Pesquisa do IBGE revela retrocessos em inovação no Brasil

Dados da Pintec 2017 mostram falta de incentivo de financiamento governamental para as empresas inovarem – restando a opção do autofinanciamento para as que têm essa condição, geralmente as maiores. Evidenciam também que o país não prioriza investimentos em Ciência, Tecnologia & Inovação.

Brasil teve retrocesso no investimento em inovação.

Países que não investem suficientemente em Ciência, Tecnologia & Inovação (C,T&I) apresentam problemas de crescimento e acabam dependentes de países ricos, dificultando seu pleno processo de desenvolvimento. Em meio às circunstâncias atuais da pandemia com o novo coronavírus e com os problemas econômicos que decorrem, em grande medida, da própria pandemia, a Pesquisa de Inovação (Pintec, realizada pelo IBGE) de 2017 passou largamente despercebida, não obstante tenha apresentado resultados importantes e que devem ser observados com o devido cuidado.

Primeiramente, é bom destacar que as atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) envolvem tecnologias físicas (laboratórios, por exemplo) e sociais (divisão de trabalho entre cientistas, coordenação e organização), além de uma série de instituições que devem servir para auxiliar no processo de avanço tecnológico.

Dadas as precariedades desses arranjos no Brasil, pode-se conceituar o Sistema Nacional de Inovação (SNI) brasileiro como não maduro. Historicamente, nesse contexto de atraso das instituições necessárias ao progresso tecnológico, além de dificuldades no ambiente macroeconômico, as empresas nacionais agiram defensivamente, com redução de gastos em P&D.

Enquanto isso, as filiais dos grandes grupos transnacionais (em sua grande maioria presentes no Brasil), em geral, apenas ingressavam no país com o intuito de acessar o mercado interno brasileiro para conhecer melhor seus gostos e costumes. Portanto, essa visão de estrita redução de custos se junta à característica de uma indústria nacional cuja função principal no processo se trata de adaptar os produtos à demanda interna. Isso leva à indústria brasileira a um papel semelhante às das maquilas, dependentes de tecnologia e capital estrangeiros.

Em segundo lugar, é sempre válido lembrar a importância da qualificação do SNI para o desenvolvimento de qualquer país. Isso não somente para qualificar os produtos nacionais, diferenciando-os com inovações de todo tipo e qualificando e incrementando as exportações de bens mais complexos, como para apresentar inovações de processo que elevam substancialmente a produtividade interna das firmas.

Além disso, é necessário um mínimo de maturidade do SNI para que o país se aproveite da “janela de oportunidade” oferecida pela diferença tecnológica entre os países atrasados (em desenvolvimento) e os países líderes (desenvolvidos), qual seja, a possibilidade de imitação – ao contrário dos grandes dispêndios necessários para que os países que já se encontram na fronteira tecnológica realizem inovações e tenham ganhos de produtividade.

Dito isso, tivemos a recente publicação da Pintec 2017, que cobre o triênio 2015-2017 acerca de empresas dos setores de indústria, de eletricidade e gás e de serviços selecionados. Com essa pesquisa, podemos fazer um diagnóstico de como esteve o ambiente inovativo no Brasil no período e comparar com anos anteriores.

De um universo de cerca de 120 mil empresas, 33,6% foram inovadoras em produto ou em processo no triênio, em queda relativamente aos triênios anteriores – 35,7% em 2009-2011 e 36% em 2012-2014. O impacto mais relevante veio da indústria, com queda de 36,4% para 33,9%. A composição do tipo de inovação também se alterou, sendo que a inovação só de produto passou de 3,9% para 5,1% das empresas; só de processo passou de 17,5% para 14,8%; e de ambas passou de 14,6% para 13,7%.

Os dispêndios em atividades inovativas entre as empresas inovadoras passaram a 67,3 bilhões de reais em 2017 ou 1,95% da receita líquida de vendas. Esse valor é relevante por demonstrar o esforço inovativo das empresas para se diferenciar de alguma maneira das demais firmas.

