Paulo Guedes é quem melhor representa o bolsonarismo

Cobertura midiática tenta afastar as figuras do ministro e do presidente, mas ele é o maior articulador do governo, analisa pesquisador.

(Foto: Reprodução)

O protagonismo do ministro da Economia, Paulo Guedes, no governo Bolsonaro é o que está por trás das tentativas da cobertura da imprensa tradicional de dissociar as figuras do ministro e do presidente. “Não adianta a gente falar mal do Bolsonaro, chamá-lo de autoritário, e tentar ao mesmo tempo distanciá-lo de Paulo Guedes. Isso nos distancia do que na verdade a gente deveria analisar”, afirma o professor da Universidade Federal do ABC Fernando Cássio, que ao lado do também pesquisador Marco Antonio Bueno Filho assina artigo sobre a reunião ministerial de 22 de abril, que teve vídeo divulgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“O fato é que o Paulo Guedes é o bolsonarismo”, disse Fernando ao jornalista Glauco Faria, em entrevista no Jornal Brasil Atual nesta sexta-feira (10). “Quando aquela reunião ministerial de 22 de abril veio à tona, a cobertura, especialmente na grande imprensa, foi muito focalizada no Salles (Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente), na Damares Alves (ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos) e o Abraham Weintraub (ex-ministro da Educação). O próprio Salles está na situação que está por conta disso”, afirma Fernando.

Economista ideológico

“Mas eu fiquei impressionado, na verdade, com as falas do Paulo Guedes”, acrescenta o professor. “São as falas que mais representam aquele governo e aquele projeto. E usamos os nossos métodos de pesquisa, que utilizamos para analisar documentos ou entrevistas nos nossos projetos de pesquisa, para olhar aquele momento, aquelas 70 e poucas páginas de transcrição.”

Os métodos de análise do discurso aplicados à reunião mostram que o ministro Paulo Guedes condensa todos os assuntos do governo, e é ele quem melhor porta o discurso do governo Bolsonaro. “Ele é a cara do bolsonarismo no governo.”

Desde a campanha eleitoral, Guedes vem se construindo como uma espécie de professor de Jair, empenhado em “ensinar” que toda intervenção estatal na economia deve ser evitada. Desligado da “ala ideológica” de ministros, os olavetes, ele tido como técnico pela imprensa, que não cansa de criar falsas polêmicas de que Bolsonaro vai romper com o economista, previsões que nunca se confirmam.

Na reunião de 22 de abril, a pessoa mais saudosa dos tempos da Educação Moral e Cívica e da OSPB [Organização Social e Política Brasileira] nas escolas brasileiras não foi Jair e nem ninguém do séquito presidencial de puxa-sacos. “Foi o ministro que leu Keynes ‘três vezes no original’ antes de aterrissar em Chicago, e que propôs que a melhor forma de tocar grandes obras no país sem gastar muito seria fazer uso da mão-de-obra semiescrava de jovens pobres em campos de trabalho militar”, ressalta os pesquisadores. É o mesmo ministro, lembrem-se, que chamou servidores públicos de parasitas e criticou a cotação do dólar que permitia que “empregadas domésticas fossem para a Disney”.

“Talvez o Mercado não admire Paulo Guedes tanto quanto Bolsonaro, mas certamente prefere fingir que ele e o chefe são muito diferentes”, dizem Fernando e Bueno Filho no artigo.

“A pessoa tem que entender. Se não quer entender, paciência, pô! E eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção. Nos bancos eu falo com o Paulo Guedes, se tiver que interferir. Nunca tive problema com ele, zero problema com Paulo Guedes. Agora os demais, vou! Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações”, diz Bolsonaro na reunião. A imprensa ignorou as eventuais interferências bancárias do presidente.

Os autores do artigos chegam a afirmar que o ministro da Economia não apenas reproduz a verborreia bolsonarista, mas é rigorosamente um dos membros mais “ideológicos” do governo. Segundo eles, não há separação entre a “técnica” e a “ideologia” quando Paulo Guedes cita Hjalmar Schacht, ministro da Economia da Alemanha nazista (1934-1937), uma menção nazista deste governo, que passa desapercebida da imprensa: “A reconstrução da Alemanha, a reconstrução da Alemanha na Segunda Guerra, na Primeira Guerra com o Schacht. A Segunda Guerra, com o Ludwig Erhard, […] a reconstrução da economia do Chile com os caras de Chicago. […] o caso da fusão das duas Alemanhas. Eu conheço profundamente, no detalhe, não é de ouvir falar. É de ler oito livros sobre cada reconstrução dessa.”

Investimento público

“Na reunião, Guedes defende de maneira bastante natural que o investimento público é errado, que temos de fazer só investimento privado. Mas se vocês querem investimento público, coloquem os jovens pobres, aprendizes, dentro dos quartéis para fazer lá construção de estradas. E paga lá para aquele jovens pouco escolarizados R$ 200, R$ 300”, diz Fernando, citando o discurso do ministro.

“Faz ginástica, canta o hino, bate continência. De tarde, aprende a ser um cidadão, pô! Aprende a ser um cidadão. Disciplina, usar o tempo construtivamente, pô!”, diz a transcrição da reunião.

Conforme mostra o artigo, a ideia do ministro é que em alguns meses poderia haver o andamento das obras no país e o governo ainda diria que está fazendo investimento público. Walter Braga Netto, o ministro-chefe da Casa Civil encarregado de apresentar a sequência de slides sobre o Plano Pró-Brasil – a verdadeira pauta da reunião – foi praticamente eclipsado pela exuberância verbal do ministro da Economia.

Assim que Braga Netto concluiu a apresentação de slides, por exemplo, o presidente disse: “Vamos dar a palavra ao Paulo Guedes, […] com todo respeito aos demais, acho que é o ministro mais importante nessa missão aí”. A missão em questão era o Plano Pró-Brasil, cujos fundamentos seriam imediatamente desconstruídos pelo ministro da Economia, complementam os autores, especialmente por prever investimentos públicos desenvolvimentistas.

O sarcasmo com que Guedes se dirige a Damares Alves na reunião, zombando de forma machista de sua preocupação com os “brasileirinhos desprotegidos” ante a liberação dos resorts-cassinos (em áreas de proteção ambiental, aliás), agrada Bolsonaro. Na análise dos professores da UFABC, o ministro da Economia tem raciocínio rápido e uma língua ferina, usa argumentos simples e não tem medo de confrontar cinicamente os seus pares.

“Ao olhar o conteúdo daquela reunião, você vai descobrir quem é esse personagem que está no centro da reunião. É a ele que as pessoas se dirigem, é a ele que precisam convencer. Na realidade, é ele que inclusive dirige as intervenções do presidente na reunião”, afirma o professor da UFABC.

Fernando Cássio avalia que Guedes tem muita liberdade para lidar com Bolsonaro. “Quando a gente observa isso, vê como a cobertura relacionada à economia e ao ministro é desconectada da realidade. É intencionalmente desconectada.” 

É verdade que as falas de Guedes na reunião sobre “OSPB nas escolas” (p. 64), “jovens nos quartéis a R$ 300 mensais” (p. 64), “cassinos e jogos de azar” (p. 64-65) e “privatização do Banco do Brasil” (p. 70) também geraram pequenas matérias de imprensa. No entanto, todas essas falas ficaram de fora dos recaps didáticos dos grandes portais de notícias e dos compactos televisivos com os “melhores momentos” da reunião. Foram, ao contrário, relatadas na melhor tradição do jornalismo declaratório e ocuparam as colunas de opinião de forma apenas marginal.

Com informações da Rede Brasil Atual

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