Sem Ministério da Saúde, sobrevivemos com prefeitos e governadores

Na opinião de Maria Célia Vasconcellos, gestora de saúde de Niterói, governadores e prefeitos tiveram um papel estratégico para que a coisa não estivesse pior na pandemia. “Não temos ministério da saúde mas estamos sobrevivendo com as secretarias municipais e estaduais”.

A gestora de saúde de Niterói, Maria Célia Vasconcellos, participa do ciclo de debates Diálogos, Vida e Democracia, do Observatório da Democracia

O ciclo Diálogos, Vida e Democracia voltou, nesta segunda (18) com o debate Coronavírus, Isolamento Social e Saúde Pública tratado do ponto de vista feminino. Promovido pelo Observatório da Democracia, unificou oito fundações partidárias em torno do tema da pandemia de covid-19 e seus impactos.

Sob coordenação de Elaine Cruz, coordenadora do Setorial Nacional de Saúde do PT, o debate contou com as convidadas: Lígia Bahia, médica sanitarista e professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ); Glória Teixeira, professora de epidemiologia do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA; Rosa Maria Marques, professora titular de economia da PUC-SP e ex-presidente da ABrES; e Maria Célia Vasconcellos, vice-presidente de Atenção Coletiva, Ambulatorial e da Família da Prefeitura de Niterói (RJ).

Assista ao debate completo abaixo:

A gestora de saúde de Niterói, Maria Célia Vasconcellos, observa que países com arranjos de saúde pública conseguiram sair melhor do que outros que contam apenas com o sistema privado. Ela lembrou o sistema inglês, tão tripudiado por Margareth Thatcher, que nos anos 1980 quase o levou à bancarrota, mostrou que tem um peso mundial ao mostrar a força de um sistema público em momentos críticos como esse. “A ironia é o ministro conservador sair do hospital falando maravilhas”.

O Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS) também foi implantado sobre muitos ataques desde o início, no governo Collor, lembra ela. Por outro lado, o recente “teto de gastos” incide exatamente sobre saúde, educação e assistência, que mostra o enfrentamento do sistema, ainda hoje.

Epidemias como essa também não são novidade no Brasil. Ela menciona a mais recente e violenta: a dengue. Estados e municípios que têm Sistema Único implantado é o que salva o enfrentamento destas doenças. “Não temos Ministério da Saúde, mas estamos sobrevivendo com as secretarias municipais e estaduais”.

Para ela, contraditando a argumentação no debate sobre a fragilidade do SUS, Maria Célia o considera “uma potência” com enorme fôlego num momento trágico como o atual. A questão que deve ser colocada, neste momento, de acordo com ela, é que SUS teremos a partir de agora.

Maria Célia exemplificou o aspecto de governança local salvando a população da epidemia, enquanto o governo federal se omite, com sua experiência em Niterói. “Tenho a sensação de que vivo numa ilha, literalmente”, diz ela, referindo-se ao perfil progressista dos governos locais, desde 1989, numa alternância entre PT e PDT, com uma forte visão de apoio ao SUS.

Com 513 mil habitantes, os cadastros reais no Médico de Família de Niterói é de 220 mil pessoas. Ela falou da importância do surgimento do Samu no Governo Lula, que foi uma experiência extraordinária, segundo ela, com um papel fundamental em qualquer governo, hoje.

Por outro lado, ela acredita que as UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) acabaram criando uma desordem muito grande, com confusão pra população na “qualidade da assistência, na porta de entrada, no acesso e na garantia de cuidado”.

De acordo com Maria Célia, em Niterói, quando ouviram falar de Wuhan, já começaram a agir em torno de obtenção de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), “que hoje é mais caro que ouro em pó”.

Sem a coordenação nacional num país complexo como o Brasil, os governadores e prefeitos tiveram papel estratégico para que a coisa não estivesse pior. “São os que estão governando esse país”.

Ela relata que o isolamento social ganhou a cidade, logo no começo. Temos movimentos sociais vinculados, renovados e permanentes no diálogo com o governo. “Isso fortaleceu muito o governo”, afirmou. A Universidade Federal Fluminense (UFF) também teve um peso enorme na cidade, ajudando a avançar. “Esta é uma cidade que tem uma história diferenciada. Essa é a verdade”, disse ela, mencionando as manifestações na cidade em defesa da UFF, quando ela o governo federal ameaçou a redução de recursos.

Famílias tiveram um cartão de crédito para comprar alimentos para as crianças. Foram distribuídos 80 mil kits de higiene básica para cada família com instruções. A Prefeitura faz testagem rápida, providenciou um hospital arrendado exclusivo para covid-19, um hospital clínico e serviços de pronto atendimento. “Conseguimos segurar toda essa demanda com uma rede, o conceito de rede”.

Agora, ela diz que estão preparando uma discussão de como sair da quarentena. “A população está exausta, apesar da adesão nestes 60 dias de isolamento social, acompanhado de pressão da direita. Não estamos livres de manifestação de  domingo”, ressaltou. Mas, com tudo isso, Niterói teve 70 óbitos e um achatamento da curva muito significativo. “Sabemos que, talvez, tenhamos que recuar com esse vai e volta da epidemia”.

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