Como observado na Tabela 1, na indústria, o dispêndio em aquisição de máquinas e equipamentos relação às receitas líquidas de vendas caiu a 0,51% (sendo que era mais que o dobro disso, 1,11%, em 2011).

As atividades internas de P&D da indústria também perderam importância, passando a 0,62% da receita líquida de vendas em 2017. Do lado dos serviços, o destaque fica para o incremento das atividades internas de P&D, chegando a 2,4% das receitas líquidas de vendas em 2017, ante 2,13% em 2014. A aquisição de máquinas e equipamentos é uma relevante modalidade de inovação de processo no Brasil. Sendo assim, a queda observada vem em consonância com a queda da inovação de processo no Brasil.

Por sua vez, além da crise de 2015-2016 com a retração do PIB brasileiro, a depreciação cambial tende a impactar negativamente, no curto prazo, a aquisição de máquinas e equipamentos das empresas – sendo que esses produtos têm sido cada vez mais importados do que produzidos localmente em decorrência da desindustrialização do país. Vale ressaltar que essa aquisição de máquinas e equipamentos é a principal forma de inovação das empresas, especialmente de inovações de processo. Além disso, os incentivos do governo na aquisição de máquinas e equipamentos se reduziram bastante.

Como se pode observar do Gráfico 1, a proporção de empresas inovadoras que se beneficiaram de programas do governo para inovar caiu de forma substantiva: de 39,9% (2014) para 26,2% (2017). Essa redução foi impactada principalmente pela queda de incentivos para a aquisição de máquinas e equipamentos – muitas linhas de financiamentos foram cortadas drasticamente e taxas oferecidas pelo BNDES foram majoradas com a mudança de diretrizes da instituição no período.

Em particular, na indústria, o percentual de empresas inovadoras que utilizaram o financiamento para aquisição de máquinas e equipamentos caiu sensivelmente de 31,4% (2014) para 14,1% (2017).

Outros dados da Pintec levantam as dificuldades de se inovar pelas empresas inovadoras. Entre elas, destacam-se os riscos econômicos excessivos, os elevados custos para inovar e a falta de pessoal qualificado. De fato, por conta da crise entre 2015-2016, a incerteza chegou a níveis muito elevados e, além disso, houve encarecimento das fontes de financiamento, em parte explicado pela elevação da Selic no período.

Por fim, vale verificar a participação de Universidades ou Institutos de pesquisa nas inovações praticadas pelas empresas brasileiras. Verifica-se que houve uma deterioração do resultado, revertendo a tendência de alta desde 2003. Dentre as empresas inovadoras, essas instituições tiveram alta importância para 2,8% delas; tiveram média importância para 1,5% delas; e baixa importância para 11,2% delas (em 2017).

Em suma, a partir dos dados da Pintec 2017 (que possui uma infinidade de outros dados preciosos sobre o tema), verifica-se a deterioração da incipiente tentativa de dar robustez ao Sistema Nacional de Inovação Brasileiro. Certamente, o conturbado ambiente econômico do período contribuiu para esse resultado.

No entanto, percebe-se a falta de incentivo de financiamento governamental para as firmas inovarem – restando essencialmente a opção do autofinanciamento para as empresas que têm essa condição, normalmente as maiores.

Com isso, empresas nascentes, dadas suas menores possibilidades de autofinanciamento, ficam prejudicadas, sendo que muitas delas poderiam trazer novidades aos mercados e maior competição em seus respectivos setores. Vale lembrar que a captação de recursos para a inovação tem complexidade particular por algumas razões, quais sejam, a dificuldade de mensuração do ativo, a indivisibilidade do conhecimento, a possível dificuldade na apropriação dos resultados e a grande assimetria de informação entre o tomador e o credor. Todas essas questões tornam ainda mais essencial a presença e a participação do Estado nesse processo.

Outra situação que preocupa o cenário inovativo nacional é a do Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), criado em 1969 e que é gerido pela empresa pública Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Seus recursos financiam pesquisas em empresas e universidades.

