A economia mundo pós pandemia

O mundo pós-pandemia está em disputa, não pela justiça social, distribuição de renda, liberdades democráticas e direitos humanos. Mas pelo poder político, econômico, ideológico e cultural que está se dando através do “jogo das trocas” e do “jogo das guerras”, bélicas e híbridas.

Montagem: Cezar Xavier

Lord Keynes, acreditando que as reparações econômicas se mostrariam desastrosa pelas forças de mercado, desenvolveu uma teoria colocando os gastos públicos, isto é, o Estado, como determinante para a retomada do emprego, do produto e da renda. Considerou que a teoria clássica não se aplica a um caso geral e que o Estado deveria exercer influência orientadora sobre a economia de mercado. Assim, com a crise de 1929 e o pós-guerra, sua teoria revolucionou profundamente o modo de pensar a economia marcando um radical rompimento na forma de fazer política econômica. A economia mundial permanecia lenta e estagnada e o animal spirits do capitalista, embora vivo estava adormecido. Assim o Estado assumiu o papel de maestro da orquestra, ao menos até os anos 1970.

Desde os tempos de Jean Baptiste Say (1767-1832) e David Ricardo (1772-1823), os economistas clássicos, assim chamados por Karl Marx (1818-1883), têm nos ensinado que a oferta cria sua própria demanda, que livre mobilidade de capitais é a garantia da eficiência econômica, que a participação do Estado na economia deve ser mínima e que a “mão invisível” de Adam Smith (1723-1790) assegura o equilíbrio dos fatores de mercado. Como se observa desta teoria econômica, fundada no século XVIII, ignora-se as contradições do “modo especificamente de produção capitalistas”, isto é, as crises do capital.

Desde a publicação de A Riqueza das Nações (1776), até o lançamento do volume 1 de O Capital (1867), por 91 anos a economia política foi dominada pelos clássicos. Os três volumes de O Capital foram uma revolução científica tão extrema e radical que teve a capacidade de perturbar a ideologia dominante da classe dominante. Mais tarde, com a Teoria Geral (1936), os postulados da economia clássica inglesa começaram a ser contestado com argumento teórico e prática empírica.

A doutrina liberal protagonizada pelo escocês Smith prevaleceu imutável na academia e na formulação de políticas públicas por mais de um século. Todavia desmoronou como um castelo de cartas com a crise de 1929. Lord Keynes, acreditando que as reparações econômicas se mostrariam desastrosa pelas forças de mercado, desenvolveu uma teoria colocando os gastos públicos, isto é, o Estado, como determinante para a retomada do emprego, do produto e da renda. Considerou que a teoria clássica não se aplica a um caso geral e que o Estado deveria exercer influência orientadora sobre a economia de mercado. Assim, com a crise de 1929 e o pós-guerra, sua teoria revolucionou profundamente o modo de pensar a economia marcando um radical rompimento na forma de fazer política econômica. A economia mundial permanecia lenta e estagnada e o animal spirits do capitalista, embora vivo estava adormecido. Assim o Estado assumiu o papel de maestro da orquestra, ao menos até os anos 1970.

Como resultado do esgotamento de um ciclo econômico, onde o capital encontra seus limites de valorização, a teoria neoclássica, agora de Milton Friedman (1912-2006), regressou novamente na ordem do dia. O sucesso da escola de Chicago foi imediato. Livre mobilidade de capitais, desregulamentação comercial, produtiva e financeira e Laissez-Faire, Laissez-Passer que estavam adormecidos pelas políticas keynesianas do pós-guerra ressurgiram, ainda com mais força. Uma nova teoria econômica para toda uma geração de economistas foi formulada. A mudança de padrão de “acumulação fordista” foi substituída pela “acumulação flexível” materializada nos portfólios (ativos) e nas relações e inovações financeiras.

Destarte, até 1987 tudo parecia ir bem. Mas quando o índice Dow Jones recuou 22,6% num único dia, levou ao pânico dos mercados. Tempos depois, em 1994, a crise mexicana novamente provoca a instabilidade dos portfólios. Anos mais tarde, em 1997, a crise asiática e, em 1998, a crise russa e brasileira reduzem a confiança dos agentes provocando incerteza e instabilidade na economia mundo. Em seguida, em 2000, a crise da Argentina e a bolha do pontocom nos Estados Unidos, provocada por uma ressaca de uma orgia especulativa, quebram as expectativas derrubando a valorização do valor. Em todas estas crises de valorização do valor em sua expansão quantitativa e qualitativa, a economia se recuperou a partir da intervenção conjunta e articulada do Banco Central e do Ministério da Economia dos Estados nacionais.

O capitalismo é assim, uma contradição viva em processo que cria barreiras e derruba barreiras e transforma a riqueza a partir das relações de poder.

De toda forma, a teoria neoclássica foi capaz de resistir às sucessivas crises que expuseram e exteriorizam as contradições do processo de valorização do capital do final da década de 1980 ao início dos anos 2000. Mas, em 2007-08, a economia mundial, impulsionada por fraudes na bolsa de valores dos Estados Unidos, entra novamente em crise. Só que desta vez balançando os pilares dos postulados neoclássicos provocando um terremoto de grandes proporções. Assim, políticas keynesianas retornaram a ordem do dia. Na oportunidade, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, apresentou a líderes da União Europeia um documento sobre as reformas mais importantes para a criação de um novo Bretton Woods. Nas crises a “mão invisível” que governa as forças de mercado e regulamenta a economia mostra-se impotente frente ao problema e inoperantes diante do desafio de encontrar soluções. Logo, em 2007-08, marcou o retorno de Keynes.

