Conselho de Direitos Humanos pede exumação de indígenas em Roraima

A solicitação foi feita após três bebês Yanomami, vítimas da covid-19, serem enterrados sem autorização das mães e nem conhecimento dos locais

Aldeia Yanomami (Foto: Odair Leal/Reuters)

Em decorrência do enterro em Boa Vista (RR), em maio passado, de três bebês Yanomami vítimas da covid-19, sem autorização das suas mães e conhecimento do local, o CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) pediu as autoridades a exumação dos corpos de todos os indígenas mortos pela doença naquele estado. O Conselho diz que essa possibilidade está prevista no Plano Integrado de Contingência de Sepultamentos de Roraima.

Os Yanomami têm por tradição realizar rituais longos de homenagem aos seus mortos que são cremados com a presença de representantes de várias aldeias. No entendimento do CNDH houve um desrespeito as tradições daquele povo.   

Como órgão de estado, o CNDH tem representantes do governo e da sociedade. A conselheira Eneida Guimarães, da UBM (União Brasileira de Mulheres), informou que o caso está sendo acompanhado por Alisson Marugal, procurador da República naquele estado.

“A situação dos indígenas no Norte do país é muito difícil. Eles estão passando por muito constrangimento e enfrentando uma linha de extermínio por conta da covid-19. O estado não está fazendo nada por essa população. As mulheres dos militares, por exemplo, estiveram nas aldeias doando roupas e fazendo maquiagem nas mulheres indígenas, uma população vulnerável diante da doença”, protestou a conselheira.

Segundo ela, o CNDH tomou como primeira providência a divulgação de uma nota pública sobre o problema de Roraima e passará agora a fazer as recomendações. “Prestamos solidariedade as mães indígenas por tanta desumanidade, imagina não poderem fazer os rituais. Elas levam mingau de banana para as aldeias com a cinza dos mortos para se alimentar”, explicou.

Na nota, o CNDH diz que estão sendo feitas mediações para garantir políticas e serviços de qualidade no atendimento à saúde dos povos indígenas em todo o país. O objetivo é que se proceda “diálogo respeitoso diante de quaisquer providências a serem tomadas, considerando o próprio costume dos povos originários.”

O CNDH quer que “os povos originários possam cumprir as celebrações do rito em respeito à memória dos seus mortos, a posteriori, sob as expensas do poder público como responsabilidade do Estado.”

Criança indígena Yanomami (Foto: Dung Nguyen/Funai)

O caso

O órgão explicou que três mulheres do grupo Sanöma, da etnia Yanomami, foram afastadas da sua aldeia denominada Auraris juntamente com seus bebês e levadas para Boa Vista com suspeita de pneumonia. Quando internadas nos hospitais as suas crianças foram contaminadas pela covid-19 e morreram.

“Imediatamente, as mulheres indígenas foram apartadas de seus filhos sem saber que os corpos dos bebês seriam enterrados – e foram. É como se os corpos de seus bebês desaparecessem tornando para elas um peso ao voltarem para a aldeia sem levarem os corpos de seus filhos. Se isso ocorre é como se tivessem deixado na cidade uma parte delas mesmas, então ficariam a perambular sem rumo”, conta o CNDH.

Por envolvimento no caso do Hospital Geral de Roraima, do Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazaré e do Hospital da Criança Santo Antônio, o CNDH apontou como prioridade uma reestruturação das coordenações indígenas para que possam contar com intérpretes em seus quadros.

“Assim também ao administrador do Cemitério Campo da Saudade para que providencie um espaço reservado aos corpos de indígenas da etnia Yanomami, para garantir a posterior identificação do local de sepultamento”, diz a nota.

Tradição

Segundo o Conselho, reza a tradição indígena que enterrar o “corpo de um Yanomami é arrancá-lo do mundo dos humanos, tornando-se um processo inconcluso, sem paradeiro para a própria alma”. “O ritual mortuário, reahu, deve ser realizado na própria aldeia dos parentes do falecido, onde suas cinzas funerárias devem ser partilhadas entre seus parentes.”.

Para que o corpo de um indígena possa morrer para si e para a comunidade há um rito. “Entre os povos indígenas os corpos de seus parentes amados que perderam vida passam por um ritual com celebrações na própria comunidade, onde recebem a presença de povos de outras aldeias fortalecendo laços. Essas cerimônias podem durar meses e até anos para então ocorrer à consagrada cremação. Após então, se dá o destino às cinzas e assim no cumprimento do rito o morto pode morrer para si e para a comunidade – descansando para o sagrado”, explicou.

 “Acrescente-se a isto tudo a falta de transparência, como foi o caso com essas mães, ao não serem comunicadas da morte de seus filhos nem ao menos consultadas sobre o destino dos corpos dos bebês num total desconhecimento das tradições de um povo.”

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