendedor individual]”, relata.

Com informações da BBC Brasil

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