Passado a crise, depois da injeção de trilhões de dólares na compra de ativos podres, a teoria keynesiana que desencadeou revoluções intelectuais modernas, tornando-se um guia relevante para as políticas públicas, foi novamente proibida, isto é, a Teoria Geral que preconizou a atuação do Estado enquanto sujeito do processo econômico regressou ao Index Librorum Prohibitorum. Trata-se, por assim dizer, que para teoria neoclássica o gasto público que expande a demanda agregada estimulando a atividade econômica (para Keynes), definido como política fiscal expansionista, apresenta como tendência a elevação da dívida pública, o aumento do déficit fiscal e a inflação dos preços. Assim, a teoria keynesiana vai e volta. Dito de outra forma, a doutrina neoliberal do homo oeconomicus das expectativas racionais dotado de conhecimento perfeito não teve a capacidade de jogar a pá de cal na Teoria Geral do Lord Keynes.

Ora, as transformações da economia posterior a crise de 2007-08 são mais complexas quando comparada com as perturbações provocada pelas crises do final da década de 1980, mais dinâmicas que as crises dos anos 1990 e mais intensas e contraditórias que as crises do início de 2000. Nesta temporalidade, a riqueza efetiva da produção social tornou-se menos dependente das relações de trabalho e da produção de capital fixo, isto é, as finanças na sua forma líquida, abstrata e de forma “autônoma” e “independente” passou a ditar o ritmo da economia. Em sua metamorfose, o capital necessita de desregulamentação para poder-se valorizar sem empecilho de grilhões do Estado. Assim o capital tende com maior frequência a negar as condições de sua valorização.

Na toada das transformações capitalistas está o espraiamento da vulnerabilidade social, como já mostrado nos Tempos Difíceis (1854) de Charles Dickens (1812-1870), no Os Miseráveis (1862) de Victor Hugo (1802-1885), no Germinal (1885) de Émile Zola (1840-1902), no O Cortiço (1890) de Aloísio de Azevedo (1857-1913) e em tantos outros autores como Honoré de Balzac (1799-1850), Gustave Flaubert (1821-1880) e Charles Baudelaire (1821-1867). Nas obras destes autores da literatura clássica, encontramos interpretações expostas das contradições sociais dos prodígios da riqueza capitalistas, como pobreza, miséria, prostituição, superexploração da força de trabalho, violência e demais tipos de vulnerabilidade, cuja efervescência está na produção da desigualdade pela produção capitalista.

De todo o modo, a crença nas políticas keynesianas é insuficiente para fazer prosperar uma sociedade baseada nos princípios da justiça social e da igualdade dos povos. O Keynesianismo de Estado do pós-guerra resultou no Welfare State. Mas não significa que a ideia do progresso técnico e científico inscrita nos manuais de economia foi compartilhado com todos os países, principalmente com a periferia do sistema. A questão é que a teoria de Keynes é requisitada em períodos econômicos tumultuados. Todavia, na estrutura do capital em geral, se por um lado, a cada crise as contradições capitalistas, como pobreza e miséria, são acentuadas, por outro, significa que a crise apresenta como tendência elevar o grau de centralização e concentração da riqueza e poder. Ainda que no keynesianismo o gasto público seja determinante para o emprego e a renda, as relações de assalariamento e produtividade são compatíveis com a miséria da classe trabalhadora.

Destarte, no presente, a pandemia sanitária provocada pelo novo coronavírus (Covid-19) evidenciou novamente uma guinada ao keynesianismo (em algumas economias), isto é, uma expansão dos gastos públicos. Porém, mesmo com essa guinada estratégica para contornar a anarquia do capital, a concentração de renda na economia mundo, onde 1% da população mais rica do globo embolsa o dobro da renda de 6,9 bilhões de pessoas (a população mundial é de 7,7 bilhões), não vai mudar. Os 0,5% dos brasileiros que concentram quase 45% do Produto Interno Bruto (PIB) do país continuaram ricos. Os seis brasileiros que juntos concentram a mesma riqueza que os 100 milhões mais pobres do país (47% da população) continuaram ricos. Os 2,5 bilhões de pessoas (uma em cada três pessoas) que ainda não têm acesso a serviços de saneamento básico e água potável e os 78% dos habitantes urbanos dos países subdesenvolvidos que moram em favela continuaram com suas vidas marginalizadas pós-pandemia do novo coronavírus. Dessa maneira, os despossuídos e o direito dos pobres continuaram sendo negados, pois esta é uma das essências centrais que mantém vivo e ativo o “modo especificamente de produção capitalista”.

O keynesianismo requisitado das cinzas por alguns chefes de Estado, que especificamente nestes tempos doma os economistas mais ferozes da teoria neoclássica é, logo em seguida, negado e volta assim às teses de liberdade econômica de Hayek, Friedman e companhia limitada, ultrapassadas por fatos empiricamente demonstrados pela teoria e pela praxis econômica. Em todo o modo, a economia mundo pós-pandemia será mais desigual e violenta. Portanto não há um novo capitalismo pós-pandemia. Essa crise não é o enterro do neoliberalismo ou do Estado Mínimo. Pelo contrário, o que está em disputa e a deflagração da rivalidade entre as grandes potências: Estados Unidos, China e Rússia. O mundo pós-pandemia está em disputa, não pela justiça social, distribuição de renda, liberdades democráticas e direitos humanos. Mas pelo poder político, econômico, ideológico e cultural que está se dando através do “jogo das trocas” e do “jogo das guerras”, bélicas e híbridas.

Desta forma, pela evidência empírica da história econômica da economia mundo, o “moinho satânico” de Karl Polanyi (1886-1964) da pós-pandemia do novo coronavírus triturará, com mais intensidades, os homens e mulheres transformando-os em massa.

Juliano Giassi Goularti é doutor pelo Instituto de Economia da Unicamp

Publicado em Le Monde Diplomatique Brasil

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