De Olho no Mundo, por Ana Prestes

Um panorama dos acontecimentos com a análise da cientista política Ana Prestes destaca, entre outros fatos, a precaução da OCDE para acolher o Brasil em razão das acusações de Sérgio Moro contra Jair Bolsonaro.

Em algumas ocasiões anteriores, falei sobre o desejo do governo Bolsonaro de colocar o Brasil no rol dos países participantes da OCDE. Tanto é que abriu mão, após reuniões de Bolsonaro com Trump, do tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Algo que poderia fazer muita diferença para nós neste momento de pandemia global, por exemplo. Mesmo rastejando e abrindo mão de conquistas internacionais, o Brasil está sendo na prática enrolado pelos EUA no esforço que este pode fazer para o avanço do ingresso bolsonariano na OCDE e ontem pode ter havido mais um revés. Segundo Drago Kos, presidente do grupo de trabalho sobre corrupção da OCDE o Brasil precisa investigar as acusações feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro de tentativa de interferência do governo na Polícia Federal. Segundo ele, “nossos estados membros são muito, muito rigorosos ao discutir a adesão à OCDE, por isso espero que o Brasil use isso como uma oportunidade. Mas, se as coisas não forem para o lado certo, nossos estados membros saberão como lidar com isso”. Ainda nas palavras de Kos, sobre o trabalho de investigadores no Brasil, a questão agora, a saber, é “quão livres eles estarão para fazer seu trabalho”.

Segundo uma reportagem do El País, o Brasil já perdeu mais profissionais de enfermagem para o coronavírus do que Itália e Espanha juntos. Ao todo 73 trabalhadores da enfermagem já perderam a vida no Brasil. Cerca de 85% dos profissionais de enfermagem no país são mulheres. A maior parte das vítimas (41) tinha menos de 60 anos, uma tinha 29. A situação é tão grave, que para termos uma ideia, nos EUA, onde já houve mais de 70 mil mortos por Covid-19, 46 profissionais da enfermagem morreram, no Brasil, ainda não chegamos a 10 mil mortos e mais de 70 enfermeiras e enfermeiros já perderam a vida.

Algo que eu também já havia abordado anteriormente e continua se confirmando: a situação de descontrole da pandemia por coronavírus no Brasil está assustando os países vizinhos. Matéria de ontem de O Globo, reporta várias reações dos países vizinhos à situação brasileira. A maior preocupação está no cone sul. Entre Argentina, Paraguai e Uruguai, por se tratar da fronteira mais próxima de São Paulo, que é o epicentro da pandemia no Brasil e também por serem os países com maior fluxo de pessoas, muitas cidades são binacionais. Eu já havia citado aqui a frase do diretor de Vigilância em Saúde do Paraguai, Guillermo Sequera: “se o Brasil espirra, nós pegamos pneumonia”. Um dos pontos mais sensíveis hoje é o comércio, pois o transporte de mercadorias continua ativo nas fronteiras. Segundo a pesquisadora Mônica Hirst, “há uma reversão de expectativa do que se esperaria do Brasil, um país que tem um peso muito grande na região. Isolar-se de um país pequeno, com quem se mantêm relações comerciais irrelevantes, é uma coisa. Isolar-se do Brasil por causa de uma ameaça é muito mais difícil e custoso”.

