Plano Pró-Brasil é “um PowerPoint de intenções”, diz Nelson Marconi

“Foi uma apresentação muito incompleta, superficial”, agrega o economista

Coordenador do programa de governo de Ciro Gomes (PDT) nas eleições presidenciais de 2018, o economista Nelson Marconi desdenha do Plano Pró-Brasil, anunciado de forma atabalhoada pelo governo Jair Bolsonaro. Embora o plano preveja investimentos de R$ 215 bilhões em obras públicas – o que seria louvável –, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já “sentou” em cima do projeto. O próprio presidente voltou atrás.

“Não há um plano. É um PowerPoint de intenções”, diz Marconi, em entrevista à revista Época. “Foi uma apresentação muito incompleta, superficial. Como intenção, é interessante, mas é uma medida tímida”, agrega o economista, que é mestre e doutor pela FGV (Fundação Getulio Vargas). Marconi é também pesquisador visitante na Universidade Harvard, além de professor e coordenador executivo do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da FGV.

Confira trechos da entrevista.

Época: Em meio à crise do novo coronavírus, o governo lançou e depois congelou o Plano Pró-Brasil. Qual é sua avaliação desse plano?
Nelson Marconi: O ponto positivo do Pró-Brasil foi reconhecer qual será a saída da crise. No período pré-coronavírus, já era esse o caminho. No período pós-coronavírus, vai ser ainda mais importante retomar os investimentos públicos. Os investimentos privados já não existiam antes. De agora em diante, muito menos. O ponto negativo é que, na verdade, não há um plano. É um PowerPoint de intenções. Foi uma apresentação muito incompleta, superficial. Como intenção, é interessante, mas é uma medida tímida.

Época: Caso fosse adiante, esse plano representaria uma maior participação do Estado na economia?
NM: É um movimento conflituoso dentro do governo. Há uma ala que percebeu que esses investimentos são necessários. Mas, por outro lado, continua a haver todo um outro grupo que ficou muito aborrecido com o lançamento desse programa, que é o Ministério da Economia.

Época: Antes da pandemia, o Brasil tinha uma agenda liberal. Qual é o significado do lançamento e do recuo do Pró-Brasil?
NM: O governo é hesitante porque não quer romper com pontos como o teto de gastos, que precisaria ser flexibilizado para um programa como esse. Além disso, um governo enfraquecido como este, mesmo que tivesse uma reorientação da agenda econômica, teria dificuldade de implementá-la. Isso vale para uma agenda como o Pró-Brasil e uma agenda liberal. Pode até ser que Bolsonaro tivesse interesse em reorientar, mas não teria competência para fazer andar. O governo está mais preocupado em sobreviver.

Época: Entre as medidas adotadas pelo governo diante do novo coronavírus está o benefício de R$ 600 concedido a milhões de brasileiros. Essa é uma política liberal?
NM: Acho que essa medida não merece rótulos. É uma situação emergencial em que ficou meio consensual que os governos precisariam fazer esse tipo de socorro porque a economia parou, a renda de todos parou. Não dá nem para dizer que é uma economia de guerra, porque na guerra você ainda está produzindo. A economia parou. Eu nem entraria no mérito de dizer se é liberal ou não. Todos os governos pragmáticos adotaram uma medida como essa.

Época: A transformação da China na “fábrica do mundo” acelerou o processo de desindustrialização em vários países, inclusive no Brasil. A pandemia deverá fazer os países evitarem uma dependência da China?
NM: É fundamental que a gente tenha uma estratégia que defenda os interesses do país. Isso envolve uma série de políticas industriais, mas também de tecnologia. Os Estados Unidos – que são o estado da arte da economia liberal – reconverteram boa parte da produção quando tiveram problemas. O presidente Donald Trump forçou empresas a produzirem determinados equipamentos em suas plantas americanas. Agora ficou claro todo o nosso déficit na área de equipamentos médicos. Há vários outros setores similares. O Brasil vai ficar dependendo de os outros países quererem demandar nossas commodities. É uma briga. Queremos ser os liberais, mas, no fundo, ninguém é liberal. Todo mundo acaba se protegendo.

Época: O liberalismo sai mais forte ou mais fraco após a crise?
NM: Essa discussão vai continuar eternamente. A tendência é sair um pouco mais enfraquecido. Ficou claro que não será necessário apenas ter uma reorientação da estratégia de investimento do setor público. Mas no Brasil ainda estamos muito atrasados. O mundo já estava discutindo política industrial muito antes da Covid-19. No Brasil, vamos voltar para o mesmo ponto em que estávamos antes, porque continuamos tendo um fanatismo liberal por causa dos erros feitos no passado pela política econômica do PT.

Época: Como será a economia após o fim da crise? A recuperação será puxada pelo setor privado ou pelo setor público?
NM: A recuperação vai depender de como os governos ajudarão o setor privado. Pode ser por investimento público direto, em áreas como o saneamento. Ficou claro que as pessoas mais prejudicadas são aquelas com condições sanitárias piores. Se tivesse uma política bastante focada em saneamento, o país resolveria dois problemas ao mesmo tempo. Para mim, o Estado vai ter de entrar de uma forma ou de outra na equação. Ou ajudando as empresas privadas ou fazendo investimento direto. Estamos num tempo anormal, que precisa de soluções não tradicionais.

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