É desleal Bolsonaro acusar os governadores, afirma Flávio Dino

No Rio de Janeiro, carreatas circularam em frente a portas de shoppings fechados defendendo a reabertura do comércio. Como andam as tratativas com o governador Wilson Witzel que participa com o senhor do grupo de gestores estaduais?

O governador do Maranhão, Flávio Dino - Foto: Divulgação

Nós temos procurado a máxima convergência possível. Todos os governadores estão trabalhando na mesma direção: cumprimento das normas sanitárias e orientações aos profissionais de saúde. Temos quase 100% de adesão da imensa maioria dos governadores para esta visão, pelo qual se precisa cuidar da rede assistencial de saúde para que ela dê conta da demanda, e isto é uma situação inédita na vida brasileira, uma sobrecarga simultânea, quando milhares, milhões de pessoas precisam ao mesmo tempo de serviço de urgência. Não é só uma crise brasileira, mas global. Quando se vê as dificuldades práticas de se conseguir prédios, camas, profissionais de saúde, equipamentos, você percebe que as medidas preventivas, além de eficientes, elas são inteligentes. Eficientes, porque protegem e salvam vidas, e são inteligentes, porque permitem que haja tempo para que o sistema de saúde seja ampliado para dar conta desta super demanda. É espantoso que haja autoridades políticas que divirjam disto, deriva do individualismo, egoísta, de uma visão como se estivesse o dinheiro na frente das pessoas. Eu, naturalmente, tenho preocupação com empresas e o empregos. Eu lamento profundamente a devastação econômica que o Brasil está passando e vai passar. Mas, faço questão de frisar, é irresponsável, desleal atribuir a devastação econômica aos governadores. A devastação deriva da paralisia da economia mundial e interna pela gigantesca crise brasileira que não foi causada por nenhum governador em particular. Estas pessoas que têm esta pirâmide valorativa invertida, e colocam na frente o dinheiro, fazem uma pressão sobre os governadores e gestores em modo geral. Entendo as preocupações de alguns empresários. Mas é preciso entender que um gestor público não pode governar apenas ouvindo um seguimento e precisa ouvir a todos, colocando os interesses coletivos na frente dos individuais, sob pena que cheguemos a vivenciar aqui o que ocorre em outros países, onde pessoas morrem nas ruas porque não conseguem nem sequer entrar no sistema de saúde. Eu tenho defendido, mesmo em relação ao governador do Rio – e outros governadores -, que não tem idêntica posição política que a minha, mas existe uma convergência em relação a isto, estas medidas protetivas, e durante algum tempo, não são eternas, mas neste período não há dúvida que são medidas necessárias.

O Wall Street Journal considerou o presidente Bolsonaro como o “pior presidente frente à pandemia” e o Financial Times o chamou de um dos “piores negacionistas do planeta”. A ação dos governadores, onde o senhor é um protagonista, pode ajudar o país, não só na pandemia, mas posterior a ela, diante das deficiências do governo Bolsonaro?

Lamentavelmente, as constatações feitas por esses veículos de imprensa correspondem aos fatos. A minimização do coronavírus fez com que não houvesse uma preparação adequada do governo federal para assumir uma coordenação nacional e também para prover serviços, atividades fundamentais, a exemplo da fabricação ou mesmo compras de insumos de saúde. Esta lacuna deixada pelo Bolsonaro fez com que os governadores tivessem de assumir seus papéis próprios e ao mesmo tempo suprir essa carência de coordenação nacional. Isso vem sendo feito nos fóruns de governadores, sejam nacionais ou regionais, e que nós temos procurado ter ação mais coordenada possível, trocando informações, experiências, acesso a mercados que possam propiciar compra de respiradores, máscaras, luvas, testes, todos estes conjuntos de itens que estão sendo extremamente demandados. A articulação dos governadores tem um papel posterior também, na medida que, lamentavelmente, o pior está por vir. Há uma crise sanitária em andamento, sendo aprofundada objetivamente, com colapso em várias redes de saúde pelos país, e ao mesmo tempo temos uma ascensão de uma crise econômica jamais vista na história brasileira. Então, nós vamos precisar muito de união nacional, e os governadores, em razão dos extremismos, dos belicismos, e as insuficiências técnicas do presidente da República, terão de desempenhar um papel muito grande junto a outras instituições, como Congresso Nacional e Judiciário.

O senhor driblou as restrições do governo federal e conseguiu comprar respiradores para o povo do Maranhão. O senhor poderia falar sobre isto?