A cada dia vai ficando mais claro que a “Operação Gedeón” de ataque à Venezuela pela costa marítima do Caribe, na região de La Guaira, foi orquestrada por forças norte-americanas junto com colombianas. Segundo o presidente venezuelano, Nicolas Maduro, em anúncio na tv estatal, o governo do país sabia de tudo, “o que eles falavam, o que não estavam comendo, o que estavam bebendo e quem os financiava”. Maduro está seguro de que a agencia norte-americana DEA está por trás da organização da operação. Segundo ele, o governo colombiano de Iván Duque foi cúmplice. Os treinamentos para a operação foram feitos em solo colombiano. O chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, já havia compartilhado com a ONU evidências de que se planejava um novo ataque à Venezuela. O desbaratamento da operação por parte da Venezuela teve ares cinematográficos. Eram dois barcos, com o primeiro, em La Guaira, houve troca de tiros que resultaram em 8 mortos e dois detidos. Já o outro barco, encontrado em alto mar na região de Aragua, teve seus tripulantes capturados por pescadores venezuelanos e amarrados com fios de nylon ao lado de uma peixaria. Sobre o caso, Trump disse na terça (5), “acabei de ser informado, não tem nada a ver com o nosso governo”. O secretário de defesa, Mark Esper, também falou que a Casa Branca “não tem nada a ver com o que aconteceu na Venezuela nos últimos dias”. Um dos norte-americanos que pode estar envolvido na montagem da operação, Jordan Goudreau, aparece em foto próximo a Trump em 2018. Ele é fundador da empresa Silvercorp USA, que presta serviços em segurança privada e que teria sido contratada para organizar a operação Gedeón. Os dois americanos detidos, Luke Denman e Airan Berry trabalham para essa empresa. No dia de ontem (5), o secretário de Estado Mike Pompeo disse que a diplomacia americana está tentando repatriar os detidos. Para defender seu governo do envolvimento no caso, Pompeo disse: “se estivéssemos envolvidos, teria sido diferente”.

A economia da zona do Euro pode cair 7,75% em 2020 e a da União Europeia como um todo 7,4%. Estas são as previsões divulgadas ontem (6) pela Comissão Europeia. A Itália sofrerá o maior baque, segundo o informe, com uma queda de 9,5%, seguida da Espanha com 9,4%. A dívida pública da Itália pode chegar perto dos 160% do PIB este ano, maior taxa desde a segunda guerra mundial. A Alemanha terá menos impacto, se comparada com os outros países, com 6,5%. O desemprego na zona do Euro pode chegar a 9,5% esse ano, sendo que em 2019 foi de 7,5%. Em toda a UE o desemprego deve chegar a 9%. Os países com forte dependência do turismo serão os mais afetados. Na Espanha o desemprego pode chegar perto dos 20%. Segundo o comissário europeu para Economia, Paolo Gentiloni: “a Europa está passando por um choque econômico sem precedentes desde a Grande Depressão. Tanto a profundidade da recessão como a força da recuperação são irregulares”.

O Five Eyes Group, que reúne Austrália, Canadá, EUA, Reino Unido e Nova Zelândia, apresentou esta semana um relatório em que aponta a falta de evidências de que o coronavírus Sars-CoV-2 que hoje causa uma pandemia global tenha sido fabricado em um laboratório chinês. O relatório de 15 páginas foi anunciado pelo jornal Australian Daily Telegraph e acusa a China de ter escondido evidências do potencial risco pandêmico do novo vírus. O relatório foi mundialmente criticado por não apontar nenhuma descoberta e ainda aumentar a tensão com a China, em um momento em que é necessária a cooperação mundial em torno de respostas que possam salvar a humanidade desta pandemia.

Ocorreu esta semana a primeira reunião virtual do ACT Accelerator (Acelerador do Acesso a Instrumentos para a Covid-19). A plataforma foi criada pela OMS com países e organizações privadas para acelerar o desenvolvimento de uma vacina e remédios contra o novo coronavírus. O projeto também visa facilitar o acesso global a novos remédios e kitis de testagem (infos do Nexo). Até agora já conseguiram arrecadar 45 bilhões de dólares para financiar os estudos e pesquisas. O objetivo do acelerador seria “salvar milhões de vidas, poupar trilhões de dólares e retornar ao mundo uma sensação de ‘normalidade’”. Governos dos EUA, Brasil, Rússia e Índia não estão participando, já Israel e Reino Unido estão. Já surgem várias críticas por parte de analistas e cientistas brasileiros pela não participação do Brasil na iniciativa.

Começou ontem (6) e vai até o dia 15 de maio um plenário virtual com negociadores dos EUA e do Reino Unido. É o pontapé inicial para a construção de um grande acordo de livre comércio entre os dois países pós Brexit.

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