União Europeia: A presidência alemã

A Alemanha assumiu a presidência rotativa do Conselho da UE, órgão co-legislador que reúne os governos dos 27 Estados-Membros. Por João Ferreira*

O programa da presidência alemã aponta claramente para o que esta espera de um processo de integração do qual é a primeira e principal beneficiária.

Aguarda-se a rápida aprovação do Quadro Financeiro Plurianual, o pacote financeiro que vai determinar os orçamentos da UE até 2027, além do denominado “fundo de recuperação”, desenhado pela própria Alemanha e pela França, ainda no decurso da anterior presidência.

Quanto ao orçamento, a política de coesão continuará a diminuir o seu peso relativo. Os fundos estruturais e de coesão, na melhor das hipóteses, manter-se-ão ao nível atual, provavelmente serão reduzidos.

Desta feita, o orçamento será complementado pelas transferências provenientes do “fundo de recuperação”. A lógica de distribuição das verbas deste fundo é distinta da inerente aos fundos da coesão. A Alemanha, que o concebeu, receberá dele sensivelmente o dobro de Portugal, a França mais do dobro.

Quanto às demais prioridades da presidência alemã, elas falam por si.

O aprofundamento e alargamento do mercado único adquire incontornável preponderância. Da digitalização às tecnologias da saúde, passando pela estratégia para os dados, todo um roteiro à medida dos interesses do capital industrial alemão, incluindo em setores emergentes. Também no setor financeiro se projetam as ambições do grande capital alemão, com a União dos Mercados de Capitais e a prevista conclusão da União Bancária – segundo uma nova proposta de autoria da própria Alemanha, que lhe vinha resistindo e que avança agora com condições tais que impulsionariam, ainda mais, a concentração monopolista do setor à escala europeia.

A lubrificação dos canais pelos quais circulam as mercadorias e os capitais no mercado único europeu torna-se, assim, um desiderato primordial. Num contexto de agravamento das desigualdades, motivado desde logo pelas diferenças abissais de recursos injetados pelos Estados nas respectivas economias, tal agravará as já desiguais condições de concorrência no mercado único, promovendo uma ainda maior concentração e centralização de capital.

Papel fulcral nos planos alemães desempenha a legislação relativa às ajudas de Estado, que, não por acaso, esta presidência prevê que seja revista nos próximos seis meses.

Quanto à circulação da força de trabalho, também se prevê que venha a ser ajustada às necessidades de mão-de-obra do capital. É esse o sentido das medidas na calha no domínio das migrações, ainda e sempre sob o desígnio da “Europa fortaleza”.

A chamada reindustrialização, com a “relocalização das cadeias de valor estratégicas”, sem que em nenhum momento se abordem seriamente as causas da “desindustrialização”, insere-se num equívoco conceito de “soberania europeia”, legitimando um quadro de divisão internacional do trabalho no espaço europeu determinado pelos interesses dos países do centro e profundamente desfavorável à periferia.

A evolução recente e prevista da UE confirma a sua natureza capitalista e a intrínseca dinâmica de divergência que a caracteriza.

* Membro do Comitê Central do Partido Comunista Português (PCP)

Fonte: Avante!