Também ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), há recursos operacionalizados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), especialmente para apoio a pesquisadores. Tais instituições sofreram ameaças recentes de alterações profundas de sua estrutura e redução de dotação orçamentária.

São todas ações que aumentam a instabilidade e insegurança do Sistema de Inovação, especialmente porque investimentos em C&T demandam esforço cumulativo e contínuo. O gráfico abaixo[1] mostra a discrepância entre os valores levantados pelos projetos de Lei Orçamentária Anual e os efetivamente liquidados. Nota-se uma tendência decrescente desde 2013.

Além disso, os investimentos no setor de ciência, tecnologia e inovação por parte do governo têm se reduzido, contribuindo para o cenário descrito pela Pintec 2017. Como se pôde observar acima, a interação entre universidades e empresas já começou a se deteriorar, ante uma tentativa de avanço anterior. Ademais, entre 2004 e 2015, os gastos em P&D/PIB vinham crescendo no país, mas passaram a se reduzir desde então para 1,263% do PIB em 2017 (em 2015, era de 1,343% do PIB, segundo dados do Banco Mundial). Em contrapartida, países como Alemanha, Estados Unidos e Japão investem perto de 3% do PIB em P&D; França, Inglaterra e China estão perto de 2%; a Coreia do Sul cerca de 4%.

Certamente os números divulgados para o triênio 2018-2020 também não vão ser alvissareiros, sendo que a área de ciência tem perdido relevância no orçamento federal. Isso se deve à aplicação de um Teto de Gastos muito rígido e que não exclui despesas de maior qualidade, como em P&D.

Sendo assim, medidas de corte de gastos acabam atingindo áreas prioritárias para o desenvolvimento econômico do país, não só provocando efeitos deletérios de curto prazo, mas de longo prazo – com a estagnação, ou até a retração, da qualidade do SNI brasileiro. As últimas três dotações para a função de Ciência Tecnologia do FNDCT exemplificam a situação. Para 2018, os valores destinados foram de pouco mais de 951 milhões de reais. Em 2019, de 841 milhões. Para este ano, foram destinados apenas 609 milhões.

Até mesmo pequenas medidas (em termos financeiros, mas com grandes impactos na inovação nacional) poderiam ser tomadas para fortalecer o sistema inovativo brasileiro, mas são frustradas pela rigidez de despesas. É o caso, por exemplo, do necessário fortalecimento do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Em 2018, havia mais de 200 mil pedidos de patentes pendentes. O tempo médio para concessão de patentes é de 10 anos, ou seja, quando for concedida a patente, é muito provável que a inovação já tenha ficado obsoleta dada a velocidade do avanço tecnológico que se observa atualmente no mundo.

Outra medida seria o incremento da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), criada na tentativa de seguir a bem sucedida Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Em resumo, é premente a volta da priorização de despesas em C,T&I. Seja em repasses para instituições de ensino e pesquisa (para expandir a formação de cientistas e a produção científica), seja na ampliação dos valores disponíveis para o financiamento para as empresas inovarem, ou mesmo na contratação de mais pessoal (caso do INPI, por exemplo). Há algumas janelas de oportunidades a serem aproveitadas, a despeito da atual crise sanitária e econômica que o mundo atravessa. Para o Brasil, percebeu-se, diante de tantas dificuldades enfrentadas, que um Sistema Nacional de Inovação é peça chave para o enfrentamento de crises e para o desenvolvimento econômico. A recente desvalorização cambial, caso seja estabilizada em patamar superior pode ser benéfico à indústria e à inovação no médio prazo – desde que os efeitos deletérios de curto prazo sejam amenizados ou neutralizados. Essas despesas com Ciência, Tecnologia e & Inovação podem auxiliar o país a acelerar o PIB no curto prazo e, mais importante, vão criar condições para o Brasil continuar a crescer no longo prazo.

[1] Nota técnica 48, da Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação e Infraestrutura do IPEA, de Agosto de 2019. Disponível em: < https://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/nota_tecnica/190828_NT_48_Diset.pdf >.

Fonte: Brasil Debate

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