Muitos estão tentando comprar estes produtos, e não conseguem. Mesmo tendo os recursos financeiros, sofrem o embaraço de ordem logística. Nós tivemos compras frustradas por uma série de fatores, compras no mercado nacional e internacional, porque de fato há uma super demanda e uma deficiência de oferta. Como o parque industrial brasileiro não se preparou a tempo e não conseguiu suprir a necessidade, ficamos dependentes da operação de importação de um mercado bastante distante ao nosso, essencialmente a China. Nós tivemos uma compra do consórcio nordeste que foi frustrada, que fez com que a gente buscasse caminhos alternativos, rotas alternativas, justamente para que não sofrêssemos embaraços por obstáculos formais ou informais, colocados por interesses de outros países. Uma empresa privada brasileira nos ajudou montando uma rota que nos permitiu, sem nenhum sobressalto, que os produtos chegassem ao aeroporto de São Paulo, onde foi embarcado imediatamente num avião que o governo do estado fretou, e transportado a São Luís. Com isso, concluímos um esforço de 30 dias de trabalho. Outro dia, atendi três governadores angustiados, porque não conseguem receber simplesmente aquilo que já compraram e pagaram. Eu penso que o presidente da República, se tivesse preocupação social, mobilizaria a Força Aérea, inclusive seu próprio avião, o avião presidencial, que é grande e mandaria lá para a China. Não para receber doações, é simplesmente para transportar aquilo que já foi comprado e pago por governos brasileiros. Não sei se o governo brasileiro fez compras, mas vários estados fizeram e enfrentam este mesmo problema. Infelizmente, nós próprios tentamos ajuda do Governo Federal, mas não conseguimos, fomos amparados por esta empresa privada brasileira e, felizmente, deu tudo certo.

Na eleição presidencial brasileira, com o impedimento definitivo da candidatura de Lula, poderia haver um gesto em apoio a um nome como o do senhor?

Eu acredito muito que nós devemos ter no planejamento de nossas ações um escalonamento de prioridades. Há em curso no Brasil algo poderoso e abrangente, não apenas o plano sanitário e econômico, mas também no plano político. Na verdade, eu tenho muito receio de que a agudização da crise sanitária e econômica levem a ruptura do pacto democrático. Meu foco principal é: primeiro lugar, a gestão da crise sanitária no meu estado; em segundo lugar, ajudar no debate nacional em torno de saídas para o Brasil, como medidas sociais, na linha da renda básica, e econômicas, estímulo às empresas com ampliação de linhas de crédito e planejamento público que leve a obras; em terceiro lugar, preservação da democracia. Nós conseguiremos impedir que esses cavaleiros do apocalipse consigam êxito nos seus objetivos de gerar caos, desespero e medo. Porque a prevalência destes sentimentos acabaria sendo nociva à continuidade da experiência democrática no Brasil. As correntes fascistas, como essas lideradas pelo Bolsonaro, se alimentam disto muito fortemente, do caos, do temor, do medo, do pânico. Diante do gigantismo de todas estas tarefas, o calendário eleitoral hoje se tornou ainda mais distante. Por esta razão, não teria como lhe apresentar uma formulação sobre uma eleição de 2022; nós precisamos ter um pacto amplo, fundado no bom senso, em defesa da democracia para que o país sobreviva, proteger os mais pobres, e reerguer a economia brasileira a fim de permitir que as instituições democráticas continuem a funcionar. Hoje, meu objetivo no campo político é, sobretudo, este, proteger a democracia, pacto pelo bom senso, evitar que fascismo vença e, com isso, garantir, aí sim, que mais na frente a gente possa tratar de projetos eleitorais. Mas hoje eles são um ponto muito pequeno frente aos desafios que o Brasil atravessa. Chegando até lá, aí sim, nós da esquerda temos não só o direito, como obrigação, de apresentar uma alternativa que nos tire do caminho da barbárie. Governador, o presidente Jair Bolsonaro tem usado de ironia quando questionado sobre ascensão do número de mortes por coronavírus. O que o presidente faz de errado? Qual deveria ser sua atuação?

Um chefe de Estado, em situações críticas como esta, deveria procurar uma união nacional. Bolsonaro é praticamente um único líder da cena internacional que busca exatamente o oposto. Desde o início da pandemia, ele se distrai das suas obrigações administrativas com essas desastradas agressões contra tudo e contra todos. Ele dissemina ódio e sabotagem contra aqueles que tentam proteger a saúde da população. Por tudo isso, fica evidente que ele não está a altura do cargo de liderar um país da dimensão do Brasil, e especialmente num momento de crise, em que ele deveria ser o vetor de soluções, e, ao contrário, ele tem sido um criador de problemas e confusões. O Bolsonaro se notabiliza por ser extremista, belicista, que sempre busca o conflito, exatamente visando ocultar as suas gravíssimas ineficiências administrativas. Além disto, tem demostrado na crise do coronavírus essa brutal desumanização, esse comportamento obsceno de minimizar as dores de tragédias alheias, então, não há dúvida que esta conduta de um chefe de Estado é absolutamente inadequada, configura flagrante violação de deveres morais, éticos e também de deveres jurídicos. Por isso, considero que o resultante disto tudo, desta reiterada atitude de desprezo à vida, e de ataque às outras instituições, deve conduzir uma apuração rigorosa à luz do artigo 85 da Constituição Federal e da lei 1079, de 1950, que tipificam os chamados crimes de responsabilidade. Quebrar o decoro inerente ao exercício da função pública, assim como ameaçar, coagir, agredir outros poderes constitucionais, são condutas que estão previstas nestes diplomas jurídicos, como ensejadores de processo de perda do cargo, de impeachment. De modo que considero, após a pandemia, devemos todos nos debruçar à vista da gravidade dessas atitudes do Bolsonaro.

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Fonte: Sidney Resende – O Dia